Os Predadores da Noite (1980)
A década de 1980 estava começando e dois subgêneros de filmes de terror estavam em seu auge. Por um lado, os filmes de mortos vivos, catapultados principalmente pelo sucesso das obras “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “Despertar dos Mortos” (1978) do mestre George A. Romero. Por outro lado, os filmes do tipo Canibalexploitation alcançariam seu ápice naquele mesmo ano com “Cannibal Holocaust” (1980) de Ruggero Deodato. Na demorou muito para que algum produtor de cinema com pouca vergonha na cara ter a brilhante idéia de fazer um filme de terror unindo estes dois subgêneros.
E assim surgiu o filme
ítalo-espanhol “Vírus”, também conhecida como “Hell of The Living Dead”, também
conhecida como “Zombie Creeping Flesh”, também conhecida como “Apocalipsis
Canibal”. Mas o nome pelo qual seria conhecido no Brasil acabaria sendo Os Predadores da Noite (um nome com
pouco sentido, afinal o filme se passa inteiramente de dia).
Uma obra desse calibre, destinada a mesclar dois dos subgêneros de terror mais marcantes dos anos 1970, somente poderia ficar sobre a direção de verdadeiros profissionais na arte do cinema, totalmente qualificados e com grande experiência no ramo. Pois dito e feito. A direção foi entregue a Bruno Mattei (escondido aqui sob o pseudônimo de Vincent Dawn) e o roteiro foi escrito por Claudio Fragasso. Esses dois cineastas italianos são mundialmente conhecidos por suas obras de gosto bastante duvidoso e qualidade mais do que questionável. Para que se tenha uma ideia, Fragasso foi o responsável por dirigir “Troll 2” (1990), considerado um dos piores filmes já feitos e Mattei dirigiu “Shocking Dark”(1989), um filme horrível e que foi vendido por seus produtores, com a maior cara de pau possível, como “Terminator 2”, tentando enganar os fãs de “O Exterminador do Futuro” (1984) que estavam esperando sua seqüência, que só estrearia em 1991. Com um currículo tão formidável, é claro que essa dupla somente poderia produzir uma obra cinematográfica memorável.
O filme começa em uma central energética na Nova Guiné, onde uma equipe de cientistas parece estar realizando um experimento científico muito importante e também muito perigoso. De repente, surge um problema em uma das seções da central e dois técnicos são enviados para investigar. Um dos técnicos encontra um rato morto e mostra o cadáver do animal para seu colega. Inesperadamente o animal revive a ataca o técnico que o estava segurando, matando o pobre infeliz e causando a liberação de um misterioso gás verde, o que gera o pânico na central. Logo, vários técnicos e cientistas morrem em contato com o gás e revivem como zumbis, atacando seus colegas.
Após a cena na central energética, somos transportados para Barcelona, na Espanha. Um grupo de eco terroristas ocupou a Embaixada dos Estados Unidos da América na cidade e fez seus funcionários de reféns. Eles exigem que as “centrais HOPE” sejam fechadas em todo o mundo e que um manifesto de sua autoria seja transmitido em todos os canais de televisão ou matarão os reféns. Para resolver o problema, uma equipe especial de policiais é chamada para resgatar os reféns e eliminar os terroristas, liderados pelo Tenente Mike London (José Gras). Essa equipe é uma cópia descarada das equipes de militares caçadores de zumbis de “Despertar dos Mortos”, a ponto de vestirem as mesmas roupas azuis. Plágio? Onde?
A equipe especial penetra na
embaixada com os métodos menos furtivos possíveis. Um deles inclusive não para
de se mover como um chimpanzé bêbado, dando saltinhos e correndo de forma
idiota. Para piorar, os demais policiais do lado de fora permitem que as
câmeras de televisão filmem os membros da equipe entrando na embaixada,
quebrando completamente o sigilo padrão desse tipo de operação. Como se tudo
isso já não fosse suficiente, os terroristas exigem uma televisão para poder
assistir se suas exigências estão sendo cumpridas e seu manifesto está sendo
transmitido. Pois os idiotas dos policiais fornecem a televisão e é através
dela que os terroristas descobrem que suas exigências foram totalmente
ignoradas e seu manifesto foi censurado. Mas quanta imbecilidade! Se os
policiais e o governo não iam atender as exigências dos terroristas, por que
entregar para eles uma televisão com a qual poderiam descobrir toda a verdade e
assim, colocar em risco a vida dos reféns?
Mas o pior ainda está por
vir. Enquanto os policiais do grupo de resgate vão entrando na embaixada, vão
matando os terroristas que encontram em seu caminho, terroristas estes que
parecem ser tão idiotas quanto os próprios policiais. O pior de todos é o líder
dos terroristas, que grita o tempo todo e faz caras e bocas, ameaçando matar os
reféns, mas nunca fazendo nada. Os terroristas idiotas esperam até o último
minuto para executar os reféns, o que permite que os policiais invadam a sala
onde eles estão reunidos e executem os terroristas facilmente. Na minha
opinião, já vão tarde! Esses idiotas merecem ser metralhados apenas devido a
sua burrice colossal. Quem dera os terroristas da vida real fossem tão imbecis
quanto estes.
Antes de morrer, o líder dos
terroristas sussurra suas últimas palavras: “Todos nós vamos ter uma morte
horrível!”, num prenuncio do que virá a seguir no filme.
Após essa cena em Barcelona, somos transportados de novo a Nova Guiné, onde um casal e um par de jornalistas (uma repórter e seu cinegrafista) estão rodando pelas estradas de terra dailha em busca de atendimento médico para o jovem filho do casal. O menino parece ter sido mordido e não está muito bem. Ao chegarem em uma pequena vila, a mãe da criança e os dois jornalistas saem para investigar e procurar ajuda. E é aí que tudo dá errado. Enquanto a mãe é atacada por um padre zumbi muito mal maquiado, os jornalistas são cercados por mortos vivos ao investigarem uma fonte de água e o menino desperta no carro, totalmente zumbificado, e ataca seu pai violentamente.
Enquanto essa situação se
desenrola, descobrimos que a equipe de policiais que realizou o resgate na
embaixada foi enviada para a Nova Guiné por algum motivo obscuro. O real motivo
para a presença desses soldados/policiais espanhóis nessa ilha no Pacífico
nunca é revelado. Em determinado momento durante o início da operação na embaixada,
o Tenente Mike diz que após essa missão de resgate eles serão levados para um
paraíso tropical, em uma espécie de viagem de férias. Entretanto, em outro
momento, quando eles já estão na Nova Guiné, outro membro da equipe diz que
eles estão ali para ajudar a controlar a infestação causada pelo vazamento do
misterioso gás verde mostrado no princípio do filme. Qualquer que seja o motivo,
temos uma tropa de homens armados com fuzis, vestidos com macacões e bonés
azuis e que caçam zumbis a mando de um governo. Plágio de “Despertar dos
Mortos”? Onde?
Os caçadores de zumbis chegam na pequena vila bem a tempo de salvar os jornalistas das garras dos zumbis. E aqui recebemos um autêntico show de atuação. Por um lado, a atriz que interpreta a repórter Lia Rousseau (Margit Evelyn Newton) mostra todo o seu talento com caras e bocas completamente hilariantes. Da mesma forma, seu cinegrafista Vincent (Selan Karay) dá um espetáculo de atuação ao descobrir o menino zumbi devorando tranquilamente seu pai no carro. Mas nada supera Zantoro (Franco Garofalo), um dos membros da tropa de caçadores de zumbis que não para quieto um minuto, pulando de lá para cá o tempo todo, gritando, dando risadas incômodas e fazendo caras e bocas ridículas. A cena em que ele e seu colega descobrem que não adianta atirar no corpo dos zumbis é simplesmente hilariante, com Zantoro se lamentando de suas tentativas falhas de matar os mortos vivos. Porém, é esse mesmo Zantoro que descobre que a solução para o problema é atirar na cabeça dos cadáveres revividos.
Os defeitos especiais são um capítulo à parte nesse filme. Isso mesmo, esse é um daqueles filmes que não tem efeitos especiais e, sim, defeitos especiais. É surpreendente saber que um dos responsáveis por esses defeitos foi Antonio Balandín, que trabalharia futuramente em filmes como “Conan, O Bárbaro” (1982), “Conan, O Destruidor” (1984) e na primeira adaptação de “Duna”em 1984, onde faria trabalhos bastante decentes em termos de efeitos especiais. Porém, em Os Predadores da Noite o trabalho de Balandín (junto com Giusepe Ferranti, que nunca realizou trabalhos importantes no cinema) foi menos que medíocre. Tudo se resume a fumaças coloridas, muito sangue falso e pedaços de carne jogados sob os corpos das “vítimas”. A maquiagem (a cargo do mesmo Giusepe Ferranti) é outra falha completa, com os zumbis tendo suas caras ridiculamente pintadas de azul ou verde e com pedaços de carne moída toscamente colados no rosto, tentando simular ferimentos.
Após rodar um pouco a esmo pela selva, os soldados e os jornalistas chegam próximos a uma aldeia de nativos, os quais parecem ocupados com alguns de seus rituais. De modo a evitar qualquer problema e garantir a simpatria dos nativos, a repórter Lia resolve entrar na aldeia sozinha e fazer o primeiro contato. Para isso, a repórter cumpre um estrito ritual: tira toda a roupa e pinta algumas linhas de tinta sobre o rosto e o corpo. Assim, totalmente nua e pintada, a mulher entra na aldeia para tratar com os nativos.
E tome um dos maiores clichês dos filmes Canibalexploitation: uma mulher branca com os seios de fora (sempre é importante que a mulher branca esteja com as tetas à mostra, para acrescentar mais “dramatismo” à cena), sendo admirada, e em alguns casos até adorada, por uma tribo indígena sul americana, africana ou caribenha. Esse é um clichê bastante comum nesses filmes e que tem até alguns tons de racismo, com os indígenas sendo mostrados como ignorantes e selvagens deslumbrados pela beleza da mulher branca. Mas não iremos nos aprofundar sobre isso nessa resenha, até por que esse filme não merece nenhum tipo de análise muito profunda.
Tendo conseguido a amizade dos indígenas com o poder das suas tetas, Lia faz com que seus colegas entrem na aldeia. Parece que os nativos estão sofrendo com a praga de zumbis e perderam muitos de seus membros e estão realizando um ritual funerário para homenagear seus entes queridos falecidos. Os soldados e os jornalistas são convidados a ficar na aldeia e participar dos rituais, o qual eles aceitam. Porém, durante a noite os zumbis invadem a aldeia e dão início a uma carnificina generalizada e nossos protagonistas são obrigados a fugir desesperados.
Nessa cena do ataque zumbi a aldeia temos um exemplo dos efeitos especiais do filme. Enquanto um nativo tenta correr, um dos zumbis (que está caído no chão) o segura pela perna e aplica uma violenta mordida, arrancando pedaços ensanguentados de carne da perna do pobre infeliz. A cena é ridícula. É possível ver claramente que o sangue que escorre e os pedaços de carne arrancados são provenientes de um pedaço de carne que o ator que interpreta o zumbi está segurando com a própria mão junto a perna de sua “vitima”, tudo de maneira muito tosca e improvisada.
Enquanto os protagonistas sofrem suas desventuras em meio a sela da Nova Guiné, o filme intercala cenas de reuniões em uma sede da ONU, onde os líderes do mundo fazem o que sabem fazer de melhor: discutem inutilmente as suas ideias estapafúrdias sobre como enfrentar a crise dos mortos vivos na ilha, enquanto o líder da Nova Guiné os acusa de terem destruído seu país. Também somos brindados com cenas no estúdio de televisão onde Lia e Vincent trabalham, estúdio este que inexplicavelmente está recebendo as filmagens feitas pelos jornalistas através do que somente podemos imaginar que ser uma conexão mágica, afinal estamos no princípio dos anos 1980 e as conexões via satélite são muito limitadas (e os jornalistas sequer tem equipamento para fazer estas conexões, contando apenas com uma câmera simples) e a internet é ainda um sonho distante. Essas imagens estão sendo transmitidas para o mundo todo, junto com imagens das tropas da Noiva Guiné tentando controlar a crise e o desespero do povo da ilha diante do ataque dos mortos vivos (na verdade, filmagens de arquivo de festividades e rituais tribais).
Tudo em Os Predadores da Noite é bastante ruim e de segunda categoria. A própria trilha sonora do filme é um exemplo da total falta de vergonha dos produtores e dos senhores Fragasso e Mattei. As músicas que o espectador ouve durante o filme são as mesmas de “Despertador dos Mortos” e foram surrupiadas da banda Goblin, um grupo italiano de rock progressivo que se tornou famoso por fazer as trilhas sonoras de alguns filmes do diretor Dario Argento (considerado o mestre do cinema giallo), inclusive de sua obra mais conhecida, “Suspiria” (1977) e a trilha sonora dessa obra de George A. Romero.
Outro ponto do filme é a introdução mal feita de filmagens de arquivo mostrando animais (muitas vezes de animais que nem sequer existem na Nova Guiné) e filmagens de um documentário sensacionalista (um dos repulsivos shockumentaries dos anos 1960 e 1970) chamado “Nova Guiné, Ilha dos Canibais” (1974) mostrando as tribos da Nova Guiné e alguns de seus rituais e costumes funerários. Essas filmagens são de muito baixa qualidade, com imagem bastante granulada, inclusive com uma qualidade inferior à do próprio filme, o que causa uma sensação de estranheza e destoa do restante da obra.A ideia era fazer parecer que realmente o filme foi rodado na Nova Guiné (tendo em vista que o filme foi rodado na Espanha), mas não funcionou e somente aumentou o clima de filme de segunda mão. Outra questão é o completo mau gosto de algumas das filmagens do “documentário”, principalmente uma que mostra um funeral real e outras que exibem corpos humanos em decomposição.
Os demais aspectos técnicos do filme seguem a mesma linha, com uma montagem surreal, com cortes abruptos e mudanças entre cenas noturnas e diurnas com pouquíssimo critério. É comum que as cenas de ataques dos zumbis sejam intercaladas com filmagens de arquivo de elefantes e cangurus (que nem sequer existem na Nova Guiné). Já a filmagem é ridícula, com imagens tremidas, câmera trepidante e as imagens com uma constante linha escura na parte esquerda da tela, que se move conforme a cena é gravada. E para coroar a festa, as atuações são todas péssimas, transitando entre falas travadas e total falta de emoção para atuações histriônicas e absurdamente exageradas.
Uma cena antológica desse filme é quando o impagável Zantoro (na minha opinião, o melhor personagem do filme) parece perder completamente a noção da realidade, abandonando sua arma e correndo para o meio dos zumbis, provocando-os e saltitando entre eles, enquanto diz frases como: “Você quer me morder? Hein? Hein?”. Tudo com cara de louco, com olhares esbugalhados e expressões muito forçadas. Enquanto isso seus colegas ficam parados no mesmo lugar, gritando para que ele volte, mas sem tomar qualquer atitude, tudo em um espetáculo de atuações ruins.
Mas, talvez o mais bizarro de tudo isso sejam as palavras do próprio Claudio Fragasso, ao dizer que tentou elaborar um filme “similar a Apocalipse Now” (1979) ou “Soylent Green” (1973). É hilariante pensar que qualquer pessoa em sã consciência imagine sequer comparar essa porcaria ao épico filme bélico de Francis Ford Coppola ou ao clássico de ficção cientifica distópica de Richard Fleischer. Mas tais declarações estapafúrdias são comuns em se tratando de Claudio Fragasso, um cineasta que alia uma total falta de talento e habilidade em escrever roteiros e dirigir filmes com uma completa falta de modéstia e um orgulho anormalmente inflado.
Enfim, Os Predadores da
Noite é uma cópia descarada, um filme de baixo orçamento e de qualidade
muito duvidosa, mas que conseguiu angariar uma base considerável de fãs ao
longo dos anos e atualmente é considerado um filme cult por seu próprio
direito.
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