sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Ninja Americano

 Ninja Americano (1985)

Durante a década de 1980, o mundo viu surgir uma nova mania na cultura pop: a Ninjamania. A febre mundial por estes misteriosos assassinos oriundos do antigo Japão feudal marcou os anos 80 e conseguiu inclusive estender parte de sua influência até o principio dos anos 90.

Todo tipo de produto de entretenimento contendo ninjas foi produzido em massa durante essa época, buscando atender ao público ávido por mais aventuras com guerreiros vestidos com quimonos negros. Desde histórias em quadrinhos (as incríveis Tartarugas Ninja surgem em 1984 nas páginas de “Teenage Mutant Ninja Turtles”), passando por videogames (como o clássico “Ninja Gaiden” produzido em 1988 pela Tecmo, ou o icônico “Shinobi”, produzido pela SEGA em 1987), desenhos animados (em 1987 as Tartarugas Ninjas conseguiram seu próprio desenho animado, o qual se tornaria um dos maiores ícones das décadas de 80 e 90), além das conhecidas séries de televisão japonesa do gênero Tokusatsu (como “Jiraiya- O Incrível Ninja”, que estreou em 1988) e, é claro, filmes. Muitos filmes.

As Tartarugas Ninja em quadrinhos...
... e em desenho animado.
Ninja Gaiden da Tecmo
Jiraiya- O Incrível Ninja

Pois foi logo no início dessa Ninjamania que a lendária Cannon Group (a produtora de filmes de propriedade dos primos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus) resolveu produzir uma trilogia de filmes com ninjas, procurando explorar esse importante filão que estava nascendo. Assim surgiram “Ninja, A Máquina Assassina” (1981), “A Vingança do Ninja” (1983) e “Ninja III- A Dominação” (1984). Porém, embora o primeiro filme da trilogia tenha tido um relativo sucesso e seja inclusive visto por muitos como o filme que conseguiu tornar os ninjas populares no Ocidente, o mesmo não pode ser dito das suas sequências, principalmente a última, que foi um verdadeiro fracasso de público e crítica.

Se você via esse logotipo nos anos 1980, podia estar seguro de que ia ver um filme de série B, mas muito divertido
Menahem Golan e Yoram Globus, também conhecidos como Go-Go Boys, em um anúncio promocional...
... e em uma reportagem nas páginas da Variety em 1986


Embora os defeitos de “Ninja III- A Dominação” fossem óbvios, com uma trama muito estranha que tentava juntar em uma mesma obra as artes marciais e os poderes sobrenaturais, contando a história de uma moça que é possuída pelo espírito de um ninja morto pela polícia após matar várias pessoas em um campo de golfe. O filme era uma espécie de mistura amalucada entre “Ninja, A Máquina Assassina” e “O Exorcista” (1973), algo que claramente confundiu e não agradou o público. Mesmo assim, os primos Golan e Globus preferiram acreditar que a culpa pelo fracasso tinha sido unicamente da protagonista Christie (interpretada por Lucinda Dickey), alegando que os espectadores não estavam preparados para ver uma ninja mulher em cena. É claro que a péssima atuação de Lucinda Dickey não ajudou muito a convencer o público, mas ela não foi a única responsável pelo fracasso da obra, até por que as atuações no filme são todas muito ruins.

Lucinda Dickey em "Ninja III- A Dominação"

Entretanto, Golan e Globus estavam convencidos que precisavam de um protagonista homem para que seu próximo filme de ninjas pudesse triunfar. Inicialmente foi cogitado contratar Chuck Norris para assumir a tarefa, já que o ator estava em alta devido ao sucesso de “Braddock- O Super Comando” (1984). Mas o baixíssimo orçamento que a Cannon pretendia investir no filme acabou afastando Norris, que estava interessado em estrelar obras mais bem produzidas. Também existem alguns boatos de que o ator não queria ter de cobrir seu rosto com a máscara de ninja. Seja qual for o motivo, Norris desistiu do projeto, mesmo que alguns anúncios promocionais do filme com o seu rosto estampado já tivessem sido produzidos.

Chuck Norris em um anúncio de American Ninja

Foi então que surgiu, como se tivesse brotado do chão, o novato Michael Dudikoff. Como o jovem Dudikoff preenchia os requisitos de protagonista que Golan e Globus tinham imposto (que fosse homem, jovem e se parecesse com James Dean), o diretor Sam Firstenberg (que já havia sido responsável por dirigir “A Vingança do Ninja” e “Ninja III- A Dominação”) resolveu colocá-lo no papel principal, mesmo que o jovem ator não soubesse absolutamente nada de artes marciais.

Sam Firstenberg e Michael Dudikoff durantes as filmagens

E foi assim que surgiu Ninja Americano, também conhecido no Brasil como Guerreiro Americano, e que viria a se tornar um dos filmes de ação mais lembrados dos anos 1980.

O filme começa em uma base norte-americana nas Filipinas, onde o recruta Joe T. Armstrong (Michael Dudikoff) não parece muito interessado em fazer amizade com os outros soldados da base. Ele ignora todas as tentativas dos outros recrutas de interagir com ele e parece mais interessado em brincar com seu canivete.

Pouco depois, Joe e outros soldados são designados para ajudar a proteger um comboio de armas e munições que será transferido da base. Junto ao comboio viaja também Patrícia Hickock (Judie Aronson), a filha do Coronel William T. Hickock (Guich Koock), o comandante da base. O comboio percorre poucos quilômetros até que são parados na estrada por alguns operários que estão trabalhando na estrada. Porém, tudo não passa de uma armadilha e uma tropa de homens armados cerca o comboio. Inicialmente, o Sargento Rinaldo (John LaMotta) orienta seus soldados a não resistir e entregar a carga para seus atacantes. Mas então os atacantes descobrem Patrícia em um dos veículos e começam a ameaçá-la.

Diante disso, Joe resolve reagir e começa a lutar contra os inimigos, no que é imitado pelos outros soldados. Começa uma luta encarniçada típica do cinema de ação dos anos 80, onde os soldados americanos lutam com as mãos limpas e os assaltantes, que estão fortemente armados, simplesmente preferem não usar suas armas e caem como moscas. A luta está indo muito bem para os soldados quando surgem em cena uma equipe de ninjas e começa a massacrar os americanos. Embora os soldados reajam da melhor forma possível e até mesmo consigam matar alguns ninjas (os quais não estão muito camuflados vestidos de negro em meio a uma floresta tropical), apenas Joe consegue realmente enfrentar os ninjas de igual para igual, demonstrando suas incríveis capacidades de luta. 

Talvez você não consiga enxergá-los devido as suas habilidades de sigilo, mas aqui estão os ninjas. Notem como eles conseguem se camuflar perfeitamente ao entorno tropical com seus quimonos negros.

Joe inclusive salva a vida de Patrícia e, ao perceber que os demais soldados estão todos mortos, foge com ela para o meio da selva, escapando de seus inimigos.

Os assaltantes capturam Patrícia, mas Joe vem ao seu resgate

Após a emboscada e a fuga, Joe volta para a base com Patrícia, mas é recebido de forma bem pouco acolhedora, tanto por seus colegas (que o veem como responsável pela morte de seus amigos) quanto pelos oficiais (que o veem como um insubordinado e causador de problemas). Para piorar as coisas, Joe também está na mira do líder dos ninjas, o Ninja Black Star (Tadashi Yamashita), e de seu chefe, o traficante de armas Victor Ortega (Don Stewart).

Os vilões são um capítulo a parte dentro do filme. Ortega é um traficante de armas que rouba os armamentos dos comboios militares norte-americanos e vende para ditaduras militares do mundo todo, para que estas possam “combater o comunismo” (afinal, é 1985 e a Guerra Fria está em seu auge). Já o Ninja Black Star (ou Ninja Estrela Negra, devido a uma marca em formato de estrela que ele tem no rosto) é o líder de um grupo de ninjas mercenários que presta seus serviços de proteção a Ortega e são treinados no pátio da mansão do próprio Ortega. Para conseguir roubar os carregamentos, Ortega conta com a ajuda do Sargento Rinaldo, que se ocupa de informar sobre os comboios e garantir que não haja resistência das tropas que escoltam estes comboios. E, é principalmente por isso que Joe é um empecilho tão grande aos projetos dos vilões, pois pode incitar os soldados a lutar contra os assaltantes, dificultando suas operações.

Enquanto os bandidos formulam seus planos, Joe começa uma amizade com o Cabo Curtis Jackson (Steve James), após os dois terem se enfrentado em uma luta no pátio da base. Jackson também é um lutador muito bem treinado e esse interesse mútuo pelas artes marciais ajuda a consolidar a amizade entre os dois. É através da amizade com Jackson que Joe começa a interagir mais com os outros soldados e é aceito por eles. 


Joe e Patrícia acabam tendo um romance...
... e até mesmo vão em um jantar juntos.

É também através dos diálogos entre Joe e Jackson que descobrimos que nosso herói perdeu a memórias algum tempo atrás e não se lembra de nada de sua infância nem de como conseguiu suas incríveis habilidades de luta. Posteriormente, descobriremos que Joe foi resgatado quando criança por um ex-soldado japonês veterano da Segunda Guerra Mundial (John Fujioka), que o criou e treinou nas artes do Bushido (literalmente “O Caminho do Guerreiro”, o antigo código de honra dos samurais japoneses).

Contudo, o Sargento Rinaldo elabora um plano para eliminar Joe e o envia para trabalhar em um depósito no porto, onde o nosso herói é atacado por vários ninjas e tem que colocar em prática todas as suas habilidades, resultando em algumas das melhores cenas de luta do filme.


Ninja Americano foi um sucesso nas bilheterias, conseguindo render mais de dez vezes seu custo de produção. Todo esse sucesso permitiu a realização de quatro sequências, das quais Michael Dudikoff participou de duas, “Ninja Americano 2” (1987) e “Ninja Americano 4” (1991), com “Ninja Americano 3” (1989) contando com David Bradley no papel principal. Infelizmente, a qualidade das obras foi decaindo ao longo das sequências, ao ponto de que o último filme nem sequer ser originalmente um filme do Ninja Americano e sim um filme completamente diferente estrelado por David Bradley ao qual a Cannon apenas colocou o nome de “Ninja Americano 5” (1993) para tentar ganhar alguns trocados, pois nessa época a produtora já estava à beira da falência.

Ninja Americano é uma daquelas típicas produções de ação abobadas da década de 80, onde o herói massacra tropas inteiras de inimigos sem sofrer um arranhão sequer e onde os vilões são malvados apenas por que sim, sem nenhum desenvolvimento maior dos personagens. A cena final, onde os dois bandos, o dos vilões e o dos soldados, se enfrentam é tão claramente oitentista que beira o nível do absurdo, com os soldados liderados por Jackson literalmente aniquilando dezenas de oponentes que parecem não perceber que também estão armados e em nenhum momento revidam aos disparos, morrendo calmamente em seus lugares.


Jackson lidera o ataque final contra os bandidos...
... e não economiza munição.
A batalha final entre Joe e o Ninja Black Star

O roteiro também é um ponto a ser destacado nesta obra, devido aos seus absurdos. O plano dos vilões não faz sentido nenhum. Afinal, se eles contam com a cumplicidade do Sargento Rinaldo e sabem que o exército americano não vai revidar aos seus ataques, por que precisam de um exército de mercenários tão grande? E como foi que Ortega conseguiu contratar um grupo de ninjas e qual a verdadeira função desses em seus planos? Por outro lado, por que os militares americanos continuam enviando seus comboios um atrás do outro, mesmo sabendo que eles vão ser roubados? Por que não aumentar a escolta dos comboios? Será que nenhum dos bandidos percebe que todos esses roubos não poderão ficar impunes por muito tempo e logo o governo americano vai abrir uma investigação para saber o que está acontecendo? As situações absurdas mostradas na tela e os furos do roteiro são vários, mas ao final apenas acrescentam alguns elementos a mais na atmosfera trash da obra.

Da mesma forma, as atuações são um verdadeiro espetáculo as avessas, principalmente as do nosso protagonista. Além de não saber lutar, Dudikoff nunca foi um grande ator e isso fica claro em Ninja Americano, onde o ator passa o filme todo com a mesma expressão vazia no rosto, parecendo incapaz de demonstrar qualquer tipo de emoção.

Entretanto, o fato de Dudikoff não saber lutar não foi um grande empecilho para a realização de Ninja Americano. O diretor Sam Firstenberg resolveu utilizar a mesma técnica que já havia sido usada em “Ninja, A Máquina Assassina”, ou seja, colocar o coreógrafo Mike Stone para realizar as cenas de ação e filmar estas cenas com cortes e efeitos sutis, de modo a esconder do público a verdadeira identidade de quem estava na tela. O resultado dessa técnica foi tão bom que é muito difícil que alguém consiga perceber à primeira vista que não é Dudikoff que está em cena chutando e golpeando os ninjas inimigos. Mike Stone já tinha feito esse tipo de substituição em cenas de ação ao realizar as lutas no lugar do ator Franco Nero, em “Ninja, A Máquina Assassina”. Franco Nero também não sabia lutar e seria mais recordado por suas atuações em filmes de faroeste italiano (os spaghetti western) e por ter interpretado o Django original em “Django” (1966).  

Franco Nero em "Django"

Ao fim e ao cabo, Ninja Americano foi um marco no cinema de ação trash dos anos 80 e é recordado até os dias de hoje como uma obra muito divertida.

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