quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Spawn

Filmes Porcaria #1:

 Spawn- O Soldado do Inferno (1997)

O ano era 1992. A Marvel Comics dominava com folga o mercado de quadrinhos. Suas revistas vendiam milhões de cópias e os leitores faziam fila na porta das comic shops para comprar as novas edições

Muito desse sucesso de vendas da Marvel era mérito de um pequeno grupo de artistas, formado por sete jovens desenhistas: Rob Liefeld, Whilce Portacio, Todd McFarlane, Erik Larsen, Jim Valentino, Marc Silvestri e Jim Lee. Com seus estilos de ilustração dinâmicos e inovadores, capazes de encantar os jovens e conquistar a fidelidade dos leitores, esses sete artistas se transformaram em verdadeiras celebridades dos quadrinhos, alcançando uma fama nunca antes vista entre os profissionais da área.

Os sete grandes artistas da Marvel no início dos anos 90: 
Rob Liefeld, Whilce Portacio, Todd McFarlane, Erik Larsen, Jim Valentino, Marc Silvestri e Jim Lee

Entretanto, apesar de serem amados pelos leitores e serem tratados como celebridades pela comunidade dos quadrinhos, esses artistas se sentiam muito desvalorizados pela própria Marvel, pois não recebiam percentuais sobre as vendas das revistas e não tinham direitos sobre as artes originais que realizavam, artes estas que terminavam sendo leiloadas por valores expressivos, valores estes que eram revertidos unicamente para a Marvel, sem nenhum repasse para os artistas. A situação escalou até um ponto em que os sete resolveram abandonar a empresa e fundar sua própria editora.

E assim surgiu a Image Comics, uma editora independente de histórias em quadrinhos (hqs) que surge com a proposta de oferecer aos artistas e demais criadores o controle total sobre suas criações e uma porcentagem muito maior sobre os lucros que estas criações pudessem vir a oferecer.

A primeira criação lançada pela Image, em abril de 1992, foi a super equipe chamada Youngblood, criada por Rob Liefeld, que havia trabalhado para a Marvel em títulos como Os Novos Mutantes e X-Factor. Pouco depois, em maio de 1992 seria lançado Spawn, um anti-herói com poderes demoníacos, criado por Todd McFarlane, que havia desenhado capas e hqs do Homem-Aranha. A esses primeiros títulos, logo se seguiriam The Savage Dragon, criado por Erik Larsen, WildCats, de Jim Lee, ShadowHank de Jim Valentino e Cyber Force de Marc Silvestri.


As vendas das novas revistas foram impressionantes. Tanto Youngblodd quanto Spawn bateram recordes de vendas para hqs independentes. O lançamento dos novos personagens e as sessões de autógrafos eram verdadeiros eventos, similares a apresentações de astros do rock, com filas quilométricas de leitores esperando seus autógrafos, a presença de artistas e rappers famosos e até mesmo a polícia tendo que fazer o controle da multidão para evitar tumultos. Por outro lado, a cobertura da mídia em relação a toda essa situação foi bastante ampla, fazendo com que o interesse do público e, consequentemente, as vendas das revistas, crescessem ainda mais.

Com o enorme sucesso das hqs da Image, não demorou muito para que os estúdios começassem a fazer propostas para tentar conseguir os direitos dos personagens da editora, com o objetivo de poder realizar adaptações desses personagens para obras cinematográficas.

Todd McFarlane aceitaria uma proposta da New Line Cinema e cederia os direitos de Spawn para uma adaptação cinematográfica, desde que ele pudesse ter parte do controle criativo sobre a obra e uma porcentagem maior sobre os direitos de merchandising do filme.

Todd McFarlane

Spawn começa relatando que existe uma guerra entre o Céu e o Inferno. O líder do Inferno, um demônio chamado Malebolgia, está reunindo um exército de guerreiros falecidos e precisa apenas de um general para liderá-los em um ataque contra o Céu. Para agilizar seus planos, Malebolgia envia Violator (John Leguizamo), um ser demoníaco com a aparência de um palhaço obeso e repulsivo, para trabalhar para ele na Terra.


Enquanto isso, o tenente-coronel Al Simmons (Michael Jai White) está vivendo sua vida como agente especial da CIA, cumprindo missões de eliminação de alvos perigosos e eliminando grupos terroristas. Ao mesmo tempo, Simmons está casado com Wanda (Theresa Randle) e sente cada vez mais remorsos pelas missões que tem que realizar.

Disposto a deixar sua vida de agente para trás, Simmons confornta seu chefe, Jason Wynn (Martin Sheen) e pede para ser retirado do serviço ativo. Wynn, porém, lhe oferece uma última missão: destruir uma fábrica de armas químicas na Coréia do Norte. Embora contrariado, Simmons aceita a missão final. Entretanto, ele termina sendo vítima de uma cilada armada por Wynn e Jessica Priest (Melinda Clarke), uma assassina a serviço de Wynn, e termina sendo queimado vivo um pouco antes da fábrica ser explodida.

A alma de Simmons viaja para o Inferno e lá ele se encontra com Malebolgia, que oferece um acordo: caso Simmons aceite liderar o exército do Inferno na guerra contra o Céu, Malebolgia vai permitir que ele volte para a Terra e possa reencontrar sua esposa. Desesperado para rever seu amor, Simmons aceita o acordo.

Simmons retorna para a Terra e é recebido por Violator, que explica ao infeliz protagonista que se passaram cinco anos da sua morte e que sua esposa Wanda se casou com seu melhor amigo, Terry Fitzgerald (D.B. Sweeney) e que o casal tem uma filha chamada Cyan (Sydni Beaudoin). Tomado pelo ódio e disposto a se vingar de todos aqueles que ele vê como culpados por sua desgraça, Spawn começa a ser treinado por Violator para ser o servo perfeito para o exército infernal de Malebolgia. O que Spawn não sabe é que está sendo manipulado, com o objetivo de assassinar Wynn e liberar uma arma biológica chamada Heat 16, que pode exterminar toda a humanidade.

Ao mesmo tempo, Spawn conhece um menino sem-teto chamado Zack (Miko Hughes) e um velho morador de rua chamado Cogliostro (Nicol Williamson), que também já serviu o Inferno, mas que conseguiu se libertar. Esses dois personagens irão ajudar Spawn a redescobrir sua humanidade e se livrar de seu desejo de vingança.

Muito bem. Essa é a sinopse do filme. Mas qual o veredicto final? Vale ou não vale a pena? Pois bem. O veredicto é muito simples: Spawn é horrível, uma das piores adaptações cinematográficas de quadrinhos já feitas. O filme foi um fracasso de público e crítica e conseguiu enterrar todas as possibilidades de que outros personagens da Image fossem adaptados para o cinema.

É realmente surpreendente imaginar que McFarlane deu seu aval para que esta porcaria fosse lançada, ainda mais quando se tem em mente que Spawn sempre foi sua menina dos olhos.

McFarlane e Jai White no set de Spawn

O problema com Spawn começa com a escolha da equipe responsável pela obra. A direção foi entregue a Mark A. Z. Dippé, que não tinha experiência relevante em direção (ele havia dirigido apenas um filme irrelevante em 1995) e era apenas um assistente de efeitos especiais. O roteiro foi entregue a Alan B. McElroy, que tinha pouquíssima experiência. O roteiro terminou sendo revisado e adaptado pelo próprio McFarlane e pelo diretor Dippé, se transformando na confusão abobalhada e quase sonífera que vemos na tela.

Mark A. Z. Dippé
Alan B. McElroy

Os efeitos especiais, que seriam a parte mais importante do filme, foram entregues a uma empresa recentemente criada por Mark A.Z. Dippé, Steve "Spaz" Williams e Clint Goldman, que tinham deixado a Industrial Light & Magic (ILM) e fundado sua própria empresa, chamada Pull Down Your Pants Pictures (em uma tradução livre, algo como Abaixe suas Calças Pictures).

Pode-se notar um padrão aqui: um filme que pretendia introduzir um personagem de quadrinhos para o grande público e que deveria se basear em lutas, poderes e grandes cenas de ação, mas que termina sendo entregue a um grupo de profissionais inexperientes e pouco qualificados. Para piorar, o elenco era composto, em sua maioria, de atores pouco talentosos e desconhecidos do público. Com a exceção de Michael Jai White, e, principalmente, John Leguizamo, que realmente tentam dar a seus personagens alguma personalidade, as demais atuações são simplesmente atrozes.

Toda a produção é muito mambembe. Os diálogos são simplórios e não têm nenhum impacto, as cenas vão se sucedendo de forma automática e a montagem é confusa, ao ponto de o espectador não conseguir entender em que lugar está ocorrendo a cena e como os personagens se locomovem de uma parte para a outra. A qualidade da montagem é tão amadora que, em uma das primeiras cenas do filme, aparece um letreiro informando que estamos no aeroporto de Hong Kong, mas a câmera está focando diretamente a torre de controle de voo do aeroporto de Los Angeles. Não era possível filmar o aeroporto de outro ângulo? Precisava mostrar um ponto de referência facilmente reconhecível pelos espectadores?

Entretanto, o que coroaria o fracasso de Spawn seriam seus efeitos especiais, que variam de aceitável (uns 2% deles) a horrível (uns 30%) e intragável (os 68% restantes). As cenas de luta são tão mal feitas que se tornam incompreensíveis. Outras cenas são simplesmente bobas, como o cinto de Spawn se estendendo e mordendo a perna de Priest, para impedi-la de dar um chute na virilha do herói. Basta lembrar que os principais vilões do filme, Malebolgia e Violator, são apresentados com suas formas demoníacas feitas com um efeito de computação gráfica que mesmo para os anos 90 já eram ridículos. Essa computação gráfica horrível consegue remover todo o impacto que esses vilões deveriam ter, tornando os mesmos meras criaturas risíveis e sem importância para o público.

Outro erro fatal foi terem transformado um herói sombrio, que surgiu em quadrinhos famosos por serem mais intensos e violentos, em um personagem PG13, com o objetivo de tentar atrair um público maior para os cinemas. Essa manobra foi o prego final no caixão do filme, pois desagradou os fãs do personagem de forma muito mais direta, pois estes se sentiram pessoalmente ofendidos.

O custo final de Spawn foi de cerca de 45 milhões de dólares. A bilheteria final foi de 88 milhões, o que se revela um fracasso, pois apesar de o filme ter se pagado, não conseguiu atingir a meta padrão de render o triplo de seu orçamento inicial para ser considerado um sucesso. Da mesma forma, o merchandising foi um fracasso, pois se esperava uma grande arrecadação com a venda de produtos licenciados, algo que não aconteceu.

Ao contrário de outros filmes que eu já resenhei aqui antes, Spawn não conseguiu se redimir aos olhos do público com o passar dos anos. Apesar de que o personagem seguir firme e forte até hoje nos quadrinhos, o filme foi esquecido pelos fãs do personagem e caiu no temido limbo dos filmes medíocres, não conseguindo nem mesmo se tornar um “tão ruim que fica bom”.

Ao fim e ao cabo, Spawn é péssimo, chato e insuportável. É o primeiro Filme Porcaria resenhado aqui no blog e, realmente, não vale a pena assistir.

 

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