segunda-feira, 23 de agosto de 2021

A Rota do Brilho

 A Rota do Brilho (1990)

Existem alguns filmes esquecidos pelo público que acabam conseguindo uma certa fama inesperada muitos anos depois do seu lançamento, geralmente devido a algum fator inesperado ou que passou despercebido na época da sua estréia. Um claro exemplo desse tipo de filme é o drama policial nacional A Rota do Brilho, produzido em 1990 e estrelado por ninguém menos que Alexandre Frota e Gretchen.

Antes de começarmos a resenha em si, é importante esclarecer que A Rota do Brilho não é um filme ruim. Afinal, para esse filme ser considerado ruim ele precisa melhorar muito. Na realidade, esse filme é uma verdadeira atrocidade. Na minha opinião, o ato de criar tamanha porcaria e ainda ousar chamá-la de filme deveria ser considerado um crime inafiançável, punido com no mínimo 50 anos de trabalhos forçados, tamanha a tortura que é assistir essa obra.

A “trama” do filme gira em torno de dois policiais, Tom, interpretado pelo mitológico Alexandre Frota antes de sua fase pornográfica e Nill, interpretado por Marcos Manzano, famoso na época por ser o fundador do “Clube das Mulheres”, uma famosa boate de strip tease masculino em São Paulo. Manzano também faria algumas pequenas participações nas novelas “Rainha da Sucata” (1990) e “De Corpo e Alma” (1992/1993) da TV Globo. Em “De Corpo e Alma” Manzano interpretou ele mesmo, apresentando os shows e dançando em sua boate. Infelizmente, Manzano faleceu recentemente, em novembro de 2020, de causas não reveladas.

Manzano na novela "De corpo e Alma"
Nos anos 1980 e 1990, Alexandre Frota era um símbolo sexual...
... e era casado com a Claudia Raia. Acredite, se quiser.

Os policiais Tom e Nill estão encarregados de investigar uma quadrilha de traficantes de drogas que está inundando a cidade de São Paulo com cocaína (o nome do filme faz referência à gíria “brilho” que era usada na época para designar essa droga), utilizando a rota ferroviária desde Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Porém, durante as suas investigações eles acabarão se deparando com outro problema, pois um misterioso assassino está matando prostitutas indiscriminadamente, como se fosse um Jack, o Estripador brasileiro. logo na cena inicial, os dois policiais são contatados pelo rádio do seu carro patrulha e tem que se dirigir rapidamente a um hotel, onde uma prostituta foi encontrada morta, aparentemente de overdose, junto com uma quantidade considerável de cocaína. As duas investigações acabam convergindo, pois o assassino de prostitutas (como se revela mais para a frente na trama) faz parte da quadrilha de traficantes, e caberá aos nossos dois policiais durões dar um fim nos assassinatos e interromper a rota do tráfico.

Lendo essa sinopse, um desavisado poderia entender que esse filme é razoável, talvez com um estilo similar a “Tropa de Elite” (2007). Mas não se engane: esse filme é horrível. Todas as atuações são péssimas (afinal, o que esperar de um filme que conta com Alexandre Frota como um dos seus protagonistas?). O roteiro é uma completa bagunça, tentando interligar a trama central com diversas subtramas desinteressantes e pouco desenvolvidas. A sonoplastia é um caso a parte, afinal o filme se deu ao desplante de roubar a música tema de "Blade Runner" (1982) na maior cara de pau. Já a direção foi entregue a Deni Cavalcanti, que foi um dos diretores da famosa Boca do Lixo carioca, onde produziu obras como “Aluga-se Moças” (1982), onde “atuam” Gretchen e Rita Cadillac, “Procuro uma Cama” (1982) e “O Filho Adotivo” (1984), que contou com o cantor Sergio Reis no elenco e teve roteiro escrito por Benedito Ruy Barbosa, famoso por suas novelas. Infelizmente, Deni Cavalcanti também faleceu no ano de 2018.

Deni Cavalcanti

Um dos inúmeros problemas do filme está no roteiro esburacado e suas tramas secundárias confusas e desconexas. Uma delas é o caso de Rose (Patrícia Salgado), filha do Senador (o personagem nunca tem seu nome revelado), interpretado por Edgard Franco. Embora seja rica e tenha uma vida luxuosa, Rose resolve se prostituir por pura diversão, trabalhando para uma cafetina (Neide Ribeiro). Pois o capanga Roque (Raymundo de Souza), um dos braços direitos do Senador, acaba se envolvendo com rose em sua vida dupla de prostituta. Para piorar, o Senador é um dos chefes da quadrilha de traficantes responsáveis por trazer a cocaína da Bolívia. Essa trama rebuscada poderia ser interessante se o filme tivesse um roteiro decente e estivesse nas mãos de um diretor competente. Porém, não é o caso aqui e toda essa situação é desperdiçada e não serve para nada no filme.

Pausa para a patricinha/prostituta tomar seu drink na beira da piscina

A responsável por fazer a ligação entre o cartel dos traficantes bolivianos e os traficantes paulistas é Suzana, a mulher do chefe do cartel boliviano. A personagem é interpretada (mal interpretada, diga-se de passagem) pela modelo Lilian Ramos. E foi exatamente a “atuação” de Lilian Ramos nesse filme que garantiria a notoriedade da obra alguns anos depois. 

Lilian Ramos em A Rota do brilho

Quando foi lançado oficialmente, A Rota do Brilho teve uma distribuição ridícula e rendeu pouquíssimos dividendos. Porém, em 1994, o Brasil era presidido por Itamar Franco, que havia assumido o governo depois do impeachment de Fernando Collor. No carnaval do Rio de Janeiro daquele ano, Itamar marcou presença em um camarote da Sapucaí e foi saudado pelo público presente. Lilian Ramos, então famosa por sua suposta semelhança com Fafá de Belém e que já tinha estampado capas de revistas masculinas como Sexy e Playboy, estava desfilando pela Acadêmicos da Grande Rio e resolveu subir no camarote e cumprimentar o então presidente. Depois de concluir o desfile, a modelo retirou sua fantasia e vestiu uma camiseta longa (e nada mais) e foi até o camarote. Itamar, então separado e conhecido como um galanteador, a recebeu carinhosamente e aceitou posar para algumas fotos com a jovem modelo. Foi então que o fotógrafo Marcelo Carnaval (que nome apropriado para o momento), bem posicionado no camarote abaixo, conseguiu tirar uma das fotos mais famosas do Brasil nos anos 90.

A foto polêmica foi até capa da revista Veja

Nos dias seguintes, a foto do presidente da república festejando alegremente ao lado de uma modelo sem calcinha correu o país e causou um verdadeiro alvoroço na politica nacional. Houve até quem sugerisse que o presidente deveria renunciar por quebra de decoro. Um absurdo completo, afinal o presidente não é responsável pelo fato de as pessoas ao seu redor estarem, ou não, usando roupa intima. Alguns meses depois, com o lançamento do Plano Real, o país enfim se esqueceu da modelo desinibida e tudo voltou a normalidade. Tudo menos a vida de Lilian Ramos, que estaria eternamente ligada ao fato de ter sido flagrada sem calcinha com o presidente, tanto que a modelo teve que deixar o Brasil e ir morar na Europa para fugir do assédio da imprensa, principalmente daquela mais rasteira. Atualmente, Lilian Ramos vive em Roma e leva uma vida bastante luxuosa na capital italiana, onde é famosa por sua carreira de modelo e atriz na televisão italiana.

Na época do escândalo, Lilian Ramos também foi capa da Playboy argentina 

Pensando em aproveitar a fama repentina de Lilian Ramos, a distribuidora Sato Video resolveu relançar A Rota do Brilho com uma capa nova onde a modelo aparecia em destaque. O nome de Lilian foi colocado em letras grandes e douradas na capa, onde se anunciava “A polêmica Lilian Ramos em A Rota do Brilho”. O principal problema com essa capa é que o personagem de Lilian aparece por pouquíssimos minutos em cena e morre devido a uma crise de ciúmes da personagem Branca (Elizabeth Winkler), depois de ter dito apenas meia dúzia de diálogos tenebrosos. E assim, graças a essa ridícula campanha de marketing, A Rota do Brilho foi redescoberta do limbo e apresentada para novos espectadores, que iriam descobrir o quão terrível esse filme é.

Entretanto, mesmo com todo o escândalo com Lilian Ramos, o relançamento de A Rota do Brilho foi um fracasso financeiro. A única mudança significativa foi o fato de que o filme se tornou muito mais conhecido, devido a que o mesmo foi mencionado em várias reportagens de revistas e jornais, principalmente naqueles órgãos de imprensa mais sensacionalistas, que queriam colocar lenha na fogueira do escândalo com o presidente. Com essa popularidade repentina, a obra ganhou uma certa coleção de fãs, atraídos pela ruindade do filme. Esse grupo de fãs só fez crescer com o surgimento da internet e transformou A Rota do Brilho em uma pérola trash do cinema nacional.

Além das atuações tenebrosas e do roteiro absurdo, A Rota do Brilho conta com uma coletânea de cenas dignas de virarem memes. Uma delas é quando Tom e Nill conseguem capturar um dos criminosos (interpretado por Anselmo Vasconcelos, que anos depois se tornaria famoso como comediante em programas como Zorra Total, e que é o único ator decente nesse filme) e para extrair as informações que precisam, resolvem torturar o infeliz, colocando-o no pau-de-arara e aplicando choques elétricos no seu corpo. O engraçado é todo o absurdo da cena, pois o filme tenta mostrar ao espectador que esse tipo de procedimento é perfeitamente normal para a polícia, não sendo nenhuma infração da lei torturar um prisioneiro desarmado em busca de informações. 

Anselmo Vasconcelos interpretando um criminoso tão macho 
que vai num bar e pede leite

Outra cena hilariante é a morte de um dos capangas da quadrilha, interpretado pelo mitológico Satã, o guarda-costas de José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão. Baleado no peito por Nill, o personagem de Satã se contorce durante vários segundos antes de cair no chão, em uma das cenas de morte mais ridículas de todos os tempos.

Satã em sua brilhante "atuação"

Como todo filme da antiga Boca do Lixo, A Rota do Brilho tenta compensar suas deficiências com cenas de sexo semi explícito. Praticamente todas as mulheres que tem alguma relevância no filme tem uma cena em que aparecem nuas e/ou mantendo relações sexuais. A lendária Gretchen interpreta Natália, uma artista plástica que namora o policial Tom. O casal tem uma cena em que fazem sexo, com direito a nu frontal e closes da bunda de Gretchen (quando a atriz/bailarina ainda tinha um corpo bastante bonito e ainda não estragado pelo tempo e as intervenções cirúrgicas). E essa é a única participação da ex-chacrete na obra, tendo praticamente o mesmo tempo de tela (talvez menos) de Lilian Ramos. É irônico pensar que, anos depois da produção desse filme, Gretchen e Alexandre Frota acabariam indo trabalhar na indústria pornográfica.

Para concluir, um aviso: A Rota do Brilho é realmente um péssimo filme. Somente vale a pena assistir essa obra se você, assim como eu, for um verdadeiro amante do cinema trash e goste de apreciar esse tipo de produção tosca. Se não, procure outro filme para assistir. Tem muita coisa melhor por aí.

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