segunda-feira, 31 de maio de 2021

Chopping Mall

 

Chopping Mall (1986)

Você já ouviu falar do diretor Jim Wynorski?

Não?

Pois não se preocupe. Até recentemente, eu também não conhecia o senhor Wynorski e sua filmografia, digamos, “original”.

Jim Wynorski atualmente

Se você já assistiu a filmes como “Komodo Vs. Cobra” (2005), “Piranhaconda” (2012), “CobraGator” (2016) ou “DinoCroc Vs. SuperGator” (2010), você já teve algum contato com o trabalho do senhor Wynorski. Atualmente, ele é conhecido por produzir esse tipo de filme B de terror com animais gigantes, principalmente cobras, lagartos, crocodilos e aranhas. Geralmente, essas produções são realizadas pelo canal Syfy, um canal de TV a cabo norte-americano, conhecido por suas produções cinematográficas de qualidade duvidosa. Esse tipo de filmes realmente não me atrai, mas é inegável que os fãs desse modelo de cinema de terror barato têm muito a agradecer ao trabalho de Jim Wynorski.


Algumas amostras das "obras" de Jim Wynorski

Porém, nos anos 1980, o senhor Wynorski estava apenas começando no ramo do cinema. Seu primeiro filme como diretor foi “The Lost Empire” (1984). Na época, Wynorski trabalhava para ninguém mais, ninguém menos que a lenda Roger Corman, um dos nomes mais conhecidos do cinema independente. Corman gostou do trabalho de Wynorski como roteirista e diretor iniciante e pediu que ele elaborasse um roteiro para um filme que a mulher de Corman, Julie Ann, queria fazer. A senhora Corman queria produzir um filme de terror que seria rodado dentro de um shopping center. Wynorski elaborou um roteiro em apenas dois dias e o apresentou ao casal Corman, que gostou tanto desse roteiro que ofereceu a direção do filme para o próprio Wynorski, que aceitou a oferta.

Roger Corman

Assim nasceu Chopping Mall.

O filme começa com um ladrão roubando uma joalheria em um shopping center. Após recolher todas as joias da vitrine, o criminoso começa a fugir do local, mas é detido por uma voz, que ordena que ele pare e solte sua arma. Ao se virar para confrontar o dono da voz, o ladrão se depara com um robô segurança. Sorrindo maliciosamente, o criminoso atira contra a máquina, esperando destruí-la. Porém, para a surpresa do meliante, o robô parece ser a prova de balas. Decidido a fugir, o ladrão começa a correr, mas o robô dispara um taser nas costas do criminoso e o eletrocuta. O ladrão cai ao solo e o robô se aproxima de seu corpo, olha para a câmera e um letreiro escrito The End (fim) aparece na tela.

“O que? O filme já acabou?”, o espectador se pergunta.

Calma, meus amigos. O que acontece é que esta primeira cena se trata de um comercial da empresa Secure-Tronics, fabricante dos Robôs Protetores, uma espécie de segurança automatizada e computadorizada para áreas comerciais. Essa empresa está fazendo uma apresentação de seu produto para os comerciantes do shopping center Park Plaza Mall, onde esse sistema de segurança acaba de ser instalado.


Através dessa apresentação, ficamos conhecendo os tais Robôs Protetores, uma espécie de seguranças robóticos de última geração, mas que parecem cafeteiras que se movem com esteiras. Três dessas “cafeteiras” foram instaladas no Park Plaza e irão patrulhar os corredores do prédio após o encerramento do expediente. O responsável pelo desenvolvimento dessas “maravilhas” tecnológicas, o Dr. Stan Simon (Paul Coufos), garante que seus robôs são perfeitamente seguros e capazes de realizar seu serviço de vigilância com total eficiência, mas nem todos os comerciantes parecem convencidos, principalmente um casal que fica fazendo piadas sobre os robôs durante a fala do Dr. Simon. Este, porém, não se abala e garante que seu sistema de segurança é infalível. Ao concluir sua apresentação, o Dr. Simon declara: “Absolutamente nada pode dar errado.”


Ao ouvir essa frase, o espectador pode ficar tranquilo, sabendo que absolutamente tudo dará errado.

Após a apresentação dos robôs, o filme nos brinda com uma sequência de cenas cômicas, para entrarmos no clima de shopping. Começando com a inexplicável cena de uma criança tomando sorvete sozinha em um elevador, elevador este que para em um andar e imediatamente se enche de passageiros. Quando o elevador para em outro andar e os passageiros descem, a criança está toda suja de sorvete. Outra cena mostra um rapaz roubando algo de uma loja, de maneira totalmente discreta. Segue-se a cena de um menino andando de skate pelo shopping, enquanto desvia de várias garotas em trajes de banho (?) usando faixas de miss (??), onde estão escritos dizeres como “Têm uma Bola”, “Leve as Crianças” e “O Futuro Agora” (???). Ao mesmo tempo, acompanhamos a cena de uma mulher equilibrando uma bandeja carregada de cachorros quentes e copos plásticos grandes cheios de Coca-Cola. A pobre mulher faz um esforço enorme para carregar a bandeja e desviar das outras pessoas, apenas para derrubar tudo ao chegar em sua mesa.

Após esse festival de cenas engraçadinhas, começamos a conhecer os protagonistas humanos do filme. Suzie (interpretada pela musa do terror trash Barbara Crampton) e sua amiga Allison (Kelli Maroney) trabalham em uma pizzaria no Park Plaza Mall. O lugar é um verdadeiro restaurante cinco estrelas, com uma clientela seleta e um serviço de primeira qualidade. Só Que Não! O dono do lugar usa um avental imundo, limpa seus utensílios de cozinha nesse mesmo avental, fuma durante o atendimento e ainda coloca o cigarro em cima das pizzas dos clientes. Já os clientes são representados por um homem obeso que come pizzas em grande quantidade e de forma pouco elegante, sujando sua roupa com comida e mastigando de boca aberta, além de tentar paquerar as garçonetes.

Essa cena na pizzaria serve para apresentar a característica principal desse filme: o que importa aqui é divertir o público, pouco importando se as piadas ou situações possam ofender algum grupo ou agredir qualquer senso moralista do espectador. Esse é um filme dos anos oitenta, feito em uma época em que o atual conceito de politicamente correto não existia e os diretores e roteiristas eram muito mais livres para inserir certos elementos em suas obras, sem medo de sofrerem qualquer forma de patrulhamento. Talvez a grande graça desse filme resida exatamente nesse ponto, por ser um filme que não precisa se levar a sério em nenhum momento e pode apelar para qualquer recurso possível para entreter seu público.

Enquanto Suzie e Allison trabalham na pizzaria, uma grande tempestade de raios se forma sobre a cidade. Alguns desses raios acabam atingindo a antena de controle no topo do shopping, ocasionando uma queda de energia, que afeta o computador central. Basta essa pequena falha e o sistema de segurança “infalível” do Dr. Simon é totalmente destruído. Os robôs se ativam e matam o funcionário responsável por cuidar do computador, que estava convenientemente distraído olhando uma revista pornográfica que ele havia encontrado dentro do manual do computador.

A mais alta tecnologia para controlar os robôs. O que poderia dar errado, não é mesmo?

Após essa cena de morte muito mal feita, somos apresentados aos protagonistas masculinos do filme, todos eles personagens clichês de filmes de terror. Temos Mike (John Terlesky) como o rapaz bonitão e babaca, Greg (Nick Segal) como o amigo boa pinta e descolado e Ferdy (Tony O’Dell) como o nerd tímido e estudioso. A essa alegre coleção de estereótipos irão se juntar Leslie (Suzee Slater) como a namorada desmiolada de Mike, o casal Rick (Russell Todd) e Linda (Karrie Emerson) como o casal mais maduro, além de Suzie e Allison. Esse grupinho de amigos combinou de fazer uma festinha na loja de móveis do tio de Ferdy, após o fechamento do shopping. Suzie e Greg, que são namorados, pretendem aproveitar a festa para apresentarem Allison para Ferdy e tentar fazê-los iniciarem um namoro.

Inicialmente, tudo parece dar certo. A festa começa e os amigos bebem e dançam tranquilos. Ferdy e Allison se conhecem e é amor à primeira vista. Os casais resolvem aproveitar as camas da loja para praticar um pouco de sexo, afinal ninguém é de ferro. Enquanto isso, o novo casal assiste a um filme de terror e aproveitam para se conhecerem melhor.

Os jovens dançam tranquilamente, sem saber o que terão que enfrentar

Tudo parece estar indo muito bem, mas os robôs assassinos rondam nos corredores. A primeira vítima das máquinas é outro funcionário responsável pelo computador central, que chega para render seu colega. Ao chegar na sala do computador, o funcionário não encontra seu colega, que foi morto anteriormente pelos robôs. Achando que o colega saiu mais cedo, o funcionário se senta em frente ao computador e começa a ler um livro. Aproveitando sua distração, um robô o mata de uma forma ridícula, usando um pequeno gancho. Logo depois, um faxineiro (interpretado por Dick Miller) se converte na seguinte vítima dos impiedosos autômatos, quando é eletrocutado por uma descarga elétrica de um taser.



Enquanto isso, Mike sai da loja de móveis para comprar cigarros para Leslie e é atacado por outro robô, tendo seu pescoço cortado. Percebendo a demora do namorado, Leslie vai atrás dele e ao encontrá-lo morto, começa a gritar, atraindo a atenção de um robô, que explode a cabeça da garota com um laser, na cena mais famosa desse filme. Essa morte é acompanhada pelos outros jovens, que assistem a cena de dentro da loja de móveis. Percebendo que estão em uma enrascada sem tamanho, os jovens fogem e são perseguidos pelos robôs, que disparam lasers para todos os lados, destruindo a loja.


Nesse ponto do filme, o espectador já descobriu que os robôs, embora tenham um aspecto bem pouco intimidante, possuem um vasto arsenal: além dos lasers capazes de cortar carne e metal, eles também contam com garras capazes de cortar gargantas humanas facilmente, tasers capazes de eletrocutar pessoas com altas cargas elétricas, dardos tranquilizantes, ganchos e cabos fortes e resistentes e até mesmo explosivo plástico (!). Se tudo isso já não fosse suficiente, os robôs também tem controle sobre diversos sistemas do prédio, podendo controlar esses sistemas à vontade. Na minha opinião, esse arsenal todo é um pouco de exagero para máquinas que deveriam apenas patrulhar um estabelecimento comercial, mas quem sou eu para criticar, não é mesmo? Afinal, apenas com esse arsenal os robôs podem atuar como assassinos frios e sem emoções, que após matar uma vítima, declaram com sua voz mecânica: “Tenha um bom dia.”

Para enfrentar essas monstruosidades eletrônicas, os jovens resolvem se separar em dois grupos: as meninas fogem através dos dutos de ventilação do prédio, enquanto os rapazes vão até uma loja de artigos esportivos para conseguir algumas armas. E que armas! Enquanto Greg pega uma escopeta calibre 12mm, Ferdy resolve pegar um revólver Magnum .44 e Rick escolhe um fuzil de assalto M16. Com esse arsenal nas mãos, mais um botijão de gás propano, eles estão prontos para enfrentar seus inimigos mecânicos e, ao mesmo tempo, protagonizar algumas das cenas mais irrealistas e sem sentido da história do cinema.


Chopping Mall é o típico filme de ficção cientifica barata que costumávamos assistir na televisão durante as tardes nos anos 80 e 90. Com um orçamento pequeno, mas muita criatividade e alguns atores conhecidos, o filme foi produzido para conseguir abocanhar uma pequena parte do enorme negócio das fitas VHS que havia explodido desde o inicio da década de 1980.

Ao fim e ao cabo, um filme divertido, impregnado com a melhor atmosfera dos anos 80 e que vale a pena dar uma conferida. Com certeza, o melhor filme da carreira de Jim Wynorski.


sexta-feira, 28 de maio de 2021

Who Killed Captain Alex?

 

Who Killed Captain Alex? (2010)

Nessa resenha vamos falar de uma daquelas pérolas raras do cinema de baixo orçamento que regularmente surgem na internet e ganham fama mundial devido ao seu nível épico de ruindade. No caso desse filme, trata-se de uma autêntica pérola negra, criada na Mama África e que conquistou notoriedade através do YouTube.

Recentemente, o cinema nos países africanos tem ganhado um forte impulso, principalmente na Nigéria, Gana, Quênia, Argélia, África do Sul e Uganda. Existem inclusive festivais de cinema africano, como o Festival Pan-Africana de Cinema e Televisão de Uagadugu, realizado anualmente em Uagadugu, capital de Burquina Fasso. O cinema nigeriano é o que mais cresce atualmente na África, tendo recebido inclusive o nome de Nollywood, em referência à Hollywood, a capital mundial do cinema. Por outro lado, Uganda também têm mostrado um cinema cada vez mais produtivo e recebeu o nome de Ugawood.

Embora a grande maioria do cinema africano seja ainda um negócio bastante informal e precário, feito por pequenas produtoras com pouco orçamento e contando com atores pouco preparados, é possível encontrar boas obras como o drama queniano Rafiki (2018), uma espécie de Romeu e Julieta que discute temas como violência e direitos LGBT, o ótimo drama ganês Azali (2018), sobre uma jovem que é vendida por sua família e que foi o primeiro filme na história de Gana a ser inscrito para o Oscar, o drama/comédia nigeriano Mokalik (2019), sobre um menino que é aprendiz em uma oficina mecânica, o drama nigeriano A Estrada Nunca Percorrida (2015), que narra a viagem de carro de um casal cujo casamento está em crise ou o documentário Sakawa (2018) sobre um grupo de jovens de Gana que aplica golpes pela internet. Esses são apenas alguns exemplos de bons filmes africanos feitos recentemente. Se você se não conhecia o cinema africano e se sentiu interessado a dar uma olhada, eu recomendo que você se proporcione esse prazer e descubra que o continente africano também pode produzir belas obras da sétima arte.


Porém, aqui nós não vamos tratar de nenhum desses filmes africanos de qualidade. Esse é um blog dedicado aos filmes trash e, portanto, vamos tratar sobre um legítimo filme trash africano. Porque sim, a África também produz seus próprios filmes trash.

Who Killed Captain Alex? (Quem Matou o Capitão Alex, em uma tradução direta) é um filme ugandense que foi dirigido, filmado, editado e roteirizado por Nabwana IGG, pseudônimo de Isaac Godfrey Geoffrey Nabwana, o fundador da Wakaliwood, também conhecida como Ramon Film Productions, uma produtora de filmes com sede em Kampala, capital de Uganda. Conhecido como o “Tarantino” de Uganda, Nabwana costuma realizar suas obras tendo como base a favela de Wakaliga, na periferia de Kampala. Do nome dessa favela vêm a inspiração para o nome da produtora: Wakaliwood.

Godfrey Geoffrey Nabwana dirigindo suas obras
           
A favela de Wakaliga, sede da Wakaliwood

Durante sua infância, Nabwana desenvolveu uma ligação muito forte com o cinema, principalmente com os filmes de ação e guerra produzidos pelo cinema americano e cresceu desejando produzir seus próprios longas-metragens. Finalmente, em 2005, após fazer um curso de edição de vídeos e após assistir a alguns tutoriais de internet sobre cinema, Nabwana resolveu fundar sua própria produtora e se aventurar de vez no mundo do cinema. Com muita criatividade e a ajuda de amigos que compartilhavam seu desejo de trabalhar com a sétima arte, Nabwana começou seus trabalhos, sempre contando com pouco orçamento, mas muita boa vontade. Atualmente, ele afirma já ter produzido cerca de 44 longas-metragens, além de vários curtas e videoclipes.

  Em 2010, um trailer de Who Killed Captain Alex? foi lançado no canal da Wakaliwood no Youtube e logo se tornou viral, atingindo rapidamente a marca de mais de 5 milhões de visualizações. Essa fama repentina se deve principalmente devido ao baixíssimo nível dos efeitos especiais e ao monte de cenas de ação absurdas que apareciam no trailer. Rapidamente, milhares de pessoas no mundo todo estavam esperando ansiosas para ver o filme completo. Porém, a versão original da obra acabou se perdendo devido a problemas técnicos e durante cinco anos os “fãs” tiveram que esperar até que Nabwana conseguiu montar uma nova versão, que foi lançada em março de 2015. Essa nova versão contava com uma narração (feita por um tal VJ Emmie) que faz comentários sobre as cenas e dispara piadas sobre os personagens em tela, algo que não existia na versão original. Na minha opinião, o acréscimo dessa narração deixou o filme ainda mais divertido. É importante deixar claro que o uso desse tipo de narração cômica nos filmes é bastante comum no cinema ugandense, onde os narradores são conhecidos como “Video Jokers” (piadistas de vídeo). O uso desses narradores, principalmente nas sessões de cinema, é bastante importante em um país que tem duas línguas oficiais (inglês e suaíli) e quarenta e três dialetos nativos reconhecidos. Esses narradores fazem a tradução dos diálogos e narram as cenas dos filmes para a língua da maioria da plateia, permitindo que se entenda melhor um filme produzido em algum dialeto diferente daquele do espectador. No caso de Who Killed Captain Alex?, o filme foi produzido tendo como base o dialeto luganda, uma língua de origem bantu, falado por cerca de oito milhões de ugandenses e, posteriormente, legendado e narrado em inglês.

O filme começa nos apresentando ao Capitão Alex (Kakule Willian), que parece estar dando uma entrevista coletiva para relatar seus planos para acabar com a Tiger Mafia, um grupo criminoso muito violento que vem trazendo terror e morte para as casas do pacífico povo de Uganda. Enquanto a entrevista acontece na tela, o narrador nos informa que o Capitão Alex é o melhor soldado da Força de Defesa do Povo de Uganda, o exército desse país, e que somente ele pode dar um fim às máfias.

Capitão Alex

O Capitão Alex e seus soldados montam um plano para capturar Richard (Sserunya Ernest), o líder da Tiger Mafia. Porém, antes da operação os soldados vão relaxar em um bar local, onde bebem e ouvem música. Não demora muito para que um soldado bêbado dê início a uma briga, quando este tenta seduzir a cantora do bar, que é imediatamente defendida por seu marido. Começa uma luta encarniçada no bar, que só é interrompida quando chega o capitão Alex, impondo a disciplina entre seus homens. Essa cena serve para que nos acostumemos ao nível das atuações do filme. Todos os atores são muito amadores e parecem ter apenas duas modalidades de atuação: ou estão muito travados em cena ou atuam de forma exagerada, fazendo caras e bocas e agitando os braços o tempo todo. Pelo menos, nas cenas de luta as coreografias parecem ser bastante decentes. Nada muito elaborado, mas pelo menos não causa vergonha alheia. Mais uma vez se sobressai a narração, que dá um toque de humor pastelão a tudo que vemos na tela.

Após a cena do bar, o filme avança para nos mostrar a “Operação Cortar as Bolas do Tigre”, a operação militar com o nome mais fantástico de todos os tempos. O Capitão Alex e seus soldados se movem em meio a selva para montar uma emboscada para Richard. Somos brindados com cenas de atores vestidos com roupas camufladas, usando apetrechos inexplicáveis como máscaras contra gás ou lanternas de mineração (totalmente inúteis, pois as cenas se passam em plena luz do dia) e portando armas feitas com pedaços de madeira e canos de PVC pintados de preto. A precariedade da produção é óbvia, mas a boa vontade dos atores é total e eles não se furtam de se arrastar na lama ou fazer caras e bocas para a câmera.


Antes de prosseguir, é importante fazer um adendo: é totalmente impossível levar o filme a sério em momento algum. Além de todos os absurdos que aparecem na tela, os comentários irônicos do narrador tornam tudo hilariante. Eu juro que tentei assistir ao filme como se fosse uma obra de ação séria, mas logo nos primeiros 2 minutos temos uma cena em que os soldados do Capitão Alex são levados até um lugar onde poderão montar sua base, mas descobrem que o lugar é um verdadeiro chiqueiro. Basta dizer que a maior parte do terreno está inundada e o restante é um lodaçal. Enquanto os personagens discutem seriamente se devem ficar ali ou não, o narrador dispara essa frase memorável: “Não. Não. Eu gostei. É a Pérola da África!” Foi impossível segurar o riso. A partir daí, resolvi encarar o filme como uma comédia com cenas de ação.

Logo, a operação se transforma em um tiroteio implacável entre os soldados e os criminosos da Tiger Mafia dentro de uma fábrica abandonada, onde ocorrem muitas mortes em ambos os bandos. E é aqui que começam a brilhar os incríveis efeitos especiais desse filme. Os tiros, o sangue que sai das vítimas ao receber os disparos, os fragmentos das paredes onde as balas impactam, as explosões e até a fumaça e o fogo que resulta dessas explosões, é acrescentado em tela com GIFs digitais animados de péssima qualidade, inseridos de uma maneira muito pouco elegante. Mas, tudo isso apenas acrescenta mais um elemento divertidíssimo para essa obra prima.


Como resultado da “Operação Cortar as Bolas do Tigre”, o Capitão Alex consegue capturar o irmão de Richard, Martin (Kakooza Farouq). Essa notícia enfurece o líder mafioso, que jura vingança contra o capitão. Entretanto, antes de partir para a sua vingança, o mafioso resolve dar uma lição em seus subordinados que não conseguiram proteger seu irmão. Para mostrar como é malvado e reforçar sua autoridade, Richard executa sua mulher na frente de seus capangas e espanca alguns deles, fazendo com que os outros fujam de medo.

O plano de vingança de Richard consiste em enviar uma de suas capangas, chama Vicky (Babirye Ssekweyama), para seduzir o Capitão Alex e deixá-lo vulnerável a um ataque. Vicky consegue fazer o capitão cair em seus encantos e, em uma certa noite, faz uma visita a tenda de Alex em seu acampamento militar. Seu plano é embebedá-lo e depois sequestrá-lo, para que Richard possa trocar o Capitão Alex por seu irmão. Porém, algo dá errado. Enquanto o Capitão Alex vai tomar um banho, os capangas de Richard tomam de surpresa os soldados que estavam de vigia no acampamento. De repente, ouve-se uma rajada de disparos e Alex grita. Vicky e os capangas de Richard fogem. O Capitão Alex está morto.

Surge então o irmão do Capitão Alex, chamado Bruce U (Bukenya Charles), em uma clara referência a Bruce Lee, a lenda das artes marciais. Bruce U é um monge shaolin ugandense (!!!), que o narrador informa que estudou no Templo Shaolin de Uganda (!!!!!!!). Bruce U jura usar todas as suas habilidades no kung fu para descobrir o assassino de seu irmão e vingar sua morte. E se você acha que já viu atuações ruins nesse filme até agora, prepare-se, pois Bukenya Charles é o pior ator desse filme,  e parece incapaz de demonstrar qualquer emoção.

Bruce U

Bruce U vai até o “Templo Shaolin de Uganda” (que parece muito com uma fábrica abandonada) buscar a ajuda de seu mestre (Ssebanja Ivan) para poder realizar sua vingança. Porém, o mestre (que o narrador chama de “mestre gorducho”, sinalizando seu físico um pouco rechonchudo) se nega a ajudar e recorda a Bruce U que as artes marciais não devem ser usadas para a vingança e sim para a legitima defesa. Bruce U parte do templo, desolado e sozinho.

Porém, essa solidão durará pouco. Logo no dia seguinte, enquanto Bruce U está preparando um peixe para assar na fogueira, ele descobre a esposa de Richard, Ritah (Nakyambadde Prossy), que o criminoso havia baleado no inicio do filme. Ela não morreu, mas perdeu a memória. Ritah e Bruce U acabam ficando amigos e os dois unirão forças para poderem se vingar.

Pode-se dizer qualquer coisa negativa sobre Who Killed Captain Alex?, menos que se trata de um filme lento. Na verdade, o filme se assemelha a um trem desgovernado de cenas de ação e comédia misturadas, recheado de tiroteios absurdos, lutas em câmera rápida, mortes sangrentas, explosões digitais e GIFs animados, tudo coroado pelos gritos de “Tiger Mafia”, “Combat” e “Commando” do narrador. Mesmo os diálogos do filme parecem existir apenas para reforçar o quanto os personagens em tela são machos alfa super fortes e com quem não se deve mexer em hipótese alguma.

O helicóptero GIF da Força Aérea de Uganda, um dos memes mais conhecidos desse filme

É impossível relatar aqui todas as cenas hilariantes que existem nesse filme. Se eu tenta-se comentar uma por uma dessas cenas, essa resenha teria umas trezentas páginas. São praticamente uma cena engraçada a cada dois minutos de filme. E a graça das cenas vem de todos os aspectos. Os efeitos especiais são ridículos, as atuações são bizarras, os diálogos são muito idiotas, as cenas de luta são estranhas e as narrações de VJ Emme dão o toque final da comédia. Mesmo em cenas que originalmente não são engraçadas, os comentários de VJ fazem com que o espectador acabe rindo. O narrador chega ao ponto de comentar até mesmo sobre como algumas cenas do filme são absurdas, fazendo uma espécie de quebra da quarta parede que é simplesmente hilariante.

Um exemplo das "armas" do filme. Faltam os recursos, mas sobram criatividade e talento

Feito com um orçamento de apenas 200 dólares, Who Killed Captain Alex? foi editado por Nabwana em alguns computadores montados por ele mesmo com peças descartadas que ele recolheu no lixo. Tudo isso revela o nível de precariedade da produção, mas também expõe a criatividade e a boa vontade de toda a equipe envolvida, que trabalhou praticamente de graça e conseguiu entregar um resultado bastante divertido. Para que se tenha uma ideia do tamanho das dificuldades enfrentadas para produzir cinema em Uganda, é importante contar que, a fim de conseguir obter algum lucro com sua obra, a equipe da Wakaliwood produziu várias cópias do filme em DVD e montou um programa de vendas de porta em porta por toda Kampala. Isso mesmo, eles saiam nas ruas oferecendo o seu filme de porta em porta. Algo bem diferente e muito distante do glamour das clássicas salas de cinema ou dos atuais serviços de streaming.

Com a fama instantânea do filme no mundo todo, a Wakaliwood se tornou muito conhecida e adquiriu uma legião de fãs fiéis. Pouco após a estreia do filme na internet, Nabwana chegou a produzir uma sequência, intitulada Tebaatusasula (algo como “Os Que Foram Ferrados” em dialeto luganda) mas ela acabou se perdendo devido a uma maciça queda de energia na capital ugandense, algo relativamente comum em um país com uma infraestrutura tão precária. Decidido a produzir a sequência, Nabwana criou uma campanha de financiamento coletivo na internet, procurando conseguir 160 dólares para realizar seu objetivo. Essa campanha foi um sucesso e arrecadou mais de 13 mil dólares. A sequência está em produção e se chamará Tebaatusasula: Ebola. Entretanto, ainda não existe uma data para sua estreia.

Se você deseja ver um filme trash de ação raiz, feito no mesmo estilo daqueles produzidos nos bons tempos dos anos 1980, Who Killed Captain Alex? é uma ótima opção. Um filme feito com poucos recursos, mas que consegue divertir como poucos.

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