sexta-feira, 5 de julho de 2024

A Trilogia “Centopeia Humana”

 Filmes Porcaria #2:

A Trilogia “Centopeia Humana”

    
       Existem filmes que podem ser classificados como extremos, perturbadores e, até mesmo, nojentos. Alguns representantes dessa categoria são obras “Salò ou os 120 Dias de Sodoma” (1975), “Holocausto Canibal” (1980) ou “A Serbian Film” (2010). Tais obras não são para qualquer público e todo aquele que quiser assistir esse tipo de filme devem sempre ter em mente que seu conteúdo é muito diferente do habitual, muitas vezes com cenas intensas de violência, tortura, imagens psicodélicas e atitudes grotescas.

Particularmente, esse tipo de obra não costuma me atrair. Entretanto, como apreciador da sétima arte, já assisti a alguns desses filmes, procurando apreciá-los com a mente aberta e buscando compreender qual o objetivo com que a obra foi criada e qual o sentido artístico e critico que ela possui.

E foi com esse mesmo intuito que eu tive contato com a trilogia de filmes “Centopeia Humana”. Assisti aos três filmes em um final de semana das minhas férias e cheguei a uma conclusão imediata: Essas três montanhas de lixo não tem nenhum sentido e são meras porcarias feitas com o intuito de chocar um público avido por coisas nojentas e pelo torture porn.

A Centopeia Humana (2009)

Com direção do execrável Tom Six (um diretor que parece gostar muito de si mesmo e acreditar piamente que é um gênio e suas obras são pura arte), esse filme conta a tragédia de duas amigas, Lindsay (Winter Williams) e Jenny (Ashlynn Yennie), que estão viajando juntas de carro pela Alemanha. Em certo momento, o carro apresenta problemas e as amigas acabam paradas no meio de uma estrada. Em busca de ajuda, as duas chegam a uma casa, onde mora o Dr. Josef Heitir (Dieter Laser), um excêntrico cirurgião.

Tom Six

               Não demora muito para Lindsay e Jenny perceberem que o Dr. Heitir não é uma boa pessoa e que está bastante louco. Ele droga as duas jovens e as leva até uma sala de cirurgia improvisada. O objetivo do insano cirurgião é unir as jovens junto com Katsuro (Akihiro Kitamura), um homem que já está preso nessa casa, em uma bizarra criatura, unindo as bocas destes indivíduos aos anus dos outros indivíduos, formando um único sistema digestivo. Heitir já fez uma experiência similar antes, unindo três rottweilers, mas os infelizes animais acabaram morrendo.

A horrível experiência é realizada, com Katsumo na frente, Lindsay no meio (como punição pela jovem ter tentado fugir) e Jenny no final. Após o procedimento, se seguem cenas de Heitir as pobres vítimas de seu experimento como seu animal de estimação, ensinando-as como se locomover, como comer e, a pior parte, como defecar na boca uns dos outros.

Esse primeiro filme é o menos gráfico dos três, com pouco gore e um enfoque menos destacado no grotesco das cenas. A maior parte das nojeiras que fizeram esse filme famoso são apresentadas no segundo ato e ocupam pouco tempo de tela.

As atuações são totalmente medianas e pouco destacadas. A única atuação mais aprimorada, se podemos dizer assim, é a de Dieter Laser, que imprime uma imagem realmente vivida de cientista louco ao Dr. Heitir, com seu olhar vidrado, expressões perturbadas e caminhar rígido.

A obra conquistou um público ávido por experiências intensas e se tornou conhecida através do boca a boca e dos fóruns da internet. Nessa época, franquias como “Jogos Mortais” e “O Albergue” estavam em seu auge e o torture porn tinha se tornado o novo Eldorado para o cinema de horror.

É claro que o filme é totalmente vazio de sentido e não possui nenhuma mensagem, critica ou interpretação mais profunda. Porém, Tom Six percebeu que poderia gerar curiosidade entre o público com a premissa absurda e a promessa de cenas chocantes.

Entretanto, esse filme não é chocante nem grotesco. É apenas decepcionante e vazio.

A Centopeia Humana 2 (2011)

Com o “sucesso” do primeiro filme, a sequência foi lançada dois anos depois. Desta vez, Tom Six resolveu recompensar seu público com aquilo que eles buscavam: cenas nojentas e grotescas, com gore gráfico e torture porn.

Logo de início, descobrimos que no universo dessa nova obra o filme anterior existe e é conhecido. Um dos “apreciadores” da obra original é Martin Lomax (Laurence R. Harvey), um tipo patético e com óbvios desequilíbrios mentais, que vive com sua mãe abusiva e suporta uma vida miserável. Uma das poucas coisas que alivia sua existência é assistir “A Centopeia Humana” (imagine-se o quão horrível deve ser uma vida para que uma pessoa tenha que se sentir contente vendo um lixo tão espantoso como esse), filme pelo qual é obcecado.

Aqui não há sutilezas ou subterfúgios. Tom Six optou pelo caminho fácil e recheou sua sequência com o suprassumo do que havia de mais repulsivo. Em uma cena da pior qualidade, Martin se masturba usando uma lixa, enquanto assiste “A Centopeia Humana”. Tudo é sujo, malcuidado e expressa um clima de depressão e degradação, clima acentuado pela filmografia toda em preto e branco. Mas, não se engane, pois nada disso serve para nenhum objetivo além de chocar o público. Mesmo a metalinguagem que abre o filme não tem nenhum proposito maior. 

Mergulhado em sua obsessão, Martin resolve pôr em prática as ideias do Dr. Heitir e criar sua própria experiência, unindo doze infelizes em uma criatura humano/centopeia. Mais uma vez, o roteiro vai pelo caminho fácil: não há nenhuma explicação de como Martin capturou suas vítimas ou como conseguiu ocultar doze sequestros das autoridades, alimentando-os e mantendo-os vivos em um galpão. O roteiro existe apenas com o um fio condutor entre as cenas grotescas e até mesmo os poucos diálogos são todos autoexplicativos, simples e diretos. Tudo para que o filme consiga entregar ao seu público o que foi prometido: asco, nojeira, violência e, é claro, torture porn. E o público, aparentemente, ficou satisfeito com o que recebeu (demonstrando o seu nível de bom gosto), pois o incansável Tom Six prometeu uma terceira obra aos seus “fãs”, para ser entregue o mais breve possível.


                             

A Centopeia Humana 3 (2015)

Apesar das promessas de Tom Six, o terceiro filme demoraria alguyns anos a mais para ser produzido, devido a problemas de financiamento (afinal, quem gostaria de investir em algo assim?) e distribuição (quem gostaria de distribuir algo assim?).

Nesse filme, temos o retorno de Dieter Laser, agora interpretando a Bill Boss, diretor de uma penitenciária norte-americana de segurança máxima que está enfrentando problemas de disciplina com seus prisioneiros. Também está de volta Laurence R. Harvey como Dwight Butler, o assistente do diretor Boss.

A metalinguagem também está de volta, pois ambos os filmes anteriores existem no universo desta obra e Butler, que parece ser um fã de ambas, sugere diversas vezes a Boss que use aos prisioneiros da penitenciária em uma experiência de centopeia humana, como forma de manter a disciplinas.

Se no primeiro filme a atuação de Laser era a melhor de todas como um cientista insano e misantropo, neste terceiro filme o ator parece ter optado por elevar essa atuação à enésima potência, atuando de maneira mais exagerada possível, gritando, fazendo caretas e agindo sempre da maneira mais estridente. O personagem Bill Boss é racista, misógino, sociopata e sádico, tratando todos ao seu redor como lixo, principalmente Butler e sua secretaria Daisy (interpretada pela ex-atriz pornográfica Bree Olson), a qual obriga a fazer sexo com ele e molesta sexualmente sempre que pode.

          Embora Boss consiga manter seus auxiliares sempre humilhados e assustados, o mesmo não acontece com os prisioneiros, os quais não respeitam sua autoridade. Para tentar manter a disciplina, Boss apela para medidas extremas, torturando os prisioneiros, chegando a usar água fervida para afogar um deles. Outro prisioneiro é castrado e Boss come seus testículos. Porém, nada disso parece funcionar e os prisioneiros continuam desafiando sua autoridade.

        Para piorar a situação, o Governador Hughes (Eric Roberts, mostrando que sua carreira foi para o brejo definitivamente) aparece na prisão para exigir que Boss de um jeito para controlar os prisioneiros ou será demitido.

Então, Butler sugere novamente a Boss que use o método da “centopeia humana” do Dr. Heitir para disciplinar os detentos. Em outra metalinguagem, o próprio Tom Six aparece em cena interpretando a si mesmo, para explicar a Boss o princípio “cientifico” em que se baseou sua obra. Revoltado, Boss expulsa o diretor aos gritos e insulta seus filmes.

Como a disciplina na penitenciaria não melhora, Boss finalmente aceita a ideia de Butler e cria uma enorme “centopeia humana” com os detentos, criando a imagem que seria usada para promocionar o filme.

Após mostrar, em seus primeiros filmes, que não tem o menor talento para o horror e o drama, Tom Six resolveu mostrar nesse terceiro filme sua falta de talento para a comédia e o humor negro. Esse filme parece uma mostra de cenas absurdas, com um tom muito mal executado, onde a “centopeia humana” aparece apenas por poucos minutos, mostrando claramente que o diretor não sabia mais o quer fazer com ela. O roteiro é muito cheio de furos e as atuações são todas tão exageradas, com diálogos tão espalhafatosos, que dão as cenas um ar de improviso.

É risível pensar que um diretor de uma instituição penitenciaria em pleno século XXI possa torturar, castrar e até fazer experiências com seus prisioneiros sem sofrer nenhuma consequência. Para piorar, o próprio Governador Hughes concorda com a ideia da “centopeia humana” sem precisar pensar muito, como se estivesse diante da solução perfeita para seus problemas.

Ao fim e ao cabo, a trilogia “A Centopeia Humana” é uma junção de três filmes vazios, que parte de uma premissa que conseguiu despertar a curiosidade de um publico desejoso de emoções intensas, mas que nunca conseguiu apresentar nada realmente importante ou relevante, migrando do horror a comédia de humor negro, fracassando em conseguir ser mais do que uma mera curiosidade grotesca.


Incansável, Tom Six promete a algum tempo preparar um quarto filme, mas até o momento não conseguiu arrecadar o orçamento necessário. Talvez ele consiga um dia realizar sua quarta obra vazia com sua “centopeia humana, mas com certeza eu não irei assisti-la.

Já perdi muito tempo de vida com as bobagens de Tom Six. Não vale a pena desperdiçar mais com outro de seus filmes intragáveis.

 

 

 

 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Spawn

Filmes Porcaria #1:

 Spawn- O Soldado do Inferno (1997)

O ano era 1992. A Marvel Comics dominava com folga o mercado de quadrinhos. Suas revistas vendiam milhões de cópias e os leitores faziam fila na porta das comic shops para comprar as novas edições

Muito desse sucesso de vendas da Marvel era mérito de um pequeno grupo de artistas, formado por sete jovens desenhistas: Rob Liefeld, Whilce Portacio, Todd McFarlane, Erik Larsen, Jim Valentino, Marc Silvestri e Jim Lee. Com seus estilos de ilustração dinâmicos e inovadores, capazes de encantar os jovens e conquistar a fidelidade dos leitores, esses sete artistas se transformaram em verdadeiras celebridades dos quadrinhos, alcançando uma fama nunca antes vista entre os profissionais da área.

Os sete grandes artistas da Marvel no início dos anos 90: 
Rob Liefeld, Whilce Portacio, Todd McFarlane, Erik Larsen, Jim Valentino, Marc Silvestri e Jim Lee

Entretanto, apesar de serem amados pelos leitores e serem tratados como celebridades pela comunidade dos quadrinhos, esses artistas se sentiam muito desvalorizados pela própria Marvel, pois não recebiam percentuais sobre as vendas das revistas e não tinham direitos sobre as artes originais que realizavam, artes estas que terminavam sendo leiloadas por valores expressivos, valores estes que eram revertidos unicamente para a Marvel, sem nenhum repasse para os artistas. A situação escalou até um ponto em que os sete resolveram abandonar a empresa e fundar sua própria editora.

E assim surgiu a Image Comics, uma editora independente de histórias em quadrinhos (hqs) que surge com a proposta de oferecer aos artistas e demais criadores o controle total sobre suas criações e uma porcentagem muito maior sobre os lucros que estas criações pudessem vir a oferecer.

A primeira criação lançada pela Image, em abril de 1992, foi a super equipe chamada Youngblood, criada por Rob Liefeld, que havia trabalhado para a Marvel em títulos como Os Novos Mutantes e X-Factor. Pouco depois, em maio de 1992 seria lançado Spawn, um anti-herói com poderes demoníacos, criado por Todd McFarlane, que havia desenhado capas e hqs do Homem-Aranha. A esses primeiros títulos, logo se seguiriam The Savage Dragon, criado por Erik Larsen, WildCats, de Jim Lee, ShadowHank de Jim Valentino e Cyber Force de Marc Silvestri.


As vendas das novas revistas foram impressionantes. Tanto Youngblodd quanto Spawn bateram recordes de vendas para hqs independentes. O lançamento dos novos personagens e as sessões de autógrafos eram verdadeiros eventos, similares a apresentações de astros do rock, com filas quilométricas de leitores esperando seus autógrafos, a presença de artistas e rappers famosos e até mesmo a polícia tendo que fazer o controle da multidão para evitar tumultos. Por outro lado, a cobertura da mídia em relação a toda essa situação foi bastante ampla, fazendo com que o interesse do público e, consequentemente, as vendas das revistas, crescessem ainda mais.

Com o enorme sucesso das hqs da Image, não demorou muito para que os estúdios começassem a fazer propostas para tentar conseguir os direitos dos personagens da editora, com o objetivo de poder realizar adaptações desses personagens para obras cinematográficas.

Todd McFarlane aceitaria uma proposta da New Line Cinema e cederia os direitos de Spawn para uma adaptação cinematográfica, desde que ele pudesse ter parte do controle criativo sobre a obra e uma porcentagem maior sobre os direitos de merchandising do filme.

Todd McFarlane

Spawn começa relatando que existe uma guerra entre o Céu e o Inferno. O líder do Inferno, um demônio chamado Malebolgia, está reunindo um exército de guerreiros falecidos e precisa apenas de um general para liderá-los em um ataque contra o Céu. Para agilizar seus planos, Malebolgia envia Violator (John Leguizamo), um ser demoníaco com a aparência de um palhaço obeso e repulsivo, para trabalhar para ele na Terra.


Enquanto isso, o tenente-coronel Al Simmons (Michael Jai White) está vivendo sua vida como agente especial da CIA, cumprindo missões de eliminação de alvos perigosos e eliminando grupos terroristas. Ao mesmo tempo, Simmons está casado com Wanda (Theresa Randle) e sente cada vez mais remorsos pelas missões que tem que realizar.

Disposto a deixar sua vida de agente para trás, Simmons confornta seu chefe, Jason Wynn (Martin Sheen) e pede para ser retirado do serviço ativo. Wynn, porém, lhe oferece uma última missão: destruir uma fábrica de armas químicas na Coréia do Norte. Embora contrariado, Simmons aceita a missão final. Entretanto, ele termina sendo vítima de uma cilada armada por Wynn e Jessica Priest (Melinda Clarke), uma assassina a serviço de Wynn, e termina sendo queimado vivo um pouco antes da fábrica ser explodida.

A alma de Simmons viaja para o Inferno e lá ele se encontra com Malebolgia, que oferece um acordo: caso Simmons aceite liderar o exército do Inferno na guerra contra o Céu, Malebolgia vai permitir que ele volte para a Terra e possa reencontrar sua esposa. Desesperado para rever seu amor, Simmons aceita o acordo.

Simmons retorna para a Terra e é recebido por Violator, que explica ao infeliz protagonista que se passaram cinco anos da sua morte e que sua esposa Wanda se casou com seu melhor amigo, Terry Fitzgerald (D.B. Sweeney) e que o casal tem uma filha chamada Cyan (Sydni Beaudoin). Tomado pelo ódio e disposto a se vingar de todos aqueles que ele vê como culpados por sua desgraça, Spawn começa a ser treinado por Violator para ser o servo perfeito para o exército infernal de Malebolgia. O que Spawn não sabe é que está sendo manipulado, com o objetivo de assassinar Wynn e liberar uma arma biológica chamada Heat 16, que pode exterminar toda a humanidade.

Ao mesmo tempo, Spawn conhece um menino sem-teto chamado Zack (Miko Hughes) e um velho morador de rua chamado Cogliostro (Nicol Williamson), que também já serviu o Inferno, mas que conseguiu se libertar. Esses dois personagens irão ajudar Spawn a redescobrir sua humanidade e se livrar de seu desejo de vingança.

Muito bem. Essa é a sinopse do filme. Mas qual o veredicto final? Vale ou não vale a pena? Pois bem. O veredicto é muito simples: Spawn é horrível, uma das piores adaptações cinematográficas de quadrinhos já feitas. O filme foi um fracasso de público e crítica e conseguiu enterrar todas as possibilidades de que outros personagens da Image fossem adaptados para o cinema.

É realmente surpreendente imaginar que McFarlane deu seu aval para que esta porcaria fosse lançada, ainda mais quando se tem em mente que Spawn sempre foi sua menina dos olhos.

McFarlane e Jai White no set de Spawn

O problema com Spawn começa com a escolha da equipe responsável pela obra. A direção foi entregue a Mark A. Z. Dippé, que não tinha experiência relevante em direção (ele havia dirigido apenas um filme irrelevante em 1995) e era apenas um assistente de efeitos especiais. O roteiro foi entregue a Alan B. McElroy, que tinha pouquíssima experiência. O roteiro terminou sendo revisado e adaptado pelo próprio McFarlane e pelo diretor Dippé, se transformando na confusão abobalhada e quase sonífera que vemos na tela.

Mark A. Z. Dippé
Alan B. McElroy

Os efeitos especiais, que seriam a parte mais importante do filme, foram entregues a uma empresa recentemente criada por Mark A.Z. Dippé, Steve "Spaz" Williams e Clint Goldman, que tinham deixado a Industrial Light & Magic (ILM) e fundado sua própria empresa, chamada Pull Down Your Pants Pictures (em uma tradução livre, algo como Abaixe suas Calças Pictures).

Pode-se notar um padrão aqui: um filme que pretendia introduzir um personagem de quadrinhos para o grande público e que deveria se basear em lutas, poderes e grandes cenas de ação, mas que termina sendo entregue a um grupo de profissionais inexperientes e pouco qualificados. Para piorar, o elenco era composto, em sua maioria, de atores pouco talentosos e desconhecidos do público. Com a exceção de Michael Jai White, e, principalmente, John Leguizamo, que realmente tentam dar a seus personagens alguma personalidade, as demais atuações são simplesmente atrozes.

Toda a produção é muito mambembe. Os diálogos são simplórios e não têm nenhum impacto, as cenas vão se sucedendo de forma automática e a montagem é confusa, ao ponto de o espectador não conseguir entender em que lugar está ocorrendo a cena e como os personagens se locomovem de uma parte para a outra. A qualidade da montagem é tão amadora que, em uma das primeiras cenas do filme, aparece um letreiro informando que estamos no aeroporto de Hong Kong, mas a câmera está focando diretamente a torre de controle de voo do aeroporto de Los Angeles. Não era possível filmar o aeroporto de outro ângulo? Precisava mostrar um ponto de referência facilmente reconhecível pelos espectadores?

Entretanto, o que coroaria o fracasso de Spawn seriam seus efeitos especiais, que variam de aceitável (uns 2% deles) a horrível (uns 30%) e intragável (os 68% restantes). As cenas de luta são tão mal feitas que se tornam incompreensíveis. Outras cenas são simplesmente bobas, como o cinto de Spawn se estendendo e mordendo a perna de Priest, para impedi-la de dar um chute na virilha do herói. Basta lembrar que os principais vilões do filme, Malebolgia e Violator, são apresentados com suas formas demoníacas feitas com um efeito de computação gráfica que mesmo para os anos 90 já eram ridículos. Essa computação gráfica horrível consegue remover todo o impacto que esses vilões deveriam ter, tornando os mesmos meras criaturas risíveis e sem importância para o público.

Outro erro fatal foi terem transformado um herói sombrio, que surgiu em quadrinhos famosos por serem mais intensos e violentos, em um personagem PG13, com o objetivo de tentar atrair um público maior para os cinemas. Essa manobra foi o prego final no caixão do filme, pois desagradou os fãs do personagem de forma muito mais direta, pois estes se sentiram pessoalmente ofendidos.

O custo final de Spawn foi de cerca de 45 milhões de dólares. A bilheteria final foi de 88 milhões, o que se revela um fracasso, pois apesar de o filme ter se pagado, não conseguiu atingir a meta padrão de render o triplo de seu orçamento inicial para ser considerado um sucesso. Da mesma forma, o merchandising foi um fracasso, pois se esperava uma grande arrecadação com a venda de produtos licenciados, algo que não aconteceu.

Ao contrário de outros filmes que eu já resenhei aqui antes, Spawn não conseguiu se redimir aos olhos do público com o passar dos anos. Apesar de que o personagem seguir firme e forte até hoje nos quadrinhos, o filme foi esquecido pelos fãs do personagem e caiu no temido limbo dos filmes medíocres, não conseguindo nem mesmo se tornar um “tão ruim que fica bom”.

Ao fim e ao cabo, Spawn é péssimo, chato e insuportável. É o primeiro Filme Porcaria resenhado aqui no blog e, realmente, não vale a pena assistir.

 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

A Experiência

 A Experiência (1995)

Em um laboratório de pesquisas no deserto de Mojave, na Califórnia, uma equipe de cientistas está monitorando uma jovem garota (Michelle Willians) que está dentro de uma espécie de gaiola de vidro. Enquanto a menina observa em silêncio, vários técnicos começam a instalar cilindros de cianeto de hidrogênio no sistema de ventilação da gaiola. Assim que o gás é liberado, a menina percebe o perigo e tenta pedir por ajuda. Como nenhum dos presentes parece interessado em ajudá-la, a menina se joga contra o vidro da gaiola, conseguindo quebrá-lo.

Uma vez fora de seu confinamento, a menina consegue despistar a patética segurança do laboratório e escapa para o deserto. Perseguida por veículos e helicópteros, ela consegue se esconder em um trem de carga e escapa novamente aos seus perseguidores.

No dia seguinte, uma equipe é montada para rastrear o paradeiro da menina fugitiva. Esta equipe é formada pelo Dr. Stephen Arden (Alfred Molina), um antropólogo, a Dra. Laura Baker (Marg Helgenberger), uma bióloga, Dan Smithson (Forest Whitaker), um sensitivo paranormal e Preston Lennox (Michael Madsen), um mercenário e assassino profissional. Esse grupo se reúne no laboratório onde a menina estava confinada inicialmente e recebem as informações através do responsável pelo projeto, Xavier Fitch (Bem Kingsley).

Em 1974, o programa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence- Busca Por Inteligência Extraterrestre) enviou uma mensagem ao espaço usando o radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico. Essa mensagem continha algumas informações, tais como a posição de nosso sistema solar e a estrutura completa do DNA humano. Em 1992, uma resposta a mensagem enviada foi finalmente recebida. Essa mensagem de origem extraterrestre continha duas informações: uma delas era uma fórmula para que a humanidade pudesse utilizar o hidrogênio como uma fonte de energia praticamente ilimitada. A outra era uma sequência de DNA alienígena, junto com informações sobre como combinar o DNA humano com o DNA alienígena.

A chamada “Mensagem de Arecibo” foi realmente enviada ao espaço em 1974 e continha as mesmas informações apresentadas no filme. Entretanto, levaram milhares, talvez centenas de milhares de anos até que esta mensagem possa realmente encontrar um receptor no espaço profundo. Por outro lado, o radiotelescópio de Arecibo foi inaugurado em 1963 e durante décadas foi um importante instrumento de pesquisa cientifica. Também foi cenário para filmes como “007 contra GoldenEye” (1995) e “Contato” (1997). Porém, a partir de 2016 o radiotelescópio passou a perder relevância e finalmente se desmoronou em 1º de dezembro de 2020, quando sua antena se soltou dos cabos de sustentação e caiu sobre o prato refletor, inutilizando definitivamente o equipamento. Depois desse incidente, o equipamento foi demolido e atualmente não existe mais.

O radiotelescopio de Arecibo em seu auge... 
... e após o desabamento
Momento em que a antena principal do radiotelescópio se soltou de seus cabos e desabou
Esquema da "Mensagem de Arecibo" enviada ao espaço em 1974

Convencidos de que estavam lidando com uma espécie amigável, os cientistas resolveram realizar a experiência de fusão dos DNAs, o que terminou resultando em Sil, uma hibrida humana-alienígena que recebeu o nome de Sil. O crescimento celular de Sil é muito mais rápido do que o de um ser humano normal, o que fez com que ela crescesse rapidamente, atingindo o corpo de uma menina de doze anos em apenas alguns meses. Porém, percebendo que era impossível se comunicar com ela, os cientistas responsáveis pelo projeto concluíram que a experiência era um fracasso e resolveram terminar com seu trabalho e eliminar a menina, o que terminou resultando em sua fuga. Agora a equipe montada por Fitch deve caçar e eliminar Sil antes que ela cause mais problemas.

Enquanto a equipe está sendo reunida, Sil deixou o trem de carga e embarcou em um trem de passageiros. Após roubar a mala de outro passageiro, a menina se esconde em uma cabine e assalta a despensa do trem para conseguir comida. Após se empanturrar com uma quantidade absurda de comida, a menina acaba sofrendo uma estranha transformação. Horríveis tentáculos com forma de verme rompem sua pele e a prendem em um casulo. Pouco depois, uma condutora entra na cabine de Sil e termina morta por uma forma estranha que está se formando no casulo.

Horas depois, uma mulher adulta (Natasha Henstridge) emerge do casulo. Sil parece ter passado por uma metamorfose e se transformou em uma forma mais desenvolvida de si mesma. Vestida com a roupa da condutora morta, Sil desce do trem na cidade de Los Angeles, onde tentará encontrar um parceiro para se reproduzir.

O filme constrói um paralelismo muito bom ao mostrar Sil caçando um parceiro ao mesmo tempo em que a equipe de Fitch caça Sil. Enquanto Sil vai desenvolvendo suas habilidades, ao mesmo tempo em que mata impiedosamente, a equipe de Fitch vai rastreando seus movimentos e aprendendo as características de sua presa. Em busca de mais respostas sobre o que realmente Sil é, os caçadores resolvem desenvolver um espécime apenas com DNA alienígena, para tentar descobrir alguma fraqueza. Esta tentativa dá lugar a uma das cenas mais tensas do filme, com o resultado da experiência crescendo de maneiras descontrolada, como se fosse um câncer superdesenvolvido, e colocando as vidas de Lennox e Laura em risco.

Devido a sua genética híbrida, Sil consegue aprender certas habilidades como ler ou dirigir um veículo de maneira bastante fácil. Também consegue desenvolver suas capacidades sociais muito rapidamente, convivendo entre os seres humanos com bastante desenvoltura. A inteligência de Sil é tamanha que esta, ao perceber que está sendo caçada por Fitch, consegue elaborar um plano para fingir sua morte e se livrar de seus perseguidores, chegando inclusive a amputar um de seus dedos para deixar como pista falsa no local do acidente.

O roteirista Dennis Feldman teve a ideia original para este filme em 1987, após ler um artigo escrito por Arthur C. Clark, onde o famoso escritor mostrava que a possibilidade de que uma nave extraterrestre pousasse um dia na Terra são praticamente ínfimas, devido à enorme dificuldade para se transpor as enormes distâncias existentes no espaço sideral. Assim sendo, a única possibilidade para que houvesse um contato entre humanos e uma cultura alienígena seria através de comunicações de rádio. Após trabalhar nesta ideia durante vários anos, Feldman apresentou um script inicial para o produtor Frank Mancuso Jr., que percebeu que aquela ideia tinha muito potencial. Logo, a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) resolveu apostar nessa ideia e trouxe o diretor Roger Donaldson para fazer o filme.

Para qualquer pessoa que assista A Experiência, ficam óbvias as semelhanças com “Alien, O Oitavo Passageiro” (1979). Pois estas semelhanças não são mera coincidência. Mancuso e Donaldson procuraram o lendário artista H. R. Giger para que este criasse o design da criatura alienígena. Giger foi o criador do icônico design do xenomorfo da franquia Alien e ficou muito contente com a oportunidade de desenvolver a criatura pedida por Mancuso e Donaldson. Usando conceitos criados por ele em seu livro de ilustrações Necronomicon de 1977, Giger criou um ser claramente alienígena, mas também carregado de sensualidade. Porém, devido a problemas pessoais, Giger não pode se envolver mais diretamente na construção da obra.

H.R. Giger 

O filme aposta bastante na sexualização da personagem Sil e explora ao máximo a beleza de Natasha Henstridge, cujo belo corpo é mostrado em várias cenas. Esse apelo sexual desagradou aos críticos, que afirmaram na época que o filme era apenas uma coleção de cenas de nudez desnecessária, mescladas com cenas de violência e gore exagerado.

Por outro lado, o principal defeito do filme que costuma incomodar o público são os efeitos digitais datados. Embora o filme conte com efeitos práticos bastante efetivos, principalmente a maquiagem da forma alienígena de Sil, aqueles efeitos gerados por computador são claramente inferiores, mesmo para a época em que foram feitos.

O elenco de A Experiência é formado por nomes relativamente conhecidos e famosos, começando por Natasha Henstridge, que na época era uma modelo e que teve sua estreia no cinema nesse filme. Posteriormente, ela atuaria em vários outros filmes, inclusive em “Bela Donna” (1998), um filme filmado no Brasil, dirigido por Fábio Barreto e com participação de atores brasileiros como Eduardo Moscovis, Letícia Sabatella e Guilherme Karam. Da mesma forma, Michael Madsen é conhecido por atuar em filmes de Quentin Tarantino como “Cães de Aluguel” (1992), “Kill Bill: Volume 1” (2003) e “Os Oito Odiados” (2015). Forest Whitaker atuou em filmes como “O Último Rei da Escócia” (2006) e “Pantera Negra” (2018). Alfred Molina é famoso como o Dr. Octopus de “Homem-Aranha 2” (2004). Marg Helgenberger ganhou fama atuando na série “CSI: Investigação Criminal” (2000-2013). Entretanto, o ator mais reconhecido do filme é Ben Kingsley que atuou em obras consagradas como “A Lista de Schindler” (1993) e ganhou um Oscar de Melhor Ator por “Gandhi” (1982).

Natasha Henstridge em "Bela Donna"
Michael Madsen em "Os Oito Odiados"
Forest Whitaker em "O Último Rei da Escócia"
Alfred Molina em "Homem-Aranha 2"
Marg Helgenberger em "CSI: Investigação Criminal"
Ben Kingsley em "Gandhi"

Com um orçamento de 35 milhões de dólares, A Experiência rendeu mais de 113 milhões de dólares na bilheteria. Com um retorno financeiro bastante satisfatório, a MGM resolveu apostar em uma sequência, que seria lançada em 1998, mas que acabaria se revelando um fracasso, apesar de ser um filme tão divertido quanto o original. A franquia ainda teria mais duas sequências, lançadas em 2004 e 2007, mas nenhuma delas conseguiria alcançar o reconhecimento do filme original e são de uma qualidade muito inferior, decepcionando os fãs da franquia. Da mesma forma, o filme também ganhou uma versão em livro, escrita por Yvonne Navarro com base no roteiro de Dennis Feldman, além de duas versões em história em quadrinhos, sendo que uma delas teve seu roteiro escrito pelo próprio Feldman.

"A Experiência 2", de 1998: uma sequência divertida para o original
"A Experiência 3", de 2004: um filme tenebroso de tão ruim
"A Experiência 4", de 2007: uma porcaria completa

Ao fim e ao cabo, A Experiência é um filme divertido, que apresentou ao público uma criatura icônica e deu origem a uma franquia de terror que conta com um bom número de fãs. Não é uma obra-prima, mas com certeza é interessante e merece ser apreciada.

A Trilogia “Centopeia Humana”

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