A Volta dos Mortos Vivos (1985)
Eu deveria ter cerca de 13 anos quando assisti a esse filme
pela primeira vez. Talvez tenha sido o fato de ainda ser muito jovem e não
entender muito bem a temática da obra, mas eu odiei. Somente vários anos
depois, mais maduro e com um repertório melhor no gênero terror, eu reassisti o
filme e pude apreciá-lo como o que ele é: um clássico absoluto do terror trash.
A Volta dos Mortos Vivos surgiu de uma divergência entre George A. Romero (considerado o pai dos filmes modernos de zumbis) e Jhon Russo. Em 1968, Romero e Russo trabalharam juntos para criar “A Noite dos Mortos Vivos” (Night of the Living Dead), o primeiro filme a introduzir o conceito de mortos revividos que tentam devorar os vivos e que se tornaria um clássico do cinema de terror. Porém, após a realização dessa primeira obra, surgiram certas diferenças de opinião entre os dois realizadores sobre como dar seguimento ao projeto. Romero queria criar uma sequência de filmes focando na sua ideia original de como deveriam ser os mortos vivos. Já Russo pretendia mudar um pouco o foco da obra, priorizando o terror e o gore e retirando um pouco os holofotes das críticas sociais que Romero gostava de inserir em seus filmes. Assim, a dupla acabou se dividindo e tomando rumos separados.
George Romero ficou com os direitos para fazer seus filmes
utilizando o título “Of the Dead” e deu sequência a sua Trilogia dos Mortos,
com “O despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead) de 1978 e “O Dia dos Mortos”
(Day of the Dead) de 1985. Por outro lado, Jhon Russo ficou com os direitos
para o título “Living Dead” e junto com o produtor Tom Fox começou a planejar
um filme próprio.
A ideia original de Russo e Fox era que Tobe Hooper, o criador de “O Massacre da Serra Elétrica” (The Texas Chain Saw Massacre) de 1974, fosse o diretor do filme. O roteiro, originalmente baseado em um romance escrito por Russo para servir de continuação de “A Noite dos Mortos Vivos”, foi revisado por Dan O’Bannon, o roteirista de “Alien- O Oitavo Passageiro” (Alien) de 1979. A produção do filme acabou se arrastando por um tempo, até que Tobe Hooper resolveu desistir do projeto para se dedicar a outro filme, “Força Sinistra” (Lifeforce) de 1985, uma obra que acabou se revelando um fracasso. Com a desistência de Hooper, O’Bannon foi convidado a assumir o cargo de diretor, e ele acabou aceitando com a condição de ter total liberdade para alterar o roteiro.
O’Bannon transformou o roteiro original de Russo em algo
totalmente diferente, com o objetivo de se distanciar das obras de George
Romero, que já eram consideradas clássicos cult na época e tinham muita força
na cultura pop. Assim, o humor negro e o gore se tornaram elementos centrais da
trama, deixando de lado a sutileza na narrativa e as críticas sociais típicas
das obras de Romero. Por outro lado, o filme adquiriu um ritmo frenético e a
direção passou a focar muito mais em desenvolver a trama através do humor, com
diálogos bizarros e situações absurdas.
O filme já começa com uma piada óbvia. Um cartaz nos primeiros instantes do filme diz: “Os eventos retratados nesse filme são todos verídicos. Os nomes das pessoas e organizações são reais.” Após essa introdução somos transportados a Louisville, Kentucky onde a trama se desenvolve. Nessa cidade está um armazém da Uneeda Suprimentos Médicos, uma empresa que trabalha com a venda de materiais médicos como próteses, instrumentos cirúrgicos e até cadáveres e esqueletos para estudos de anatomia. Nesse armazém trabalha o capataz Frank (James Karen) que está treinando o novato Freddy (Thom Mathews).
Para impressionar o novato, Frank resolve revelar um segredo
para ele: a existência de tambores militares de resíduos tóxicos que teriam se
perdido em meio à burocracia do exército americano e acabaram sendo guardados
no porão daquele mesmo armazém onde ambos trabalham. Nesse momento, o filme faz
uma pequena homenagem ao filme original, “A Noite dos Mortos Vivos”, pois Frank
afirma que esse filme foi baseado em uma situação real, onde um gás militar
experimental chamado 245 Trioxina foi liberado acidentalmente em Pittsburg.
Esse gás teria devolvido os mortos de volta a vida e estes começaram a devorar
os vivos. O exército interferiu e destruiu os mortos vivos, reunindo todo o
material restante em tambores lacrados e os enviando para um lugar seguro. E
foram esses tambores com cadáveres e gás tóxico que acabaram sendo guardados
acidentalmente naquele armazém.
Enquanto isso, um grupo de jovens amigos de Freddy estão buscando um lugar para fazer uma festa. Esse grupo é composto por Trash (Linnea Quigley), Spider (Miguel A. Nunez Jr.), Suicide (Mark Venturini), Scuz (Brian Peck), Chuck (Jhon Philbin), Casey (Jewel Shepard) e Tina (Beverly Randolph), a namorada de Freddy. Ao saberem por Tina que Freddy está trabalhando no armazém de suprimentos médicos, o grupo resolve esperar por ele em um cemitério próximo ao armazém, para que ele possa ajudá-los a encontrar um lugar para se divertirem.
Enquanto isso, Frank e Freddy descem até o porão do armazém
para ver os tambores com os resíduos tóxicos. Frank abre um dos tambores e
mostra para Freddy o cadáver de um morto vivo. Preocupado, Freddy pergunta se
os tambores não correm o risco de vazar, ao que Frank responde: “Essas belezinhas
foram construídas pelo corpo de engenheiros do exército.” E arremata dando um
tapa na lateral do tambor, que imediatamente racha e começa a vazar, liberando
o gás tóxico, que desmaia os dois colegas e se espalha pelo sistema de
ventilação do armazém.
Quando Freddy e Frank despertam, após alguns minutos desmaiados, o gás reviveu vários dos elementos presentes no armazém: corpos de cachorros cortados ao meio, uma coleção de borboletas e até mesmo um cadáver para estudos de anatomia que estava guardado no frigorífico do armazém. Ambos os colegas entram em desespero e não sabem o que fazer para resolver a situação, apelando para a ajuda de Burt Wilson (Clu Culager), o chefe do armazém, que resolve destruir todas as provas do incidente, principalmente o cadáver reanimado do frigorífico, que está ensandecido esmurrando a porta da câmara fria.
Usando como referência “A Noite dos Mortos Vivos”, Burt, Frank e Freddy acreditam que destruir o cérebro do cadáver irá matá-lo em definitivo, pois é assim que era feito no filme. Então o trio elabora um plano para se livrar do morto revivido. Após libertarem o cadáver, Burt consegue perfurar a cabeça do mesmo com uma picareta, tentando destruí-lo. Porém, esse método não funciona e mesmo tendo a cabeça serrada do corpo, o cadáver continua se mexendo. Após muita luta o trio consegue amarrar o cadáver. É nesse momento que o filme nos brinda com um diálogo memorável: Burt e Frank discutem sobre porque destruir o cérebro não funcionou, ao que Frank rebate “No filme, isso dava certo.” E Freddy replica, visivelmente abalado: “Quer dizer que os filmes mentiram pra gente?”. É um momento impagável.
Desesperados para dar um fim ao seu pesadelo, Burt resolve levar o cadáver até a funerária de Ernie Kaltenbrunner (Don Calfa), um amigo seu, para ser incinerado. O personagem de Ernie é outro achado do filme, pois ele pode ser ou não um ex-oficial nazista escondido. O homem houve música militar alemã, tem uma pistola Luger do mesmo modelo usado na Segunda Guerra e quando fala sobre o processo de cremação parece muito familiarizado com essa prática de uma maneira um tanto perturbadora. É claro que isso é apenas mais um toque de humor negro do roteiro, mas é interessante pensar que esse tipo de piada ácida seria impensável em um filme atual.
Com a concordância de Ernie o cadáver é cremado. Porém, o que parecia ser uma solução acaba se revelando apenas um problema ainda maior, pois a fumaça da cremação sobe até as nuvens e dá início a uma chuva ácida, que faz com que o gás tóxico se infiltre no solo e desperte os corpos do cemitério onde os amigos de Freddy estão reunidos, o que os obriga a buscar refugio junto ao necrotério, enquanto os mortos vagam pelas ruas gemendo por “Cérebros!”.
A Volta dos Mortos Vivos foi um relativo sucesso quando foi lançada nos cinemas norte-americanos, conseguindo uma bilheteria razoável e recebendo críticas positivas. Com o passar dos anos a obra se tornou um filme cult, com uma legião de fãs fiéis. Esse sucesso relativo inicial garantiu que a obra tivesse quatro sequências. Porém, nenhuma delas conseguiu chegar nem perto da qualidade da obra original, talvez pelo fato de Jhon Russo e Dan O’Bannon não terem participado de nenhuma dessas sequências.
Uma característica marcante de A Volta dos Mortos Vivos é o modo como o roteiro de O’Bannon tratou as conveniências mais comuns dos filmes de zumbis, alterando estas conveniências para criar uma identidade própria para a obra. Talvez a mais conhecida mudança feita pelo roteiro foi o fato de os zumbis comerem os cérebros de suas vítimas, ao contrário de outros filmes que retratavam os zumbis devorando toda a carne dos vivos. Outra mudança muito recordada é que os zumbis de O’Bannon são rápidos, ágeis e relativamente inteligentes, conseguindo inclusive falar, além de serem praticamente indestrutíveis, não podendo ser aniquilados por nada a não ser pelo fogo, embora esse método de eliminação apenas gere mais problemas. Essas mudanças no perfil clássico dos zumbis podem desagradar a alguns fãs mais ligados ao modelo clássico, porém é uma das características mais importantes do filme.
Também é importante lembrar que aqui os zumbis receberem uma nova origem, sendo criados através de um gás tóxico de uso militar, a 245 Trioxina. Esse gás foi inspirado do terrível Agente Laranja, um poderoso herbicida usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e que era criado através da mistura de dois outros herbicidas, o 2,4-D e o 2,4,5-T. Embora o Agente Laranja não pudesse trazer os mortos de volta a vida, ele era plenamente capaz de levar os vivos para a morte de uma forma bastante cruel e fez um grande número de vítimas ao longo da guerra, construindo assim uma fama horrível ao seu redor.
Com diversas cenas e falas icônicas como a zumbi animatrônica presa na mesa cirúrgica que explica o motivo dos zumbis comerem cérebros ou a cena de strip-tease no cemitério feita pela personagem Trash ou ainda a lendária cena em que um zumbi usa o rádio de uma ambulância para pedir “Mais homens!” para serem devorados, A Volta dos Mortos Vivos consegue causar um impacto intenso no espectador, se não pelo terror puro então pelo humor negro descarado e pelo uso do gore. Com tais características e um roteiro que brinca com as conveniências dos filmes de zumbi que já estavam se tornando clichês muito conhecidos, o filme conseguiu se tornar um ícone da cultura pop.
Em 2011 foi lançado “More Brains! A Return of The Living Dead Documentary”, um documentário mostrando os bastidores da produção do filme, com imagens inéditas do making off e entrevistas com vários dos atores e demais responsáveis pela obra, inclusive uma entrevista com Allan Trautman, responsável por interpretar o icônico Tarman, o zumbi mais memorável do filme. Dirigido por Bill Philputt, o documentário é muito interessante e pode acrescentar um toque especial à experiência de assistir ao filme. Eu recomendo fazer uma sessão dupla e assistir ao filme e ao documentário em sequência. É diversão garantida para qualquer fã de trash.