Who Killed Captain Alex? (2010)
Nessa resenha vamos falar de uma daquelas
pérolas raras do cinema de baixo orçamento que regularmente surgem na internet
e ganham fama mundial devido ao seu nível épico de ruindade. No caso desse
filme, trata-se de uma autêntica pérola negra, criada na Mama África e que
conquistou notoriedade através do YouTube.
Recentemente, o cinema nos países africanos tem ganhado um forte impulso, principalmente na Nigéria, Gana, Quênia, Argélia, África do Sul e Uganda. Existem inclusive festivais de cinema africano, como o Festival Pan-Africana de Cinema e Televisão de Uagadugu, realizado anualmente em Uagadugu, capital de Burquina Fasso. O cinema nigeriano é o que mais cresce atualmente na África, tendo recebido inclusive o nome de Nollywood, em referência à Hollywood, a capital mundial do cinema. Por outro lado, Uganda também têm mostrado um cinema cada vez mais produtivo e recebeu o nome de Ugawood.
Embora a grande maioria do cinema africano seja ainda um negócio bastante informal e precário, feito por pequenas produtoras com pouco orçamento e contando com atores pouco preparados, é possível encontrar boas obras como o drama queniano Rafiki (2018), uma espécie de Romeu e Julieta que discute temas como violência e direitos LGBT, o ótimo drama ganês Azali (2018), sobre uma jovem que é vendida por sua família e que foi o primeiro filme na história de Gana a ser inscrito para o Oscar, o drama/comédia nigeriano Mokalik (2019), sobre um menino que é aprendiz em uma oficina mecânica, o drama nigeriano A Estrada Nunca Percorrida (2015), que narra a viagem de carro de um casal cujo casamento está em crise ou o documentário Sakawa (2018) sobre um grupo de jovens de Gana que aplica golpes pela internet. Esses são apenas alguns exemplos de bons filmes africanos feitos recentemente. Se você se não conhecia o cinema africano e se sentiu interessado a dar uma olhada, eu recomendo que você se proporcione esse prazer e descubra que o continente africano também pode produzir belas obras da sétima arte.
Porém, aqui nós não vamos tratar de nenhum
desses filmes africanos de qualidade. Esse é um blog dedicado aos filmes trash
e, portanto, vamos tratar sobre um legítimo filme trash africano. Porque sim, a
África também produz seus próprios filmes trash.
Who Killed Captain Alex? (Quem Matou o Capitão Alex, em uma tradução direta) é um filme ugandense que foi dirigido, filmado, editado e roteirizado por Nabwana IGG, pseudônimo de Isaac Godfrey Geoffrey Nabwana, o fundador da Wakaliwood, também conhecida como Ramon Film Productions, uma produtora de filmes com sede em Kampala, capital de Uganda. Conhecido como o “Tarantino” de Uganda, Nabwana costuma realizar suas obras tendo como base a favela de Wakaliga, na periferia de Kampala. Do nome dessa favela vêm a inspiração para o nome da produtora: Wakaliwood.
Durante sua infância, Nabwana desenvolveu uma ligação muito forte com o cinema, principalmente com os filmes de ação e guerra produzidos pelo cinema americano e cresceu desejando produzir seus próprios longas-metragens. Finalmente, em 2005, após fazer um curso de edição de vídeos e após assistir a alguns tutoriais de internet sobre cinema, Nabwana resolveu fundar sua própria produtora e se aventurar de vez no mundo do cinema. Com muita criatividade e a ajuda de amigos que compartilhavam seu desejo de trabalhar com a sétima arte, Nabwana começou seus trabalhos, sempre contando com pouco orçamento, mas muita boa vontade. Atualmente, ele afirma já ter produzido cerca de 44 longas-metragens, além de vários curtas e videoclipes.
Em
2010, um trailer de Who Killed Captain Alex? foi lançado no canal da
Wakaliwood no Youtube e logo se tornou viral, atingindo rapidamente a marca de
mais de 5 milhões de visualizações. Essa fama repentina se deve principalmente
devido ao baixíssimo nível dos efeitos especiais e ao monte de cenas de ação
absurdas que apareciam no trailer. Rapidamente, milhares de pessoas no mundo
todo estavam esperando ansiosas para ver o filme completo. Porém, a versão
original da obra acabou se perdendo devido a problemas técnicos e durante cinco
anos os “fãs” tiveram que esperar até que Nabwana conseguiu montar uma nova
versão, que foi lançada em março de 2015. Essa nova versão contava com uma
narração (feita por um tal VJ Emmie) que faz comentários sobre as cenas e
dispara piadas sobre os personagens em tela, algo que não existia na versão
original. Na minha opinião, o acréscimo dessa narração deixou o filme ainda
mais divertido. É importante deixar claro que o uso desse tipo de narração cômica
nos filmes é bastante comum no cinema ugandense, onde os narradores são
conhecidos como “Video Jokers” (piadistas de vídeo). O uso desses narradores,
principalmente nas sessões de cinema, é bastante importante em um país que tem
duas línguas oficiais (inglês e suaíli) e quarenta e três dialetos nativos
reconhecidos. Esses narradores fazem a tradução dos diálogos e narram as cenas
dos filmes para a língua da maioria da plateia, permitindo que se entenda
melhor um filme produzido em algum dialeto diferente daquele do espectador. No
caso de Who Killed Captain Alex?, o filme foi produzido tendo como base
o dialeto luganda, uma língua de origem bantu, falado por cerca de oito milhões
de ugandenses e, posteriormente, legendado e narrado em inglês.
O filme começa nos apresentando ao Capitão Alex (Kakule Willian), que parece estar dando uma entrevista coletiva para relatar seus planos para acabar com a Tiger Mafia, um grupo criminoso muito violento que vem trazendo terror e morte para as casas do pacífico povo de Uganda. Enquanto a entrevista acontece na tela, o narrador nos informa que o Capitão Alex é o melhor soldado da Força de Defesa do Povo de Uganda, o exército desse país, e que somente ele pode dar um fim às máfias.
O Capitão Alex e seus soldados montam um plano para capturar Richard (Sserunya Ernest), o líder da Tiger Mafia. Porém, antes da operação os soldados vão relaxar em um bar local, onde bebem e ouvem música. Não demora muito para que um soldado bêbado dê início a uma briga, quando este tenta seduzir a cantora do bar, que é imediatamente defendida por seu marido. Começa uma luta encarniçada no bar, que só é interrompida quando chega o capitão Alex, impondo a disciplina entre seus homens. Essa cena serve para que nos acostumemos ao nível das atuações do filme. Todos os atores são muito amadores e parecem ter apenas duas modalidades de atuação: ou estão muito travados em cena ou atuam de forma exagerada, fazendo caras e bocas e agitando os braços o tempo todo. Pelo menos, nas cenas de luta as coreografias parecem ser bastante decentes. Nada muito elaborado, mas pelo menos não causa vergonha alheia. Mais uma vez se sobressai a narração, que dá um toque de humor pastelão a tudo que vemos na tela.
Após a cena do bar, o filme avança para nos mostrar a “Operação Cortar as Bolas do Tigre”, a operação militar com o nome mais fantástico de todos os tempos. O Capitão Alex e seus soldados se movem em meio a selva para montar uma emboscada para Richard. Somos brindados com cenas de atores vestidos com roupas camufladas, usando apetrechos inexplicáveis como máscaras contra gás ou lanternas de mineração (totalmente inúteis, pois as cenas se passam em plena luz do dia) e portando armas feitas com pedaços de madeira e canos de PVC pintados de preto. A precariedade da produção é óbvia, mas a boa vontade dos atores é total e eles não se furtam de se arrastar na lama ou fazer caras e bocas para a câmera.
Antes de prosseguir, é importante fazer um adendo: é totalmente impossível levar o filme a sério em momento algum. Além de todos os absurdos que aparecem na tela, os comentários irônicos do narrador tornam tudo hilariante. Eu juro que tentei assistir ao filme como se fosse uma obra de ação séria, mas logo nos primeiros 2 minutos temos uma cena em que os soldados do Capitão Alex são levados até um lugar onde poderão montar sua base, mas descobrem que o lugar é um verdadeiro chiqueiro. Basta dizer que a maior parte do terreno está inundada e o restante é um lodaçal. Enquanto os personagens discutem seriamente se devem ficar ali ou não, o narrador dispara essa frase memorável: “Não. Não. Eu gostei. É a Pérola da África!” Foi impossível segurar o riso. A partir daí, resolvi encarar o filme como uma comédia com cenas de ação.
Logo, a operação se transforma em um tiroteio implacável entre os soldados e os criminosos da Tiger Mafia dentro de uma fábrica abandonada, onde ocorrem muitas mortes em ambos os bandos. E é aqui que começam a brilhar os incríveis efeitos especiais desse filme. Os tiros, o sangue que sai das vítimas ao receber os disparos, os fragmentos das paredes onde as balas impactam, as explosões e até a fumaça e o fogo que resulta dessas explosões, é acrescentado em tela com GIFs digitais animados de péssima qualidade, inseridos de uma maneira muito pouco elegante. Mas, tudo isso apenas acrescenta mais um elemento divertidíssimo para essa obra prima.
Como resultado da “Operação Cortar as Bolas do Tigre”, o Capitão Alex consegue capturar o irmão de Richard, Martin (Kakooza Farouq). Essa notícia enfurece o líder mafioso, que jura vingança contra o capitão. Entretanto, antes de partir para a sua vingança, o mafioso resolve dar uma lição em seus subordinados que não conseguiram proteger seu irmão. Para mostrar como é malvado e reforçar sua autoridade, Richard executa sua mulher na frente de seus capangas e espanca alguns deles, fazendo com que os outros fujam de medo.
O plano de vingança de Richard consiste em
enviar uma de suas capangas, chama Vicky (Babirye Ssekweyama), para seduzir o
Capitão Alex e deixá-lo vulnerável a um ataque. Vicky consegue fazer o capitão
cair em seus encantos e, em uma certa noite, faz uma visita a tenda de Alex em
seu acampamento militar. Seu plano é embebedá-lo e depois sequestrá-lo, para
que Richard possa trocar o Capitão Alex por seu irmão. Porém, algo dá errado. Enquanto
o Capitão Alex vai tomar um banho, os capangas de Richard tomam de surpresa os
soldados que estavam de vigia no acampamento. De repente, ouve-se uma rajada de
disparos e Alex grita. Vicky e os capangas de Richard fogem. O Capitão Alex
está morto.
Surge então o irmão do Capitão Alex, chamado Bruce U (Bukenya Charles), em uma clara referência a Bruce Lee, a lenda das artes marciais. Bruce U é um monge shaolin ugandense (!!!), que o narrador informa que estudou no Templo Shaolin de Uganda (!!!!!!!). Bruce U jura usar todas as suas habilidades no kung fu para descobrir o assassino de seu irmão e vingar sua morte. E se você acha que já viu atuações ruins nesse filme até agora, prepare-se, pois Bukenya Charles é o pior ator desse filme, e parece incapaz de demonstrar qualquer emoção.
Bruce U vai até o “Templo Shaolin de Uganda”
(que parece muito com uma fábrica abandonada) buscar a ajuda de seu mestre
(Ssebanja Ivan) para poder realizar sua vingança. Porém, o mestre (que o
narrador chama de “mestre gorducho”, sinalizando seu físico um pouco rechonchudo)
se nega a ajudar e recorda a Bruce U que as artes marciais não devem ser usadas
para a vingança e sim para a legitima defesa. Bruce U parte do templo, desolado
e sozinho.
Porém, essa solidão durará pouco. Logo no dia
seguinte, enquanto Bruce U está preparando um peixe para assar na fogueira, ele
descobre a esposa de Richard, Ritah (Nakyambadde Prossy), que o criminoso havia
baleado no inicio do filme. Ela não morreu, mas perdeu a memória. Ritah e Bruce
U acabam ficando amigos e os dois unirão forças para poderem se vingar.
Pode-se dizer qualquer coisa negativa sobre Who Killed Captain Alex?, menos que se trata de um filme lento. Na verdade, o filme se assemelha a um trem desgovernado de cenas de ação e comédia misturadas, recheado de tiroteios absurdos, lutas em câmera rápida, mortes sangrentas, explosões digitais e GIFs animados, tudo coroado pelos gritos de “Tiger Mafia”, “Combat” e “Commando” do narrador. Mesmo os diálogos do filme parecem existir apenas para reforçar o quanto os personagens em tela são machos alfa super fortes e com quem não se deve mexer em hipótese alguma.
É impossível relatar aqui todas as cenas hilariantes que existem nesse filme. Se eu tenta-se comentar uma por uma dessas cenas, essa resenha teria umas trezentas páginas. São praticamente uma cena engraçada a cada dois minutos de filme. E a graça das cenas vem de todos os aspectos. Os efeitos especiais são ridículos, as atuações são bizarras, os diálogos são muito idiotas, as cenas de luta são estranhas e as narrações de VJ Emme dão o toque final da comédia. Mesmo em cenas que originalmente não são engraçadas, os comentários de VJ fazem com que o espectador acabe rindo. O narrador chega ao ponto de comentar até mesmo sobre como algumas cenas do filme são absurdas, fazendo uma espécie de quebra da quarta parede que é simplesmente hilariante.
Feito com um orçamento de apenas 200 dólares, Who Killed Captain Alex? foi editado por Nabwana em alguns computadores montados por ele mesmo com peças descartadas que ele recolheu no lixo. Tudo isso revela o nível de precariedade da produção, mas também expõe a criatividade e a boa vontade de toda a equipe envolvida, que trabalhou praticamente de graça e conseguiu entregar um resultado bastante divertido. Para que se tenha uma ideia do tamanho das dificuldades enfrentadas para produzir cinema em Uganda, é importante contar que, a fim de conseguir obter algum lucro com sua obra, a equipe da Wakaliwood produziu várias cópias do filme em DVD e montou um programa de vendas de porta em porta por toda Kampala. Isso mesmo, eles saiam nas ruas oferecendo o seu filme de porta em porta. Algo bem diferente e muito distante do glamour das clássicas salas de cinema ou dos atuais serviços de streaming.
Com a fama instantânea do filme no mundo todo, a Wakaliwood se tornou muito conhecida e adquiriu uma legião de fãs fiéis. Pouco após a estreia do filme na internet, Nabwana chegou a produzir uma sequência, intitulada Tebaatusasula (algo como “Os Que Foram Ferrados” em dialeto luganda) mas ela acabou se perdendo devido a uma maciça queda de energia na capital ugandense, algo relativamente comum em um país com uma infraestrutura tão precária. Decidido a produzir a sequência, Nabwana criou uma campanha de financiamento coletivo na internet, procurando conseguir 160 dólares para realizar seu objetivo. Essa campanha foi um sucesso e arrecadou mais de 13 mil dólares. A sequência está em produção e se chamará Tebaatusasula: Ebola. Entretanto, ainda não existe uma data para sua estreia.
Se você deseja ver um filme trash de ação raiz,
feito no mesmo estilo daqueles produzidos nos bons tempos dos anos 1980, Who
Killed Captain Alex? é uma ótima opção. Um filme feito com poucos recursos,
mas que consegue divertir como poucos.
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