O Quarteto Fantástico (1994)
Corria a década de 1980. Mesmo com o fim da Era de Bronze, os quadrinhos ainda viviam um dos seus melhores momentos. Obras consagradas como “Camelot 3000” (1982) escrita por Mike W. Barr e Brian Bolland, “Watchmen” (1986-1987) e “Monstro do Pântano” (1983-1987) ambas escritas por Alan Moore e “Batman- O Cavaleiro das Trevas” (1986) de Frank Miller, surgiram nesta época e ajudaram a moldar a chamada Nona Arte. Com tramas muito mais pesadas do que até então era habitual e tratando muitas vezes de temas bastante adultos e muitas vezes considerados tabus (como violência doméstica, estupro, homossexualidade e uso de drogas), os quadrinhos desta década marcariam toda uma geração de leitores.
Por outro lado, o cinema de super-heróis também teve seus bons momentos durante os anos 80, com filmes como “Superman II- A Aventura Continua” (1980), “Superman III” (1983), “Superman IV- Em Busca da Paz” (1987) e “Batman” (1989).
E foi em meio a este clima que a Constantin Film, uma produtora de filmes alemã, resolveu adquirir junto a Marvel Comics os direitos para uma adaptação cinematográfica do Quarteto Fantástico, uma das equipes de super-heróis mais antigas e famosas do mundo, criada pelas lendas Stan Lee (criador do Homem-Aranha, dos X-Men, do Homem de Ferro, do Thor, do Pantera Negra e de vários outros heróis da Marvel) e Jack Kirby (criador do Capitão América para a Marvel, então Timely Comics, e dos Novos Deuses para a DC Comics). Era o ano de 1986 e o contrato firmado entre as duas empresas estabelecia que o filme deveria ser produzido até 1992, ou os direitos voltariam para a posse da Marvel e a produtora alemã teria de pagar uma multa de cerca de 5 milhões de dólares.
Inicialmente, parecia uma tarefa fácil produzir
o filme. Porém, com o passar do tempo, a Constantin Film percebeu que havia se
metido em uma enrascada difícil de resolver. Os custos de produção seriam
exorbitantes, devido principalmente aos efeitos especiais para simular os
poderes dos heróis, e a elaboração do roteiro foi um problema desde o início.
É importante deixar claro que, mesmo com o sucesso de outros filmes de super-heróis, eram poucos aqueles que viam esse tipo de produção como algo rentável. Super-heróis ainda eram vistos como algo muito infantil e seus filmes eram percebidos como produtos muito restritos a um público pouco amplo. Por outro lado, o fracasso do filme da “Supergirl” (1984), junto aos iguais fracassos de “Superman III” e “Superman IV- Em Busca da Paz”, sendo que este último fracasso ajudou a falir a produtora Cannon Group, aliados ao patético desempenho de “Capitão América” (1990), uma produção da Marvel Studios junto com a 21st Century Film Corporation, a Paramount Pictures e a Jadran Film, ajudou a consolidar entre uma grande parte de Hollywood a ideia de que filmes de super-heróis não eram um bom negócio, ideia esta que só começaria a mudar com o sucesso do primeiro filme dos “X-Men”, no ano 2000.
Com este ambiente um tanto hostil para
produções cinematográficas com super-heróis, a Constantin começou a repensar
sua estratégia. A realização de um filme do Quarteto Fantástico não parecia
mais tão rentável assim. Entretanto, algo deveria ser produzido, ou a empresa
teria que arcar com uma multa, a qual não estava disposta a pagar de nenhuma
maneira. Foi então que uma ideia surgiu entre os executivos da produtora: produzir
um filme com um orçamento baixíssimo, gastando o mínimo possível, apenas para cumprir
os termos do contrato firmado com a Marvel e evitar a multa.
Para a realização desta tarefa, foi contratado o mestre absoluto dos filmes de baixo orçamento, ninguém menos que Roger Corman, que produziu e/ou dirigiu obras famosas do cinema B como “The Fast and The Furious” (1954), “A Besta com um Milhão de Olhos” (1955), “Ameaça Espacial” (1956), “A Pequena Loja dos Horrores” (1960), “A Máscara da Morte Vermelha” (1964), “Carnossauro” (1993) e muitos outros, além de ter atuado em vários filmes, tanto seus quanto de outros diretores. Com o orçamento limitado de pouco mais de um milhão de dólares e a ajuda de Bernd Eichinger como co-produtor, Corman deu inicio aos trabalhos, economizando o máximo possível e fazendo verdadeiros milagres com os poucos recursos que tinha a sua disposição e o prazo cada vez mais escasso (afinal, a data limite estabelecida no contrato se aproximava e o filme deveria estar já bastante adiantado até lá).
Com a direção de Oley Sassone (conhecido como o diretor da famosa série “Xena: A Princesa Guerreira”, de 1997 a 1998) e roteiro dos iniciantes Craig J. Nevius e Kevin Rock (que, infelizmente, nunca fizeram nada de muito relevante em suas carreiras), o filme foi feito em pouco mais de um mês, um tempo bastante curto para a realização de um longa-metragem, embora produzir filmes em tempo recorde sempre tenha sido uma das marcas registradas de Corman.
Originalmente, a data de lançamento do filme foi fixada para 1994, no mesmo ano em que a equipe ganharia uma nova série animada para TV. Porém, antes da obra ser lançada nos cinemas, os executivos da Marvel tinham que assistir ao filme primeiro e dar o seu aval para o lançamento (conforme também estava estipulado no contrato). Foi então que a coisa desandou. Ao verem na tela toda a loucura produzida por Corman e sua equipe, os executivos da editora se recusaram a permitir que aquele absurdo fosse exibido ao público e exigiram que todas as cópias da obra fossem destruídas imediatamente, para evitar um vexame completo, afinal os quadrinhos da editora estavam no auge, vendendo como pão quente na feira, e os executivos não queriam que um possível fracasso nas bilheterias comprometesse a lucratividade da empresa.
Assim sendo, a Constantin aceitou as exigências
da Marvel e destruiu as cópias. Ao fim de tudo, a produtora alemã tinha se
livrado da multa e conseguido salvar sua reputação, o que era seu verdadeiro
objetivo. Parecia que tudo terminaria aí e ninguém nunca mais ouviria falar
deste filme, o qual seria lembrado apenas como mais uma obra que nunca chegou
ao grande público. Entretanto, alguém dentro da produtora (nunca se soube
exatamente quem) conseguiu salvar uma cópia do filme para si. Naquela época, o
filme já havia sido anunciado aos quatro ventos e muitos fãs estavam ansiosos
para poder vê-lo. Não demorou muito para que cópias VHS piratas do filme
começassem a aparecer para venda, principalmente nas convenções de quadrinhos
norte-americanas. Durante algum tempo a Marvel tentou combater este mercado
negro, mas com a terrível crise que assolou a empresa em 1996, seus executivos
passaram a ter outras coisas nas quais pensar e os fãs puderam vender e trocar
suas cópias piratas a vontade. No inicio dos anos 2000, alguém resolveu colocar
o filme na internet e logo ele estaria disponível para o mundo inteiro,
inclusive em uma versão com legendas em português.
O Quarteto Fantástico começa com os jovens Reed Richards (Alex Hyde-White), Ben Grimm (Michael Bailey Smith) e Victor Von Doom (Joseph Culp) estudando física na universidade. Ali, um professor (George Gaynes) fala sobre Colossus, um cometa radioativo que parece possuir a capacidade de se locomover a velocidade da luz. Este cometa irá passar muito perto da Terra naquela mesma noite e Reed e Victor parecem ter algum plano em mente para este evento.
Na cena seguinte, somos apresentados a Jhonny (Phillip
Van Dyne) e Susan Storm (Mercedes McNab), dois irmãos que vivem com sua mãe,
May Storm (Annie Gagen), em uma pensão para estudantes universitários. Reed mora
nesta pensão e a jovem Susan parece ter uma paixonite por ele, apesar da óbvia
diferença de idade entre ambos.
Naquela noite, enquanto as demais pessoas se
divertem em observar o cometa que passa pela Terra, Reed e Victor realizam um
experimento secreto para se aproveitarem da energia do cometa. Porém, o
experimento falha e Victor termina se ferindo gravemente e Reed sobrevive
apenas devido a ajuda de seu amigo Bem Grimm. Após o trágico acidente, Victor é
levado ao hospital e declarado morto. Entretanto, dois homens misteriosos entraram
disfarçados de médicos no hospital, fingiram a morte de Victor, resgataram seu
corpo ferido e o levaram embora, sem que ninguém percebesse nada.
Dez anos se passam e reencontramos Reed, Ben, Jhonny (agora interpretado por Jay Underwood) e Susan (agora interpretada por Rebeca Staab). Os quatro amigos vão participar de um voo espacial experimental, com o qual Reed pretende novamente estudar o cometa Colossus.
Mas, o que eles não sabem é que um enorme diamante, importantíssimo para a realização do experimento, foi roubado por um criminoso conhecido como Joalheiro (Ian Trigger) e substituído por uma cópia. O vilão pretende dar a joia como presente a sua amada, a escultora cega Alicia Masters (Kat Green). Essa mesma escultora teve um inesperado e constrangedor encontro recente com Ben Grimm, durante o qual somos brindados com cenas muito infelizes onde Grimm mostra como não se deve agir ao tratar com uma pessoa que possua uma deficiência visual.
Por outro lado, o Joalheiro não é o único
interessado no diamante. Os mesmos homens que resgataram Victor do hospital dez
anos antes também estão buscando a joia, sob as ordens de um misterioso indivíduo
mascarado. Este indivíduo descobre posteriormente sobre o roubo realizado pelo
Joalheiro e resolve não interferir por enquanto.
Sem o diamante original, o voo especial de Reed e seus amigos termina em desastre, pois sua nave é atingida por raios cósmicos e termina explodindo no espaço. Os destroços caem na terra e, milagrosamente, os quatro viajantes sobrevivem ao acidente. Após perceberem que ainda estão vivos, os quatro amigos começam a perceber que os raios cósmicos lhes proporcionaram poderes sobre humanos. Reed pode se esticar como um elástico, Jhonny pode lançar chamas e incendiar seu corpo, Susan pode ficar invisível, enquanto Ben não parece ter desenvolvido nenhum poder no momento.
Em outro lugar, o misterioso individuo mascarado descobre que os quatro amigos sobreviveram ao desastre e fica furioso com a situação. Ele ordena a seus capangas que tragam os quatro até ele o mais rápido possível.
Enquanto isso, o mundo todo acredita que o
quarteto de viajantes faleceu em sua viagem. Alicia fica muito triste com a notícia
e passa a fazer vários bustos com o rosto de Bem Grimm, o qual ela pode tocar
em seu encontro anterior, e seus amigos, como uma forma de homenagem. Enquanto isso,
o Joalheiro está reunido com seus capangas no esgoto e ordena que lhe tragam
Alicia para ser sua rainha.
No meio do campo, Reed e os outros descansam, quando são abordados por um grupo de militares. É então que descobrimos que Ben acabou se transformando em um ser feito de rocha pura (interpretado por Carl Ciarfalio). Após o espanto inicial, os amigos são levados até uma base para serem estudados. Segue-se uma serie de cenas vergonhosas, onde os heróis demonstram seus poderes, deixando em evidencia a precariedade absoluta do filme.
Reed demonstra sua elasticidade esticando um braço apenas, com um efeito obvio de uma mão de plástico na ponta de uma vassoura. Susan desaparece através de um efeito de sobreposição de planos criado nos anos 1930. Jhonny lança chamas em um efeito típico de ilusionistas e consegue apenas acender uma das mãos. Ben, por outro lado, é representado por uma roupa de borracha ridícula, onde é possível ver as emendas do traje e a fenda para os olhos do ator. A mobilidade do traje é muito limitada e travada, dificultando as cenas de ação.
Não demora muito para que os quatro amigos descubram que não estão em uma base militar e sim em um dos covis do individuo mascarado. Assim sendo, os quatro resolvem escapar, e os espectadores se põem ansiosos com a possibilidade de verem a primeira cena de luta do filme. Porém, não há cena alguma. A câmera apenas gira descontroladamente e quando volta ao normal, a luta já acabou.
Enquanto isso, o Joalheiro está mantendo Alicia
presa nos esgotos e tenta convence-la a viver ali com ele. O vilão é visitado
pelos capangas do mascarado misterioso e se recusa a vender o diamante para
ele.
Voltando aos quatro amigos, estes estão tentando fugir do covil e terminam descobrindo uma estranha arma laser, capaz de pulverizar uma cidade inteira. Enquanto investigam a arma, eles são confortados por seu misterioso algoz, o qual se declara como Doutor Doom (ou Doutor Destino, como é mais conhecido no Brasil). O vilão tenta convence-los a se unirem a ele. Como os amigos se recusam, ele ordena que seus capangas os matem. E é aqui que acontece a primeira das muitas cenas de luta mal coreografadas do filme.
Após vencer os capangas, os quatro fogem do covil e vão até o Edifício Baxter, em Nova York, onde Reed termina percebendo que o vilão se trata de Victor, que ainda segue vivo (algo bem obvio, afinal o vilão e Victor se chamam Doom). Acreditando que se transformou em uma aberração, Ben foge para as ruas da cidade, onde é encontrado por alguns mendigos e levado para o covil do Joalheiro nos esgotos. Ali, o atormentado homem é bem recebido, porém logo Dr. Doom ataca o covil, em busca do diamante.
Começa uma luta entre os capangas de Doom e os do Joalheiro e quando Ben resolve interferir, Doom toma Alicia como refém. E então que a mulher declara seu amor por bem, o que faz com que este tenha uma reação emocional a acabe revertendo de volta a sua forma humana. Sem poder ajudar Alicia, Ben foge e volta ao Edifício Baxter para se reunir com seus amigos. Ao mesmo tempo, Doom entra em contato com eles e exige que se entreguem a ele ou senão irá destruir Nova York com seu laser.
Os quatro amigos resolvem se unir e confrontar Doom de uma vez por todas. Usando os uniformes que Susan costurou para eles e se denominando Quarteto Fantástico, os quatro partem para salvar Nova York.
O Quarteto Fantástico é um autêntico filme trash, com vários defeitos e problemas, principalmente no que se refere aos efeitos especiais e suas cenas de luta. O roteiro é extremamente simplório, com todos os personagens muito planos e pouco desenvolvidos, além dos diálogos pouco elaborados. A cenografia e os figurinos também são muito pobres apesar de serem muito fieis aos quadrinhos da época.
Muitos podem argumentar que a precariedade da
obra é resultado de ter sido realizada no inicio dos anos 90, onde a tecnologia
dos efeitos especiais ainda era muito precária e não existiam os modernos
efeitos criados em computador, comuns nos filmes atuais. Bem, isso ode até ser
verdade, mas é importante lembrar que no mesmo ano de 1994 onde esse filme estava
marcado para ser lançado, foram lançadas obras como “Entrevista com um Vampiro”
e “O Máskara”, que contavam com efeitos fantásticos. Também é bom ressaltar que
“Superman”, de 1978, conseguiu realizar os efeitos de voo e dos inúmeros poderes
do personagem principal com um realismo incrível. Não, o que realmente causou a
precariedade em O quarteto Fantástico foram o baixo orçamento e o pouco interesse
da produtora em realizar um filme minimamente decente.
Entretanto, vendo como seriam os filmes
seguintes do Quarteto Fantástico, eu entendo por que muitos fãs ainda amam esta
obra tosca e a consideram a melhor adaptação desta importante equipe super heroica.