quinta-feira, 24 de junho de 2021

João Amorim Obrigado a Matar

                                                  João Amorim

Obrigado a Matar (2004)

Você já ouviu falar em meme? Se você costuma navegar bastante pela internet, pode até não saber o que é um meme, mas com certeza já viu um.

Meme é um termo muito utilizado na internet para designar aquelas imagens, vídeos ou GIFs que se tornam muito populares no universo digital e começam a ser utilizados por todos, de forma repetitiva, para acrescentar um toque de humor as informações e conteúdos presentes na internet. Alguns dos exemplos mais conhecidos de memes são os famosos trollface e forever alone, criados nos primórdios das redes sociais, ou a foto da menina diante de uma casa pegando fogo e a imagem de Gene Wilder como Willy Wonka no filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971). Os memes se tornaram uma parte indissociável da internet e estão em constante evolução e renovação, evoluindo com o ritmo do mundo digital.

Trollface
Forever Alone
A menina e a casa em chamas
Willy Wonka Irônico

A maioria dos memes que vemos todos os dias foram criados nos Estados Unidos, afinal, por algum motivo eles são o país com maior volume de dados gerados e distribuídos na internet do mundo todo. Porém, o Brasil também é uma fábrica incansável de memes e constantemente nos brinda com verdadeiras pérolas. Um desses memes brasileiros que fez muito sucesso nos anos recentes foi o da mulher sendo baleada e gritando “Ai!” vários segundos depois de ter recebido uma bala na testa. Muitas pessoas já viram esse meme e o compartilharam em suas redes sociais. Entretanto, pouquíssimas pessoas sabem qual a origem dessa cena.

Pois bem, essa cena memorável é apenas uma das várias cenas fantásticas de um curta metragem chamado João Amorim Obrigado a Matar, uma das obras mais trash já produzidas pelo cinema brasileiro. Essa verdadeira obra prima da ruindade surgiu da mente de um dos mais prolíficos artistas nacionais: João Amorim Sobrinho. Embora pouco conhecido no cenário nacional, o senhor João Amorim está envolvido com o universo artístico brasileiro a muito tempo.

João Amorim

Produtor, roteirista, diretor, ator, músico, cantor e radialista, Amorim é um verdadeiro showman. Nascido em 04 de outubro de 1946, na cidade de Curitibanos, Santa Catarina, ele se mudou para Lages, também em Santa Catarina, ainda muito jovem e começou sua trajetória no mundo artístico nos anos 1970, quando grava seu primeiro disco. Em 1984 ele criou uma produtora, a J.A. Produções Artísticas LTDA. No comando dessa produtora, João Amorim trabalhou com diversos nomes da música nacional, inclusive verdadeiras lendas da música sertaneja como as duplas Tonico e Tinoco e Milionário e José Rico. Também trabalharam com a J.A. cantores muito importantes da música gaúcha como a banda Os Serranos e a lenda Teixeirinha, talvez a voz mais importante da música gaúcha de todos os tempos.

Tonico e Tinoco...
... e Teixeirinha, a lenda da música gaúcha

Com o apoio da sua própria produtora, João Amorim resolveu entrar também para o mundo artístico, cantando músicas sertanejas e atuando em filmes de sua própria autoria. A filmografia de João Amorim é extensa e conta com obras como “Calibre 12” (1988), “Sétima Fuga” (1990), “Homem Sem Terra” (1995), “Jango Bravo” (2006) e “O Forasteiro” (2010). Uma curiosidade é que no filme “Homem Sem Terra”, João Amorim contou com a participação de ninguém menos que o mito Zé do Caixão e do icônico Pedro de Lara, famoso por suas participações nos programas do Silvio Santos.




Além da carreira artística, João Amorim também atuou na política e foi eleito vereador na cidade de Lages por dois mandatos, entre 1993 e 2000. Inclusive, em 2016 a Câmara de Vereadores de Lages fez uma homenagem a João Amorim, concedendo a ele uma placa cerimonial em reconhecimento ao seu trabalho no meio artístico.

Homenagem a João Amorim na Câmara de Vereadores de Lages em 2016

Como todo criador de filmes trash, Amorim construiu ao longo dos anos uma base de fãs fiéis entre os amantes desse tipo de filmes, fãs estes que construíram até um fã clube e tem páginas dedicadas ao mito João Amorim em várias redes sociais. E são esses fãs que não deixam a obra de Amorim se perder, sempre resgatando cenas de seus filmes e lançando-as na internet. Atualmente, João Amorim mora em Curitiba, no Paraná, com sua esposa Nivalda Zulianello Amorim e seus cinco filhos.

João Amorim Obrigado a Matar começa com a apresentação do elenco, no que se poderia interpretar como um mau pressagio para o que virá a seguir. os "atores" são apresentados em dupla e, exceto o próprio João Amorim, nenhum deles tem seu sobrenome mostrado na tela, apenas o nome ou o apelido. Assim descobrimos que atuaram nesse filme "Mortari e Godói", "Alessandra e Oliveira", "Bombacha e Lucimara", "Chaves e Negro da Gaita", entre outros. Depois da apresentação do elenco, conhecemos a filha e a esposa do nosso herói, que estão aguardando seu retorno. As duas “atrizes” dão um verdadeiro show de atuação, ou melhor, má atuação, com expressões travadas e falas pouco naturais. Porém, isso é apenas o começo.

Logo depois, João Amorim chega em casa e é recebido por sua família com muito carinho e um chimarrão bem cevado (afinal, ele é um legitimo gaudério dos pampas). Tomando seu chimarrão, João e sua esposa sentam no sofá da sala e trocam alguns carinhos, enquanto sua filha vai para o quarto fazer sua lição de casa. Tudo parece estar muito bem quando, de repente, um grupo de bandidos arromba a porta da casa. O primeiro bandido a entrar recebe um soco de João Amorim e cai no chão como um saco de batatas. Infelizmente para nosso herói, o segundo bandido consegue acertar um tiro no peito de João, que cai no sofá, sangrando. Sua esposa fica desesperada e lança sua fala icônica “Que loucura!”, em uma cena que também virou meme.

Com João morrendo no sofá, o líder dos bandidos resolve estuprar a esposa do protagonista. Porém, como ela resiste as investidas do bandido, o cruel facínora dá uma ordem ao seu capanga, dizendo: “Santana, acabe com ela!”. Então, Santana, um cabeludo vestindo uma jaqueta marrom, ergue o seu revólver e atira. A bala acerta a testa da mulher, que cai lentamente, apoiada em uma parede e desfere seu lendário “Ai!”, segundos depois de ter sido atingida. Estava pronto o meme.


Minha nossa! São tantos momentos hilariantes e tantos os defeitos que aparecem na tela em apenas alguns minutos, que eu não sei por onde começar. Desde o bandido “queixo de vidro” que desmaiou com apenas um soco mequetrefe do protagonista, até a maquiagem da ferida de bala no peito de João (feita com um pedaço de pano encharcado de tinta e que, por algum motivo inexplicável, a câmera insiste em focar por vários segundos em um close ridículo), tudo é muito ruim e mal feito.

Nesse momento, o espectador já percebeu o tamanho da tosqueira que está vendo, visto a quantidade de defeitos que aparecem em tela. O roteiro do filme é completamente absurdo, intercalando cenas totalmente desconexas e apresentando diálogos dignos de um teatrinho de escola infantil. Além do fato de todos os atores serem péssimos, eles são obrigados a “interpretar” suas falas com um sorrisinho amarelo no rosto, tamanha a vergonha que deviam estar sentindo por terem que participar desse despropósito em formato de filme. A direção não fica atrás e insiste em utilizar planos abertos e frontais em praticamente todas as cenas, com os atores sempre nas mesmas posições, ou em fazer closes desnecessariamente longos, nunca variando seu estilo ou introduzindo algum elemento diferente que possa aprimorar o filme.

Após matarem João e sua mulher, os bandidos ouvem uma sirene de polícia e resolvem fugir. É então que aparece a filha de João Amorim, que estava no quarto estudando e agora chega na sala e vê sua mãe morta. Nesse momento, Santana, o assassino, olha para a menina que implora “Por favor, não me mate!”, ao que o bandido responde “Eu não mato crianças.” E vai embora, deixando a menina viva. E tome mais um show de atuação. A cara com que Santana diz sua fala é um misto entre cansaço e indiferença que o mostra o quanto o “ator” estava motivado.

Pois bem. A polícia chega (em uma moto absurdamente extravagante) e os bandidos fogem. Como a polícia soube que estava acontecendo um crime exatamente naquela casa, naquele momento? Nunca saberemos. Porém, a chegada dos policiais pouco depois de um crime é algo que acontecera várias vezes ao longo desse filme. Aparentemente, as forças policiais daquele lugar são as mais rápidas e eficientes do mundo, embora não sejam as mais inteligentes. O fato é que com a chegada dos policiais, descobrimos que nosso herói ainda está vivo! Pois é, João Amorim sobreviveu a um tiro no peito e continua vivo. Os policiais chamam uma ambulância, com um dos diálogos mais podres da história do cinema e, poucos segundos após a chamada, já se ouve a sirene da ambulância. Aparentemente, não é só a polícia que é eficiente neste filme, mas as equipes de emergência também.

Então, passam três meses e João já está recuperado e vai fazer uma visitinha ao seu amigo, o Prefeito Maccari. Ao chegar na casa do prefeito, nosso protagonista descobre que o mesmo foi assaltado e agredido recentemente e está se recuperando dos ferimentos repousando em sua casa. Parece que os responsáveis pelo crime foram os mesmos bandidos que tentaram assassinar João Amorim. Essa conclusão é apresentada pelo próprio João, que olha direto para a câmera e apresenta suas considerações diretamente ao espectador, em uma quebra da quarta parede tão absurda como o resto do filme.

A polícia anda investigando os crimes que os bandidos estão cometendo na região. Dois delegados bigodudos estão interrogando as vítimas dos roubos e para fazer isso visitam as fazendas assaltadas e, inacreditavelmente, percorrem as estradas a pé. Parece que a polícia anda um pouco sem verba e não conseguiu pagar a gasolina das viaturas. São esses policiais que são abordados pela filha mais velha de João Amorim, que voltou recentemente de viagem e pede proteção para o seu pai, que está correndo grande perigo. Nessa cena somos apresentados a outro ponto de destaque do filme, a sua trilha sonora e sua edição de som. O diálogo entre a moça e os policiais é quase inaudível, devido ao barulho do vento e à insuportável trilha sonora de uma viola que toda o tempo todo.

Mas, nesse momento você deve estar se perguntando: afinal, por que os bandidos atacaram a casa de João Amorim no inicio do filme? Será que foi um assalto, será que foi por vingança ou foi por algum outro motivo obscuro? Bem, isso nunca fica muito claro durante o filme. Parece que os bandidos tinham a intenção de assaltar a casa de João, mas acabaram sendo surpreendidos pela polícia e tiveram que fugir. O fato é que esses bandidos estão assombrando a região e alguém tem que tomar uma providência.

João resolve ir até um bar para afogar suas mágoas com alguns goles de cachaça. Ali ele é reconhecido por alguns conhecidos que pedem que ele cante uma canção para alegrar o ambiente. E então o filme faz uma pausa para que o nosso astro possa demonstrar seus dotes musicais, cantando músicas de sua própria autoria. Depois da cena musical, um grupo de bandidos invade o bar com a intenção de assassinar João. Então acontece uma cena de tiroteio de fazer Clint Eastwood se roer de inveja, onde João e seus amigos derrotam os criminosos, matando inclusive alguns deles. Assim tem início a vingança de João Amorim contra os criminosos que mataram sua mulher.

A partir desse momento, o filme começa a ir ladeira abaixo. As situações se tornam cada vez mais absurdas e o roteiro se perde completamente. Um destaque importante é para a cena em que João Amorim chega em casa e se encontra com sua filha mais nova junto com seu namorado. Essa filha é a mesma menina do início do filme, porém mais velha, o que não faz nenhum sentido, pois o filme nos disse que haviam passado apenas três meses. Porém, a menina que no inicio do filme tinha cerca de 12 anos, agora parece ter mais de vinte. Para tornar a situação ainda mais sem sentido, o namorado da garota é o próprio Santana, o bandido que assassinou sua mãe, algo que ela parece ter esquecido completamente. Isso sem entrar no detalhe de que Santana não envelheceu um dia sequer desde o homicídio e é um homem de cerca de quarenta anos que namora uma garota que tem idade para ser sua filha. Absurdo é pouco para descrever essa cena.

É importante ressaltar que nessa pequena resenha eu não cobri nem 10% dos absurdos desse filme. São tantos os defeitos e erros de produção, tantos os diálogos ridículos e as situações esdrúxulas, que é impossível apresentar todos aqui. Se por acaso você se interessou por ver essa obra prima da trasheira nacional, basta pesquisar na internet para encontrar o filme completo disponível para ser desfrutado. Mas antes, um aviso: Vá de mente aberta e tente abraçar os absurdos da obra com boa vontade, pois somente assim você poderá se divertir.

João Amorim Obrigado a Matar é uma pérola do cinema trash brasileiro que conquistou a internet devido a sua capacidade de produzir memes engraçados a partir das péssimas atuações que aparecem em tela. Com certeza um filme que merece ser apreciado pelos fãs mais hardcore desse estilo de cinema.

 

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