sexta-feira, 19 de junho de 2020

Basket Case


Basket Case- 1982

- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
Mas, afinal, o que raios há dentro desse maldito cesto?
Essa pergunta vai atormentar todos aqueles que resolverem assistir a Basket Case, obra-prima do cinema trash dirigida pela lenda Frank Henenlotter, responsável por algumas das maiores podreiras que o cinema mundial já produziu, como “Frankenhooker" (1990), “Brain Damage” (1988) e “Bad Biology” (2008).
Basket Case apresenta a jornada de Duane Bradley (Kevin Van Hentenryck), um jovem que anda pelas ruas de Nova York transportando uma cesta de vime trancada com
um cadeado. O jovem protagonista não se separa de sua cesta em nenhum momento, levando o objeto em todo lugar em que vai, seja andando na rua, dentro do cinema, em um consultório médico e até em uma boate. Essa relação de apego do rapaz com a cesta faz com que todos que conhecem Duane acabem fazendo a famosa pergunta: “- O que há dentro do cesto?” A cada um que lhe faz essa pergunta, o jovem Duane oferece uma resposta diferente ou simplesmente não oferece resposta nenhuma, de modo a ocultar o conteúdo misterioso de sua cesta de estimação.

Pois, acredite se quiser, dentro da cesta está preso o irmão de Duane, que atende
pelo simpático nome de Belial (nome de um demônio da antiga mitologia cananita). Acontece que Duane e Belial nasceram como gêmeos siameses. Porém, enquanto Duane nasceu com um corpo praticamente normal, o pobre Belial não teve a mesma sorte, nascendo totalmente deformado e grudado na lateral do corpo de seu irmão. Como a mãe dos garotos acabou falecendo devido as complicações do parto, os irmãos foram praticamente abandonados pelo pai (um homem totalmente amargurado) e outros membros da família, que os escondiam de todos, como um segredo profano. Os pobres garotos eram odiados pelos parentes e considerados uma vergonha para toda a família. A única que demonstrou carinho e afeto pelos meninos foi a irmã de sua mãe, que se ofereceu para cuidar deles.

Aliás, uma dúvida me atormenta desde que vi esse filme pela primeira vez: Que espécie de pai batiza um filho com o nome de Belial? Não basta que o pobre garoto já tenha um aspecto monstruoso, é necessário lhe dar um nome diabólico? É como se eu tivesse um filho e resolvesse dar para ele um nome como Caim ou Judas. Mesmo que seja um garoto fisicamente normal, esse nome vai persegui-lo por toda a vida. Não pode dar coisa boa.
Com parentes tão atenciosos assim, não é surpreendente o que aconteceu a seguir. Quando os garotos atingem 12 anos de idade, o pai dos garotos (que nunca gostou de Belial e até queria matar o filho deformado) resolve que os irmãos devem ser separados, de modo a garantir que ao menos o filho Duane tenha uma vida normal. Um grupo de médicos
com pouquíssima noção de ética profissional- formado pelo Dr.Lifflander (Bill Freeman), o Dr. Needleman (Lloyd Pace) e a Dra. Kutter (Diana Browne)- é contratado para realizar a operação. A cirurgia de separação é realizada de forma totalmente improvisada em uma sala de jantar, com os irmãos sendo trazidos à força e sem qualquer procedimento jurídico aceitável. A experiência da separação forçada se revela extremamente traumática para ambos os irmãos, que parecem compartilhar uma espécie de ligação mental.

Após a separação, Belial é jogado no lixo e Duane é levado para morar com seu pai. Porém, devido a sua ligação, Duane passa a ouvir mentalmente as súplicas e chamados de seu irmão deformado e vai ao seu resgate. Novamente reunidos, os irmãos resolvem se vingar de seu amoroso pai e conseguem apanhá-lo em uma armadilha que corta o homem ao meio.
Eu confesso que a morte do papai Bradley foi a morte que mais me agradou em todo o filme. Embora apareça durante menos de cinco minutos, esse personagem é tão incrivelmente irritante e repulsivo que a sua morte é realmente muito satisfatória e relaxante.

Após dar um fim à existência de seu amargurado progenitor, os irmãos voltam a ser cuidados por sua bondosa tia, que tenta fazer o melhor por eles, tratando ambos os garotos com amor e carinho. Porém, esse tempo de felicidade não dura para sempre e sua tia acaba falecendo após alguns anos.
Com a morte de sua tia, os irmãos resolvem voltar a sua trilha de vingança, decididos a caçar e eliminar os médicos que estiveram envolvidos na cirurgia que os separou. Nessa jornada de vingança sangrenta, os dois irmãos vão parar na famosa Times
Square, que nos anos 80 estava em franca decadência, tomada por prostitutas e traficantes de drogas. Nesse local pouco seguro, Duane resolve se hospedar no Hotel Broslin, uma pocilga da pior qualidade, um verdadeiro chiqueiro caindo aos pedaços e habitado pelos tipos mais estranhos. A cena em que Duane chega no hotel para se hospedar é memorável pela sua ruindade, com todos os atores envolvidos atuando de maneira extremamente exagerada, principalmente o gerente do hotel, que tem a cara de pau de dizer que seu estabelecimento é um “local respeitável”. Enquanto o gerente diz essa grande bobagem, é possível ver que a parede da recepção atrás dele está cheia de fotos pornográficas. Realmente, um lugar muito respeitável.

Logo após essa cena na recepção, somos brindados com outra atuação “formidável”. Ao subir as escadas para seu quarto, Duane é abordado por outra hóspede, uma mulher que claramente não bate bem da cabeça. A hóspede começa a lhe contar sobre a antiga moradora do quarto que Duane alugou, uma senhora idosa que dizia ser milionária e que, um belo dia, surgiu coberta de jóias e partiu, dizendo que iria viajar pelo mundo. Além de a estória ser totalmente absurda, ela acaba subitamente e a hóspede vai embora, sem nem ao menos se despedir, deixando Duane atônito. Ao longo do filme, outros moradores desse hotel cinco estrelas serão apresentados, como um velho hóspede ladrão que tenta roubar o dinheiro dos irmãos Bradley e é morto por Belial e a prostituta Casey (Beverly Bonner), que parece ser uma grande fã do Smiley (aquela carinha amarela sorridente e que foi um dos ancestrais dos emojis atuais) e tem o azar de se tornar alvo dos desejos amorosos de Belial.



Confortavelmente instalados na pequena espelunca, os irmãos Bradley começam a tramar sua vingança. Enquanto Duane busca localizar os médicos com o auxílio de uma lista telefônica e alguns arquivos roubados de sua primeira vítima (o Dr. Lifflander, morto na primeira cena do filme), Belial é o responsável por dar um fim aos alvos, pois o pobre irmão deformado é dotado de uma grande força física (capaz até de arrancar portas trancadas, rasgar carne humana como papel e erguer um ser humano com uma mão só) e uma incrível agilidade (podendo escalar por vários andares de um prédio), além de dentes afiados e unhas similares a garras. 

Mas a relação entre os irmãos é abalada quando Duane começa a se apaixonar por Sharon, a jovem secretária do Dr. Needleman, um dos alvos da vingança dos irmãos Bradley. Devido a sua ligação mental com seu irmão, Belial consegue captar os sentimentos de Duane pela moça e fica furioso de ciúmes.

Lançado no começo dos anos 80, Basket Case se aproveitou do fenômeno do VHS e das famosas sessões da meia-noite, promovidas em vários cinemas das principais cidades dos Estados Unidos e logo se tornou um verdadeiro clássico cult. Por outro lado, a crítica especializada foi, surpreendentemente, bastante generosa com a obra e a classificou como um filme divertido e interessante. Ao longo dos anos o filme ganhou uma verdadeira legião de fãs, que até hoje mantém viva a memória dessa obra-prima da tosqueira.

Basket Case foi o primeiro filme do diretor Frank Henenlotter no gênero de terror exploitation e se transformou em sua obra-prima. Originalmente, o diretor (que também escreveu o roteiro) apenas queria fazer um filme em que pudesse colocar suas ideias em prática e não precisasse se preocupar com o resultado final. O sucesso do filme e os inúmeros fãs que a obra conseguiu reunir pegaram Henenlotter totalmente de surpresa, pois ele acreditava que seu filme não era o tipo de cinema que o público estava acostumado a ver e gostar. Nos anos seguintes, Henenlotter se tornaria um dos principais nomes do cinema trash, sempre mantendo o mesmo estilo em suas obras: filmes de baixo orçamento, com roteiros nonsense e elenco pouco experiente.

Como todo filme trash raiz, Basket Case foi feito com um orçamento ridículo, de cerca de 35.000 dólares, um valor praticamente irrisório para o cinema norte-americano. O próprio Frank Henenlotter contou em entrevistas que o maço de dinheiro que o personagem Duane carregava durante o filme era, na verdade, todo o dinheiro do orçamento da obra. Grande parte da produção foi feita na base do improviso, de modo a economizar nos custos. Por exemplo, a maior parte dos efeitos sonoros foram produzidos pelo diretor Henenlotter e o produtor Edgar Ievins de forma improvisada e acrescentados na pós-produção.
Frank Henenlotter em 1982
Frank Henenlotter atualmente

A falta de recursos é visível principalmente no visual do pobre Belial. Um monstrengo
feito de borracha, que mais parece um monte de plástico derretido e que se move em um stop motion de quinta categoria. Inicialmente o diretor Henenlotter tentou manter sua criatura um pouco mais oculta, filmando apenas partes do monstro, como as mãos atacando uma vítima ou segurando um objeto ou apenas o cesto se mexendo quando Duane alimenta seu irmão, em um estilo similar ao que Don Manchini usaria em 1988 em seu famoso filme “Child’s Play” (conhecido no Brasil como “Chucky, O Boneco Assassino”), mostrando apenas closes e cenas com visão em primeira pessoa, de modo a manter o suspense. Mas, chega um momento em que parece que Henenlotter se cansou de todo esse suspense e resolveu mostrar sua criação em toda a sua glória. A partir daí somos brindados com alguns dos efeitos especiais mais mal feitos que se pode encontrar em um filme. A cena em que o monstrinho, em um ataque de ciúmes, destrói o quarto do hotel em que ele e seu irmão estão hospedados é quase um clássico da ruindade. O movimento de stop motion nessa cena é tão mal feito que fica realmente impossível levar o filme a sério.

Outros exemplos da falta de dinheiro na produção do filme é a “cicatriz” da cirurgia de separação, que Duane apresenta para o Dr. Needleman em certo momento do filme e que é obviamente uma simples sobreposição de imagens feita com pouquíssimo cuidado. Do mesmo modo, os créditos mostrados ao final do filme são uma grande mentira. Com sua imperturbável cara de pau, Henenlotter resolveu inventar vários nomes e funções para fazer com que o público pensasse que a equipe responsável pelo filme era muito mais grande do que realmente era. Mais uma grande jogada desse verdadeiro mito do trash.

Em relação ao roteiro, uma coisa é certa: dizer que ele é absurdo é elogiá-lo em demasia. As situações nonsense, os diálogos absurdos e os inúmeros furos no argumento falam por si. Desde o fato de que Belial consegue se mover em alta velocidade e ter uma força física monstruosa, mesmo sendo apenas uma cabeça com dois braços deformados, passando pelo fato de que a pequena criatura come quantidades absurdas de carne sem que seja explicado, em nenhum momento sequer, como funciona seu sistema digestivo e para onde vai tanta comida e culminando na estranha capacidade telepática dos irmãos, que conseguem conversar mentalmente e transmitir emoções, não importa a distância, tudo soa extremamente absurdo. 

A direção coroa a bizarrice com movimentos de câmera que não fazem sentido, closes desnecessários, ângulos de filmagem que não valorizam os personagens e os cenários. Em algumas cenas, é praticamente impossível entender em que lugar os personagens estão e qual sua posição em relação ao cenário. A montagem, que também foi feita por Frank Henenlotter, é outra loucura, deixando vários furos entre as cenas, parecendo que foi feita na base do salve-se quem puder. Além disso, o filme foi originalmente filmado em 16mm (ao invés dos 35mm que são padrão para produções cinematográficas) e depois de pronto, foi ampliado para o tamanho padrão. Essa técnica reduziu a qualidade das cenas e deixou toda a obra com um aspecto de filme caseiro.

Por outro lado, os atores são um verdadeiro capítulo à parte. Cada atuação do filme é extremamente forçada e hilariante, deixando óbvio que todos aqueles que atuaram nessa obra tinham pouco ou nenhum conhecimento de artes cênicas. O que se vê na tela é um festival de expressões duras e travadas, olhos arregalados, sorrisos forçados e falas bem pouco naturais, mostrando que os atores decoraram o texto, mas não sabiam como transmitir nenhuma emoção verdadeira em seus diálogos. Diálogos estes que são, em sua maioria, ridículos ao extremo.

Todos os atores são muito ruins e amadores, mas a atriz Terri Susan Smith, que interpreta a loira Sharon, é a maior de todas. A moça passa o filme todo soltando frases bobas e engraçadinhas, arreganhando os dentes em sorrisos forçados e fazendo caras e bocas em todas as suas atuações. Além disso, a atriz usa uma peruca em todas as cenas, pois estava careca na época das filmagens. Como a peruca é muito grande para sua cabeça, em diversas cenas o cabelo da personagem se move de forma diferente ao do restante de seu corpo, acrescentando outro elemento esdrúxulo a sua figura. Na minha opinião, Sharon é a melhor personagem do filme, simplesmente por ser a mais engraçada. Sempre que ela entra em cena e começa a falar, o riso é garantido.

Porém, todos esses defeitos não significam que não existem boas sequências ao longo do filme. Por exemplo, o longo flashback que conta toda a história sobre a origem dos irmãos Bradley e sua traumática cirurgia de separação é uma das cenas mais bem feitas do filme, com atuações até aceitáveis, uma fotografia bem melhorada, além de um trabalho de cenografia bastante decente.
O próprio título do filme é uma pequena brincadeira e traz um duplo sentido, pois basket case pode ser traduzido como cesto ou caixa, mas é também uma expressão em inglês que pode significar “caso perdido” e é comumente usada para se referir a um indivíduo extremamente nervoso ou ansioso e que perde a paciência facilmente, numa clara referência ao infeliz Belial.  A ideia desse título foi elaborada por Frank Henenlotter depois que ele teve a ideia de um filme sobre um monstro vivendo dentro de uma cesta.

Com todos os seus elementos toscos, Basket Case se transformou em uma obra-prima trash de respeito e, com o tempo, adquiriu status de filme cult, conquistando inúmeros fãs ao longo do mundo e mantendo uma grande popularidade junto ao público que ama obras cinematográficas do gênero trash. Toda essa popularidade garantiria ao filme duas continuações, cada uma mais absurda que a outra, ambas dirigidas pelo mesmo Frank Henenlotter.
Se você tem o gosto refinado de um amante do cinema trash, Basket Case é um filme que você vai apreciar muito. Eu, com certeza, recomendo.

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