quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O Portal

O Portal (1987)

O pequeno Glen (Stephen Dorff) chega em sua casa após um passeio de bicicleta pela vizinhança. Ao entrar na casa, Glen percebe o quanto ela está silenciosa e vazia. O menino chama por seus pais repetidas vezes, mas não é atendido. Aparentemente, ele é a única pessoa na casa. De repente, escurece misteriosamente. Um televisor na sala de estar se liga sem que ninguém toque nele. Assustado, Glen resolve ir até sua casa na árvore, enquanto uma tempestade está se formando nos céus. Ao chegar lá, ele encontra uma daquelas bonecas que dizem “Mamãe” quando você aperta sua barriga. Repentinamente, um raio atinge a árvore, que começa a cair, levando a casa e o menino junto.

Glen desperta em sua cama. Tudo não passou de um pesadelo. Bem, quase tudo, pois ao olhar pela janela o menino vê que a árvore no quintal realmente caiu e está sendo removida por uma equipe de operários. Curioso, Glen vai até o quintal ver os operários trabalhando. Quando eles retiram as raízes da árvore, um estranho objeto redondo cai no chão e se parte. Glen pega os pedaços do objeto e percebe que se trata de um geode (um tipo de formação rochosa com cristais em seu interior).

Fascinado com sua descoberta, Glen chama seu amigo Terry (Louis Tripp) e este o convence que podem existir mais geodes no buraco de onde a árvore foi removida. Interessados em vender as pedras, os meninos começam a escavar o buraco, o que ocasiona um desmoronamento e revela um largo túnel, similar a uma caverna, que parece se estender por vários metros terra adentro. Na beirada do túnel, os meninos encontram um geode ainda mais grande que o anterior e resolvem guardá-lo. Enquanto isso, um grande bando de mariposas sai do buraco no solo, enquanto Glen discute com sua irmã mais velha, Alexandra (Christa Denton) ou Al, como o menino costuma chamá-la. Parece que Glen e Al eram muito próximos anteriormente, mas com o passar do tempo os dois foram se afastando e agora a menina prefere passar seu tempo com Lori (Kelly Rowan) e Linda (Jennifer Irwin), as insuportáveis irmãs Lee.

É aqui que somos apresentados a maior paixão de Glen, a construção e lançamento de modelos de foguetes em miniatura. Parece que a última tentativa de lançamento que Glen realizou saiu muito mal e acabou causando estragos na casa. Por isso, seu pai o proibiu de lançar mais foguetes sem supervisão e escondeu seu maior tesouro, Thunderbolt, um foguete bastante grande e imponente. Enquanto glen se lamenta por isso, seu amigo Terry captura algumas das mariposas que saíram do buraco e as coloca em um frasco.

Mais tarde, somos apresentados aos pais de Glen e Al, os quais irão viajar no final de semana e os irmãos querem convencê-los a deixar que eles fiquem sozinhos, sem babá. Embora relutem um pouco, os pais acabam se convencendo de que Al já é madura o bastante e pode tomar conta sozinha da casa e de seu irmão enquanto seus pais estão fora (no que estão redondamente enganados). Por outro lado, o pai de Glen coloca o menino de castigo, por algum motivo, durante todo o final de semana e obriga o garoto a fechar novamente o buraco que ele e Terry abriram.

Naquela noite, o pai de Glen vai até o quarto do menino apagar as luzes e ambos acabam tendo uma conversa. Parece que Glen está assustado por algum motivo misterioso e conta a seu pai uma estória contada a ele por Terry, de que um operário morreu durante a construção de sua casa e os outros operários esconderam seu corpo nas paredes da casa. O pai de Glen acalma seu filho e diz que Terry está triste por causa da recente morte de sua mãe e por isso inventa essas estórias.

No dia seguinte, os pais estão partindo para sua viagem. A última recomendação deles para seus filhos é: “Nada de festas.”. E obviamente, a primeira coisa que Al faz é dar uma festa para seus amigos em sua casa. Como podemos ver, o de menina madura e responsável era uma mentira deslavada.

Pode viajar tranquila, mamãe. Aqui ninguém vai fazer nada irresponsável e idiota como dar uma festa enquanto vocês estiverem fora ou libertar deuses/demônios malignos de uma prisão dimensional. Não se preocupe.

Enquanto os jovens se divertem na sala, Glen e Terry estão no quarto tentando abrir o geode com um martelo e um cinzel. Depois de algumas tentativas, Glen consegue abrir a rocha, de dentro da qual escapa um gás, enquanto os cristais brilham intensamente, de maneira muito estranha. Além disso, a saída do gás ocasionou que algumas palavras e símbolos se formassem em uma embalagem que estava próxima. Os meninos leem as estranhas palavras: Aka-Tuko-Alla-Neta, mas não parecem muito impressionados. E aqui aparece um dos principais problemas do roteiro: seus personagens presenciam coisas extraordinárias e totalmente impossíveis e não se impressionam com nada, agindo como se estivessem diante de fatos ordinários do dia a dia. Muitas vezes parecem estar até entediados com os fenômenos que presenciam.

Na sala da casa, os jovens festeiros estão contando estórias de fantasmas e assombrações. Então, a típica menina estranha que era personagem obrigatório em filmes dos anos 1980 começa a falar com seus amigos sobre poderes paranormais e poderes de levitação. Logo, eles resolvem tentar fazer um deles levitar com o poder da mente. Obviamente, não conseguem. 

Mas é nesse momento que Glen e Terry tentam escapar de fininho da casa, mas são descobertos e os jovens resolvem usar Glen como cobaia em mais um experimento de levitação. Surpreendentemente, Glen realmente começa a levitar e acaba atingindo o teto. Desesperado, o menino tenta voltar para o chão e acaba destruindo uma lâmpada no processo. Assustado, Glen sai correndo e se esconde em seu quarto. Mais uma vez, nenhum dos presentes parece surpreso com o fato de que o rapaz realmente levitou e seguem com a festa como se nada de mais tivesse acontecido.

Al e Terry vão até o quarto de Glen ver se ele está bem. o menino está envergonhado por ter chorado na frente de todos (mas não está assustado por ter flutuado pela sala de sua casa) e sua irmã e seu amigo tentam consolá-lo contando para ele sobre ocasiões em que eles também foram envergonhados em público. Enfim, o menino sai do quarto, mas quer ligar para seus pais e pedir que voltem. Outra vez, nenhum deles parece estranhar o fato de que Glen ter realmente saído voando pela sala, algo completamente impossível pelas leis da física. Ao que parece, todos os personagens desse filme são idiotas.

Tentando convencer Glen a não chamar seus pais, Al diz que Terry vai dormir com eles essa noite e fazer companhia a Glen. Durante a noite, enquanto Terry vai ao banheiro, Glen vê como várias mariposas se juntam na janela do seu quarto. O menino tenta fechar a cortina, mas essa se abre misteriosamente. Ao mesmo tempo, Terry tem uma visão com sua mãe falecida e, emocionado, a abraça, apenas para ver como ela se transforma em Angus, o cachorro de Glen, que logo cai morto no chão.

No dia seguinte, Glen está muito triste pela perda de Angus e quer chamar seus pais de volta para casa, mas Al insiste que ela pode cuidar de tudo sozinha. Logo, as irmãs Lee chegam a casa, junto com Eric (Sean Fagan), o qual se oferece para dar um destino ao cadáver de Angus. 

Enquanto isso, Terry está em sua casa ouvindo rock e descobre algo inusitado no álbum de sua banda favorita. Aparentemente, junto com o álbum veio um livro de magia que, inexplicavelmente, trata sobre o buraco que se abriu no quintal da casa de Glen e o que realmente está acontecendo aí. Como Terry nunca viu esse livro antes? Não faço ideia. Por que uma banda de rock incluiria um livro de magia em seu álbum? Não faço ideia. Como é possível que esse livro de magia trate especificamente do tipo de problema que Glen e Terry estão enfrentando nesse momento? Não faço ideia. Como podem ver, o roteiro não ajuda muito nesses momentos e é o principal ponto fraco do filme.


O álbum que possui todas as respostas. Se você estiver enfrentando criaturas sobrenaturais, basta recorrer ao álbum de qualquer banda de rock obscura que você encontrará a solução para os seus problemas.

De volta a casa de Glen, as irmãs Lee estão tentando convencer Al a ir na praia com elas. Glen fica irritado com sua irmã e ambos discutem, enquanto Glen insulta as irmãs Lee e Eric. Em certo momento, Glen discute com eles sobre o que aconteceu na noite anterior, principalmente sobre o fato de ele ter levitado, ao que Eric responde que tudo não passou de ilusão. Sim, sim, uma ilusão que fez um menino flutuar até atingir a lâmpada no teto da sala e destruí-la. Como podem ver, todos os personagens nesse filme são realmente idiotas. Como ninguém acredita nele, Glen sai da cozinha e vai para o seu quarto. Por outro lado, Al resolve ir à praia com as irmãs Lee e deixa seu irmão sozinho em casa (afinal, maturidade e responsabilidade acima de tudo).

Sozinho e triste, Glen fica recordando os tempos em que ele e sua irmã eram amigos. O menino pega embaixo de sua cama um presente que Al lhe deu em seu aniversário, um lançador automático para foguetes. Entristecido, Glen vai até o quintal, onde encontra Terry, que conta para ele o que descobriu no livro de magia. Os dois meninos cobrem o buraco (que voltou a se abrir) e vão até a casa de Terry, onde leem o livro de magia e tentam elaborar um plano para se livrar do problema.

Mas qual é exatamente este problema? Parece que o buraco no quintal é na verdade um portal para uma dimensão sombria onde estão aprisionados deuses antigos, que governaram o universo antes do surgimento da luz. Esses deuses obscuros podem ser invocados através de um sacrifício que seja depositado no buraco. Uma vez invocados, os deuses macabros buscarão outros dois sacrifícios e, uma vez obtidos esses sacrifícios, poderão governar novamente o universo e espalhar sua maldade por toda a existência.

Os meninos resolvem utilizar um ritual para selar o buraco (ritual este que aprenderam ouvindo o disco da banda ao contrário!) e aprisionar os deuses/demônios novamente. O que eles não sabem é que o imbecil de Eric, ao não conseguir dar um fim digno ao cadáver de angus, resolveu enterrá-lo exatamente no buraco do quintal. Os deuses das trevas entenderam isso como um sacrifício de invocação e estão prestes a se manifestar em nosso mundo.

Glen e Terry realizam o ritual e tudo parece dar certo. Além disso, Al desistiu de ir à praia voltou para casa. Ela também comprou um foguete de presente para Glen, como sinal de paz. Os dois irmãos e Terry lançam o foguete e por algum tempo tudo é sorrisos e alegrias. O perigo parece ter passado e todos estão contentes.


Porém, naquela noite, enquanto Al e as irmãs Lee estão se divertindo no quarto da garota e Terry e Glen estão dormindo no quarto do garoto, as mariposas atacam a janela do quarto de Glen, fazendo os vidros estourarem e quase acertando o garoto. Desesperado, Glen busca a ajuda de Al, que vai até seu quarto dar uma olhada. Intrigados com o porquê Terry não acordou com todo o alvoroço, Al e Glen tentam despertá-lo. É então que Terry aparece atrás dos irmãos, já desperto e de pé. Ao puxarem as cobertas, descobrem que no lugar de Terry está o cadáver de Angus. A partir desse momento, a situação sai completamente do controle. Mães deformadas saem debaixo da cama de Glen e tentam arrastar Al para baixo, mas a menina é salva por seu irmão e por Terry.

Todos saem do quarto gritando desesperados. As irmãs Lee se unem ao alvoroço e todos tentam fugir pela porta da frente. Porém, são detidos pelo que parecem ser os pais de Glen e Al. Aliviado com a ideia de que seus pais estão aí, Glen corre para abraçar seu pai. Porém, logo ele percebe que algo está errado, pois seu pai começa a estrangula-lo. Em desesperado, Glen aperta o rosto da criatura que parece ser seu pai, do qual começa a escorrer uma substancia viscosa e repulsiva. O menino consegue fugir e todos se trancam na casa.

Impossibilitados de fugir pela porta da frente, eles resolvem fugir pela porta dos fundos. Entretanto, quando Al sai para investigar se a área está livre, ela é atacada por um grupo de pequenas criaturas (animadas por um stop motion muito bem feito) e tem que voltar para a casa. Eles tentam buscar o livro de magia no quarto de Glen, mas o livro pega fogo e é destruído. Então, eles apelam para o plano B e pegam a Bíblia, mesmo com Terry avisando que os deuses que estão no buraco são mais antigos do que a própria Bíblia.

Glen, Al e Terry vão até o buraco tentar selá-lo definitivamente, enquanto as irmãs Lee ficam escondidas na casa. Quando chegam na beirada do buraco, Terry começa a ler alguns versículos bíblicos, mas acaba caindo no buraco. Seguem-se alguns momentos de tensão, com Terry sendo atacado pelas criaturas demoníacas, enquanto Al e Glen tentam resgatá-lo. Finalmente, eles conseguem resgatar Terry e o menino, em um ato de desespero, arremessa a Bíblia dentro do buraco, o que ocasiona uma explosão e, aparentemente, fecha a abertura.

Mais uma vez, tudo parece ter terminado. Al, Glen e Terry comemoram. O mal parece ter sido derrotado de vez. Porém, não será tão fácil vencer os terríveis deuses antigos.

O Portal (no original, “The Gate”) é um filme canadense, dirigido por Tibor Takács e com roteiro de Michael Nankin, claramente inspirado em “Poltergeist- O Fenômeno” (1982), o clássico de Steven Spielberg e Tobe Hooper. No Brasil, como é de costume, o filme receberia vários nomes ao longo dos anos, tais como “O Portal do Inferno”, “Túnel para o Inferno” e “O Portão”.

Tibor Takács
Michael Nankin

Um dos pontos fortes do filme são seus efeitos especiais. As criaturas em stop motion são excelentes, conseguindo convencer o espectador. Outro efeito muito bem utilizado no filme para fazer os movimentos destas criaturas foi o efeito de perspectiva forçada, no qual atores vestidos com trajes de borracha foram filmados em uma posição especial de câmera, de modo a que parecessem muito menores na tela. Da mesma forma, as cenas em que objetos pegam fogo e/ou derretem são de uma maestria inesperada e surpreendente. Tudo mérito da equipe de efeitos especiais comandada por Randall William Cook, que futuramente trabalharia nos efeitos especiais da saga épica de “O Senhor dos Anéis”, trabalho pelo qual receberia três Óscares.

Randal William Cook com o Oscar que ganhou pelos efeitos especiais de "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei" (2003)
Alguns exemplos de como foram realizados alguns dos efeitos do filme, com os atores usando fantasias e os móveis e cenários construidos de maneira a criar a perspectiva forçada.

Os principais pontos fracos do filme são seu roteiro e as suas atuações. O roteiro de Michael Nankin é bastante vago e impreciso, apresentando situações que simplesmente surgem do nada, seguidas por soluções que igualmente surgem do nada. O fato de que os personagens atuem de maneira completamente indiferente diante das situações mais absurdas também é uma falha do roteiro pouco desenvolvido de Nankin. Alguns conceitos interessantes apresentados, como a banda de rock com conhecimentos reais de magia, a origem e a mitologia dos deuses sombrios aprisionados no buraco e a questão do simbolismo das mariposas e dos geodes, poderiam ser mais aprofundados por um roteiro melhor escrito, mas aqui ficam apenas jogados na tela e são pouco trabalhados.

As atuações são todas ruins, mas a pior de todas é a de Stephen Dorff como Glen. Em seu primeiro papel para o cinema, Dorff, que futuramente atuaria em “Blade- O Caçador de Vampiros” (1998), é péssimo. Seu personagem está sempre com a mesma cara, nunca demonstrando emoções reais, nem mesmo em cenas onde deveria parecer assustado ou nervoso. Isso impede que o espectador consiga gerar uma maior empatia pelo personagem, algo ainda mais problemático por se tratar do protagonista. O restante do elenco oscila entre medíocres e regulares. A melhor atuação, na minha opinião, é a de Louis Tripp como Terry. Mesmo não sendo a melhor das interpretações, ao menos fez com que eu sentisse simpatia pelo personagem e torcesse por ele.

Embora não tenha sido um fracasso de bilheteria (custou 6 milhões de dólares e arrecadou 13,5 milhões), o filme foi alvo de muitas críticas, principalmente por ser uma cópia obvia de outras obras cinematográficas melhores. Por outro lado, a boa aceitação do público permitiu filmar uma sequência, “O Portal 2- Eles estão de volta” (1990), e garantiu um status de cult a esse filme, fazendo com que fosse recordado com carinho por vários fãs ao longo dos anos.

Ao fim e ao cabo, O Portal é um filme realmente divertido e interessante e merece ser apreciado pelos fãs tanto dos filmes dos anos 1980, quanto pelos fãs do cinema trash.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Os Predadores da Noite

 Os Predadores da Noite (1980)

A década de 1980 estava começando e dois subgêneros de filmes de terror estavam em seu auge. Por um lado, os filmes de mortos vivos, catapultados principalmente pelo sucesso das obras “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “Despertar dos Mortos” (1978) do mestre George A. Romero. Por outro lado, os filmes do tipo Canibalexploitation alcançariam seu ápice naquele mesmo ano com “Cannibal Holocaust” (1980) de Ruggero Deodato. Na demorou muito para que algum produtor de cinema com pouca vergonha na cara ter a brilhante idéia de fazer um filme de terror unindo estes dois subgêneros.


E assim surgiu o filme ítalo-espanhol “Vírus”, também conhecida como “Hell of The Living Dead”, também conhecida como “Zombie Creeping Flesh”, também conhecida como “Apocalipsis Canibal”. Mas o nome pelo qual seria conhecido no Brasil acabaria sendo Os Predadores da Noite (um nome com pouco sentido, afinal o filme se passa inteiramente de dia).

Uma obra desse calibre, destinada a mesclar dois dos subgêneros de terror mais marcantes dos anos 1970, somente poderia ficar sobre a direção de verdadeiros profissionais na arte do cinema, totalmente qualificados e com grande experiência no ramo. Pois dito e feito. A direção foi entregue a Bruno Mattei (escondido aqui sob o pseudônimo de Vincent Dawn) e o roteiro foi escrito por Claudio Fragasso. Esses dois cineastas italianos são mundialmente conhecidos por suas obras de gosto bastante duvidoso e qualidade mais do que questionável. Para que se tenha uma ideia, Fragasso foi o responsável por dirigir “Troll 2” (1990), considerado um dos piores filmes já feitos e Mattei dirigiu “Shocking Dark”(1989), um filme horrível e que foi vendido por seus produtores, com a maior cara de pau possível, como “Terminator 2”, tentando enganar os fãs de “O Exterminador do Futuro” (1984) que estavam esperando sua seqüência, que só estrearia em 1991. Com um currículo tão formidável, é claro que essa dupla somente poderia produzir uma obra cinematográfica memorável.

Bruno Mattei
Claudio Fragasso

O filme começa em uma central energética na Nova Guiné, onde uma equipe de cientistas parece estar realizando um experimento científico muito importante e também muito perigoso. De repente, surge um problema em uma das seções da central e dois técnicos são enviados para investigar. Um dos técnicos encontra um rato morto e mostra o cadáver do animal para seu colega. Inesperadamente o animal revive a ataca o técnico que o estava segurando, matando o pobre infeliz e causando a liberação de um misterioso gás verde, o que gera o pânico na central. Logo, vários técnicos e cientistas morrem em contato com o gás e revivem como zumbis, atacando seus colegas.

Após a cena na central energética, somos transportados para Barcelona, na Espanha. Um grupo de eco terroristas ocupou a Embaixada dos Estados Unidos da América na cidade e fez seus funcionários de reféns. Eles exigem que as “centrais HOPE” sejam fechadas em todo o mundo e que um manifesto de sua autoria seja transmitido em todos os canais de televisão ou matarão os reféns. Para resolver o problema, uma equipe especial de policiais é chamada para resgatar os reféns e eliminar os terroristas, liderados pelo Tenente Mike London (José Gras). Essa equipe é uma cópia descarada das equipes de militares caçadores de zumbis de “Despertar dos Mortos”, a ponto de vestirem as mesmas roupas azuis. Plágio? Onde?

A equipe especial penetra na embaixada com os métodos menos furtivos possíveis. Um deles inclusive não para de se mover como um chimpanzé bêbado, dando saltinhos e correndo de forma idiota. Para piorar, os demais policiais do lado de fora permitem que as câmeras de televisão filmem os membros da equipe entrando na embaixada, quebrando completamente o sigilo padrão desse tipo de operação. Como se tudo isso já não fosse suficiente, os terroristas exigem uma televisão para poder assistir se suas exigências estão sendo cumpridas e seu manifesto está sendo transmitido. Pois os idiotas dos policiais fornecem a televisão e é através dela que os terroristas descobrem que suas exigências foram totalmente ignoradas e seu manifesto foi censurado. Mas quanta imbecilidade! Se os policiais e o governo não iam atender as exigências dos terroristas, por que entregar para eles uma televisão com a qual poderiam descobrir toda a verdade e assim, colocar em risco a vida dos reféns?

Mas o pior ainda está por vir. Enquanto os policiais do grupo de resgate vão entrando na embaixada, vão matando os terroristas que encontram em seu caminho, terroristas estes que parecem ser tão idiotas quanto os próprios policiais. O pior de todos é o líder dos terroristas, que grita o tempo todo e faz caras e bocas, ameaçando matar os reféns, mas nunca fazendo nada. Os terroristas idiotas esperam até o último minuto para executar os reféns, o que permite que os policiais invadam a sala onde eles estão reunidos e executem os terroristas facilmente. Na minha opinião, já vão tarde! Esses idiotas merecem ser metralhados apenas devido a sua burrice colossal. Quem dera os terroristas da vida real fossem tão imbecis quanto estes.

Antes de morrer, o líder dos terroristas sussurra suas últimas palavras: “Todos nós vamos ter uma morte horrível!”, num prenuncio do que virá a seguir no filme.

Após essa cena em Barcelona, somos transportados de novo a Nova Guiné, onde um casal e um par de jornalistas (uma repórter e seu cinegrafista) estão rodando pelas estradas de terra dailha em busca de atendimento médico para o jovem filho do casal. O menino parece ter sido mordido e não está muito bem. Ao chegarem em uma pequena vila, a mãe da criança e os dois jornalistas saem para investigar e procurar ajuda. E é aí que tudo dá errado. Enquanto a mãe é atacada por um padre zumbi muito mal maquiado, os jornalistas são cercados por mortos vivos ao investigarem uma fonte de água e o menino desperta no carro, totalmente zumbificado, e ataca seu pai violentamente.

Enquanto essa situação se desenrola, descobrimos que a equipe de policiais que realizou o resgate na embaixada foi enviada para a Nova Guiné por algum motivo obscuro. O real motivo para a presença desses soldados/policiais espanhóis nessa ilha no Pacífico nunca é revelado. Em determinado momento durante o início da operação na embaixada, o Tenente Mike diz que após essa missão de resgate eles serão levados para um paraíso tropical, em uma espécie de viagem de férias. Entretanto, em outro momento, quando eles já estão na Nova Guiné, outro membro da equipe diz que eles estão ali para ajudar a controlar a infestação causada pelo vazamento do misterioso gás verde mostrado no princípio do filme. Qualquer que seja o motivo, temos uma tropa de homens armados com fuzis, vestidos com macacões e bonés azuis e que caçam zumbis a mando de um governo. Plágio de “Despertar dos Mortos”? Onde?

Os caçadores de zumbis chegam na pequena vila bem a tempo de salvar os jornalistas das garras dos zumbis. E aqui recebemos um autêntico show de atuação. Por um lado, a atriz que interpreta a repórter Lia Rousseau (Margit Evelyn Newton) mostra todo o seu talento com caras e bocas completamente hilariantes. Da mesma forma, seu cinegrafista Vincent (Selan Karay) dá um espetáculo de atuação ao descobrir o menino zumbi devorando tranquilamente seu pai no carro. Mas nada supera Zantoro (Franco Garofalo), um dos membros da tropa de caçadores de zumbis que não para quieto um minuto, pulando de lá para cá o tempo todo, gritando, dando risadas incômodas e fazendo caras e bocas ridículas. A cena em que ele e seu colega descobrem que não adianta atirar no corpo dos zumbis é simplesmente hilariante, com Zantoro se lamentando de suas tentativas falhas de matar os mortos vivos. Porém, é esse mesmo Zantoro que descobre que a solução para o problema é atirar na cabeça dos cadáveres revividos.

Os defeitos especiais são um capítulo à parte nesse filme. Isso mesmo, esse é um daqueles filmes que não tem efeitos especiais e, sim, defeitos especiais. É surpreendente saber que um dos responsáveis por esses defeitos foi Antonio Balandín, que trabalharia futuramente em filmes como “Conan, O Bárbaro” (1982), “Conan, O Destruidor” (1984) e na primeira adaptação de “Duna”em 1984, onde faria trabalhos bastante decentes em termos de efeitos especiais. Porém, em Os Predadores da Noite o trabalho de Balandín (junto com Giusepe Ferranti, que nunca realizou trabalhos importantes no cinema) foi menos que medíocre. Tudo se resume a fumaças coloridas, muito sangue falso e pedaços de carne jogados sob os corpos das “vítimas”. A maquiagem (a cargo do mesmo Giusepe Ferranti) é outra falha completa, com os zumbis tendo suas caras ridiculamente pintadas de azul ou verde e com pedaços de carne moída toscamente colados no rosto, tentando simular ferimentos.

Após rodar um pouco a esmo pela selva, os soldados e os jornalistas chegam próximos a uma aldeia de nativos, os quais parecem ocupados com alguns de seus rituais. De modo a evitar qualquer problema e garantir a simpatria dos nativos, a repórter Lia resolve entrar na aldeia sozinha e fazer o primeiro contato. Para isso, a repórter cumpre um estrito ritual: tira toda a roupa e pinta algumas linhas de tinta sobre o rosto e o corpo. Assim, totalmente nua e pintada, a mulher entra na aldeia para tratar com os nativos.

E tome um dos maiores clichês dos filmes Canibalexploitation: uma mulher branca com os seios de fora (sempre é importante que a mulher branca esteja com as tetas à mostra, para acrescentar mais “dramatismo” à cena), sendo admirada, e em alguns casos até adorada, por uma tribo indígena sul americana, africana ou caribenha. Esse é um clichê bastante comum nesses filmes e que tem até alguns tons de racismo, com os indígenas sendo mostrados como ignorantes e selvagens deslumbrados pela beleza da mulher branca. Mas não iremos nos aprofundar sobre isso nessa resenha, até por que esse filme não merece nenhum tipo de análise muito profunda.

Tendo conseguido a amizade dos indígenas com o poder das suas tetas, Lia faz com que seus colegas entrem na aldeia. Parece que os nativos estão sofrendo com a praga de zumbis e perderam muitos de seus membros e estão realizando um ritual funerário para homenagear seus entes queridos falecidos. Os soldados e os jornalistas são convidados a ficar na aldeia e participar dos rituais, o qual eles aceitam. Porém, durante a noite os zumbis invadem a aldeia e dão início a uma carnificina generalizada e nossos protagonistas são obrigados a fugir desesperados.

Nessa cena do ataque zumbi a aldeia temos um exemplo dos efeitos especiais do filme. Enquanto um nativo tenta correr, um dos zumbis (que está caído no chão) o segura pela perna e aplica uma violenta mordida, arrancando pedaços ensanguentados de carne da perna do pobre infeliz. A cena é ridícula. É possível ver claramente que o sangue que escorre e os pedaços de carne arrancados são provenientes de um pedaço de carne que o ator que interpreta o zumbi está segurando com a própria mão junto a perna de sua “vitima”, tudo de maneira muito tosca e improvisada.

Enquanto os protagonistas sofrem suas desventuras em meio a sela da Nova Guiné, o filme intercala cenas de reuniões em uma sede da ONU, onde os líderes do mundo fazem o que sabem fazer de melhor: discutem inutilmente as suas ideias estapafúrdias sobre como enfrentar a crise dos mortos vivos na ilha, enquanto o líder da Nova Guiné os acusa de terem destruído seu país. Também somos brindados com cenas no estúdio de televisão onde Lia e Vincent trabalham, estúdio este que inexplicavelmente está recebendo as filmagens feitas pelos jornalistas através do que somente podemos imaginar que ser uma conexão mágica, afinal estamos no princípio dos anos 1980 e as conexões via satélite são muito limitadas (e os jornalistas sequer tem equipamento para fazer estas conexões, contando apenas com uma câmera simples) e a internet é ainda um sonho distante. Essas imagens estão sendo transmitidas para o mundo todo, junto com imagens das tropas da Noiva Guiné tentando controlar a crise e o desespero do povo da ilha diante do ataque dos mortos vivos (na verdade, filmagens de arquivo de festividades e rituais tribais).

Tudo em Os Predadores da Noite é bastante ruim e de segunda categoria. A própria trilha sonora do filme é um exemplo da total falta de vergonha dos produtores e dos senhores Fragasso e Mattei. As músicas que o espectador ouve durante o filme são as mesmas de “Despertador dos Mortos” e foram surrupiadas da banda Goblin, um grupo italiano de rock progressivo que se tornou famoso por fazer as trilhas sonoras de alguns filmes do diretor Dario Argento (considerado o mestre do cinema giallo), inclusive de sua obra mais conhecida, “Suspiria” (1977) e a trilha sonora dessa obra de George A. Romero.

Banda Goblin

Dario Argento

Outro ponto do filme é a introdução mal feita de filmagens de arquivo mostrando animais (muitas vezes de animais que nem sequer existem na Nova Guiné) e filmagens de um documentário sensacionalista (um dos repulsivos shockumentaries dos anos 1960 e 1970) chamado “Nova Guiné, Ilha dos Canibais” (1974) mostrando as tribos da Nova Guiné e alguns de seus rituais e costumes funerários. Essas filmagens são de muito baixa qualidade, com imagem bastante granulada, inclusive com uma qualidade inferior à do próprio filme, o que causa uma sensação de estranheza e destoa do restante da obra.A ideia era fazer parecer que realmente o filme foi rodado na Nova Guiné (tendo em vista que o filme foi rodado na Espanha), mas não funcionou e somente aumentou o clima de filme de segunda mão. Outra questão é o completo mau gosto de algumas das filmagens do “documentário”, principalmente uma que mostra um funeral real e outras que exibem corpos humanos em decomposição.

Os demais aspectos técnicos do filme seguem a mesma linha, com uma montagem surreal, com cortes abruptos e mudanças entre cenas noturnas e diurnas com pouquíssimo critério. É comum que as cenas de ataques dos zumbis sejam intercaladas com filmagens de arquivo de elefantes e cangurus (que nem sequer existem na Nova Guiné). Já a filmagem é ridícula, com imagens tremidas, câmera trepidante e as imagens com uma constante linha escura na parte esquerda da tela, que se move conforme a cena é gravada. E para coroar a festa, as atuações são todas péssimas, transitando entre falas travadas e total falta de emoção para atuações histriônicas e absurdamente exageradas.

Uma cena antológica desse filme é quando o impagável Zantoro (na minha opinião, o melhor personagem do filme) parece perder completamente a noção da realidade, abandonando sua arma e correndo para o meio dos zumbis, provocando-os e saltitando entre eles, enquanto diz frases como: “Você quer me morder? Hein? Hein?”. Tudo com cara de louco, com olhares esbugalhados e expressões muito forçadas. Enquanto isso seus colegas ficam parados no mesmo lugar, gritando para que ele volte, mas sem tomar qualquer atitude, tudo em um espetáculo de atuações ruins.

Mas, talvez o mais bizarro de tudo isso sejam as palavras do próprio Claudio Fragasso, ao dizer que tentou elaborar um filme “similar a Apocalipse Now” (1979) ou “Soylent Green” (1973). É hilariante pensar que qualquer pessoa em sã consciência imagine sequer comparar essa porcaria ao épico filme bélico de Francis Ford Coppola ou ao clássico de ficção cientifica distópica de Richard Fleischer. Mas tais declarações estapafúrdias são comuns em se tratando de Claudio Fragasso, um cineasta que alia uma total falta de talento e habilidade em escrever roteiros e dirigir filmes com uma completa falta de modéstia e um orgulho anormalmente inflado.

Enfim, Os Predadores da Noite é uma cópia descarada, um filme de baixo orçamento e de qualidade muito duvidosa, mas que conseguiu angariar uma base considerável de fãs ao longo dos anos e atualmente é considerado um filme cult por seu próprio direito.

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