Van Helsing – O Caçador de Monstros (2004)
1887. Transilvânia.
Uma
horda de aldeões enfurecidos avança pela floresta, armados com tochas, foices e
forcados, se dirigindo a um castelo sombrio e aterrador, onde uma criatura monstruosa
está despertando.
Esse monstro é uma criação do Dr. Victor Frankenstein (Samuel West), um cientista que deseja criar vida a partir da união de pedaços de cadáveres humanos, animados pela energia de raios elétricos. A pesquisa do Dr. Frankenstein foi financiada pelo Conde Drácula (Richard Roxburgh), um poderoso vampiro que parece ter interesses obscuros nas experiências do doutor. Porém, devido a que o Victor, com a ajuda de seu assistente corcunda Igor (Kevin J. O’Connor), esteve violando tumbas para roubar as partes dos cadáveres para seus estudos, o povo local ficou enraivecido com ele e estão prestes a invadir o castelo.
Convencido de que Victor não possui mais utilidade em seus planos, Drácula o mata mordendo seu pescoço e sugando seu sangue. Esse ato desperta a fúria do monstro, que se solta da cama onde estava amarrado e ataca Drácula, jogando o vampiro nas chamas de uma lareira. Desesperado, o monstro pega o corpo do Dr. Frankenstein em seus braços e foge do castelo em direção a um moinho abandonado (que, estranhamente, está cheio de garrafas de absinto), mas é perseguido pela multidão, que ateia fogo ao lugar, matando a criatura. Isso enfurece Drácula e suas noivas, os quais lamentam a perda do monstro.
1888. Paris.
Abraham Van Helsing (Hugh Jackman), um famoso caçador de monstros (que neste filme, ao contrário da obra de Bram Stoker, não é um estudioso cientista e pesquisador de meia idade e sim um homem jovem treinado em combate e com poucas habilidades intelectuais), está procurando um assassino pelas ruas da capital francesa. A perseguição termina na Catedral de Notre Dame, onde Van Helsing confronta Mr. Hyde (Robbie Coltrane), o alter ego monstruoso do Dr. Henry Jekyll, que surge após este ingerir uma estranha poção inventada por ele mesmo. Após uma dura luta, Van Helsing consegue matar Hyde, mas termina sendo acusado de assassino.
Após cumprir sua missão, Van
Helsing retorna para o Vaticano, na cidade de Roma, para receber novas ordens.
O caçador de monstros é parte dos Cavaleiros da Ordem Sagrada, uma espécie de
organização secreta formada pela Igreja Católica e por membros de outras
religiões, a qual se dedica a caçar e eliminar criaturas monstruosas e malignas,
de modo a proteger a humanidade.
Após ser questionado por seu superior devido aos seus métodos pouco sigilosos, Van Helsing é levado até o laboratório da ordem, onde conhecemos Carl (David Wenham), um frade cientista que cria máquinas, armas e tecnologias para os membros da ordem, como uma granada que emite luz solar e até mesmo uma metralhadora. Carl equipa Van Helsing (em uma cena que parodia as clássicas cenas dos filmes de James Bond onde Q equipa o agente 007 com os mais modernos engenhos tecnológicos) com os apetrechos clássicos para enfrentar vampiros: alho, água benta, crucifixos, estacas e, é claro, uma boa balestra metralhadora.
Van Helsing recebe a missão
de ir até uma região na Romênia chamada Transilvânia. Nesse momento, o filme
comete um erro histórico, pois em 1888 a Romênia e a Transilvânia eram
províncias do Império Austro-Húngaro. Somente após a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) é que a Romênia se tornou uma nação independente e a Transilvânia
se tornou parte do território romeno. Esse erro é interessante, pois até este
momento o filme estava sendo bastante preciso em sua representação histórica.
Outro ponto em que o filme peca é em reforçar a noção folclórica de que a Transilvânia é uma terra fria e obscura, cercada de névoa e sempre envolta em sombras. Embora essa seja a visão popular sobre este lugar, a verdade é que a Transilvânia é um local bastante agradável (principalmente durante o verão), com belas paisagens e que recebe milhares de turistas todos os anos, sendo inclusive a região mais rica e próspera da Romênia. Todavia, tal erro pode ser relevado em defesa da questão dramática do roteiro.
A missão de Van Helsing é viajar até a Transilvânia para ajudar a família Valerious a matar Drácula (apresentado em um foto shop ridículo da pintura clássica de Vlad III, O Empalador, feita em 1560, onde o rosto do ator Richard Roxburgh foi inserido de maneira muito mal feita), o conde vampiro que comanda a região com um regime de terror e medo. A família Valerious está condenada a jamais entrar no céu enquanto não der fim à existência de Drácula. Após 400 anos fracassando em suas tentativas de derrotar o conde, restam apenas dois descendentes da família, os príncipes Anna (Kate Beckinsale) e Velkan (Will Kemp). O ancestral da família que deu início a sua caçada ao conde deixou para seus descendentes uma relíquia que contem um pedaço de pergaminho com uma inscrição em latim e um símbolo, o mesmo símbolo que aparece em um anel que Van Helsing porta em seu dedo anular, o que poderia explicar sobre o seu passado misterioso.
Decidido a encontrar respostas sobre suas origens, Van Helsing aceita a missão e parte para a Transilvânia, onde os irmãos Valerious estão ocupados caçando lobisomens. Apesar de usarem uma armadilha bem elaborada, o plano falha e Velkan termina sendo atacado pelo lobisomem e caindo de um abismo.
Pouco tempo depois, Van Helsing e Carl chegam a uma aldeia na Transilvânia e logo são hostilizados pelo povo local, que parece não gostar nenhum pouco de forasteiros. Entre a multidão que os cerca está um homem com roupas escuras e cartola (Tom Fisher), o mesmo que incitou a multidão contra o Dr. Frankenstein no inicio do filme e Anna Valerious, a qual interroga os forasteiros e tenta convencê-los a entregar suas armas. O interrogatório é interrompido por um ataque das noivas de Drácula, Aleera (Elena Anaya), Verona (Silvia Colloca) e Marishka (Josie Maran), três vampiras que tentam matar Anna. Uma luta encarniçada acontece e, no fim, Marishka é morta por Van Helsing e as demais noivas fogem.
Após o combate, Anna aceita unir forças com Van Helsing na luta contra o conde.
Enquanto isso, Drácula está abalado com a morte de Marishka e discute com suas noivas restantes o porquê delas não terem matado Anna Valerious. A cena oscila entre o ridículo da atuação exageradamente afetada de Richard Roxburgh e a beleza dos efeitos especiais mostrando o conde caminhando pelas paredes e o teto. Outro primor de erros é o roteiro. Durante a cena, o conde declara para suas noivas que não possui emoções, ao mesmo tempo em que demonstra tristeza pela morte de sua noiva, raiva pelo fracasso de seu plano e solta inexplicáveis gargalhadas. Para um ser supostamente sem emoções, esse Drácula parece muito mais um vampiro bipolar.
No castelo dos Valerious,
Van Helsing e Anna discutem sobre como matar Drácula. A princesa quer ir sozinha
em busca do conde, enquanto Van Helsing quer preparar um plano de ataque e
sugere que atuem juntos. Quando percebe que não vai conseguir convencê-la, Van
Helsing usa um spray sonífero e adormece Anna.
Quando desperta, Anna é
atacada por um lobisomem que conseguiu se infiltrar no castelo. Ela atira na
fera e foge para outra sala, onde encontra seu irmão Velkan, que tenta avisá-la
sobre qual é o segredo do Drácula. Mas então, as nuvens que encobriam a lua
cheia somem e Velkan começa a se transformar. Ele é o lobisomem que atacou Anna,
pois quando caiu do abismo lutando com o lobisomem que ele e sua irmã tentaram
capturar, este acabou ferindo Velkan e contaminando-o com a maldição da
licantropia.
Van Helsing aparece e o lobisomem foge. O caçador persegue a fera até a cidade e chega perto de matá-la, mas é impedido por Anna, que ainda tem esperanças de curar seu irmão. Rastreando as pegadas do lobisomem, os dois chegam ao castelo do Dr. Frankenstein, onde Drácula, Igor e um grupo de estranhos duendes estão trabalhando nos equipamentos do doutor. E é aqui que descobrimos qual é o plano de Drácula: o conde pretende usar os experimentos do Dr. Frankenstein para dar vida aos inúmeros filhos que teve com suas noivas ao longo dos séculos. Como Drácula e suas noivas são mortos vivos, seus filhos são todos natimortos e ele acredita que poderá fazê-los viver com o auxilio da ciência.
A primeira tentativa do
conde foi feita usando o pai de Anna e Velkan como condutor e terminou em
fracasso. Agora, ele pretende usar Velkan como condutor e ver o que acontece.
A experiência tem início e
os filhos de Drácula despertam e voam junto com suas mães em direção a cidade
para se alimentar. Tentando evitar um massacre, Van Helsing começa a matar os
filhotes usando uma escopeta. Estranhamente, os filhotes do conde são muito
mais frágeis que seu pai e morrem com apenas um disparo. Furioso com isso,
Drácula ataca e temos o primeiro confronto entre o conde e Van Helsing.
Durante o confronto, Van Helsing consegue enfiar uma estaca de prata no coração de Drácula. Mas isso não funciona e o conde se livra facilmente do ataque, as mesmo tempo em que revela que ele e Van Helsing têm um passado em comum e se conhecem há vários séculos. Chamando Van Helsing pelo nome de Gabriel, Drácula revela que seu nome é Vladislaus Draculia e teria nascido em 1422 e sido assassinado em 1462. Assim, o filme se afasta da crença popular de que o conde Drácula foi o príncipe da Valáquia Vlad III, o Empalador (nascido em 1431 e morto em 1476), que era conhecido como Dracul, devido a pertencer a Ordem do Dragão e ser parte da importante linhagem dos Drăculești.
Enquanto Drácula e Van Helsing conversam, os filhotes do conde começam a morrer. Aproveitando a distração do conde, Van Helsing foge, encontra Anna e ambos escapam do castelo, indo parar no mesmo moinho onde o monstro do Dr. Frankenstein terminou sendo queimado pela multidão. No moinho, eles descobrem que a criatura segue intacta e vive em uma espécie de subsolo. O estranho é que Drácula nunca buscou pelo corpo da criatura.
Enquanto isso, Carl salvou uma jovem durante o ataque dos vampiros filhotes e, em agradecimento por ser salva, a jovem faz sexo com ele, aproveitando que Carl é apenas um frade e não fez voto de castidade. Ao acordar na manhã seguinte, Carl descobre uma tela escondida em uma das paredes do castelo. A tela tem uma profecia escrita em latim e uma pintura de dois cavaleiros se enfrentando. Carl tem uma espécie de delírio místico e vê os cavaleiros se transformarem em um lobisomem e um vampiro e se enfrentarem. Por que esta pintura estava escondida? Quem a escondeu? Por que Carl teve seu delírio? Essas são questões para as quais nunca teremos resposta.
No moinho, Van Helsing e
Anna confrontam o monstro, que revela que somente com seu corpo como
catalisador, Drácula poderá dar uma vida duradoura a seus filhotes. Van Helsing
usa dardos narcóticos para adormecer a criatura e resolve levá-la para Roma
para ser protegida, embora Anna deseje matá-la imediatamente.
A viagem será em uma carruagem puxada por cavalos e rende algumas das cenas mais épicas (e também absurdas) do filme. No final da viagem, Verona é morta por uma armadilha e Van Helsing mata Velkan, mas termina sendo mordido por ele e é amaldiçoado com a licantropia. Da mesma forma, Anna é capturada por Aleena e levada para Roma, onde o conde pretende trocá-la pelo monstro de Frankenstein.
Van Helsing não pretende aceitar a troca e esconde o monstro em uma cripta. Enquanto isso, Drácula organizou um baile de máscaras, onde os convidados são outros vampiros (inclusive, aparecem até algumas crianças vampiro) e onde ele dança com Anna e tenta seduzi-la para que se torne uma das suas noivas. De onde surgiram estes outros vampiros? São seguidores de Drácula ou apenas vampiros independentes que foram convidados para esta festa? Se existiam tantos vampiros assim na Europa, por que Van Helsing nunca tinha ouvido falar deles e nunca havia enfrentado um vampiro antes? A resposta para todas essas questões é muito simples: nunca saberemos.
Van Helsing e Carl aparecem na festa e resgatam Anna (em uma cena de resgate em que a princesa deveria ter, no mínimo, quebrado duas ou três costelas). Todavia, os vampiros encontraram o monstro de Frankenstein e Drácula ordena que os demais matem Van Helsing. O herói foge e Carl termina matando os vampiros com sua granada de luz. Mas, apesar de terem escapado do perigo imediato, agora os heróis devem retornar a Transilvânia para o confronto final com o conde vampiro, antes que a madição da licantropia transforme Van Helsing em uma fera incontrolável.
Apesar de contar com um elenco de atores razoavelmente conhecidos e talentosos como Hugh Jackman (o Wolverine dos filmes da saga X-Men), Kate Backinsale (conhecida pela personagem Selene da saga Anjos da Noite), Robbie Coltrane (o Hagrid da saga Harry Potter) e Richard Roxburgh (reconhecido por séries como Rake e Bali 2002), possuir um CGI muito bom para o início dos anos 2000 e contar com uma fotografia lindíssima, Van Helsing foi muito criticado quando foi lançado, principalmente devido ao roteiro fraco e pouco ousado.
Geralmente, eu costumo ignorar completamente a opinião da chamada “critica especializada”, pois considero essa opinião muito restrita e elitista, geralmente elaborada por indivíduos excessivamente pretensiosos e de visão muito limitada, preocupados mais em reforçar seus próprios conceitos pré concebidos do que em avaliar de maneira objetiva uma obra. Entretanto, desta vez eu terei que dar o braço a torcer para a crítica, pois concordo que Van Helsing realmente deixa muito a desejar em termos de roteiro. Afinal, uma obra que tenta unir elementos clássicos da mitologia de horror como vampiros e lobisomens e ainda usa como base as três obras principais do horror gótico (Drácula de Bram Stoker, Frankenstein de Mary Shelley e O Médico e o Monstro de Robert Louis Stevenson), deveria no mínimo ter se esmerado mais em elaborar um roteiro melhor e mais digno, que ao menos tentasse honrar essas obras tão importantes.
Apesar de ter seus momentos divertidos e até empolgantes, Van Helsing peca pela falta de ousadia e originalidade. O filme não passa de um amalgama de outras obras mais famosas e melhor elaboradas, tais como “Frankenstein” de 1931 (referenciado na clássica cena do “It’s Alive!”, a fala clássica de Colin Clive como Dr. Frankenstein), “O Médico e o Monstro” e “Drácula” de 1941, entre outros. As melhores cenas do filme, inclusive, vêm da refilmagem de cenas destas obras clássicas. No restante, Van Helsing é recheado de atuações exageradas e caricatas, diálogos pseudo filosóficos e furos de roteiro.
O diretor e roteirista Stephen Sommers não quis arriscar ao criar sua obra e apenas juntou vários elementos de obras clássicas (tanto filmes quanto livros) e elaborou uma mitologia básica que tenta juntar todos os elementos em uma trama bastante simples. Nenhum desses elementos é realmente aprofundado ou discutido na trama e os poucos pontos coerentes e significativos não foram realmente elaborados por Sommers, apenas retirados do trabalho de autores mais competentes e capazes como Bram Stoker ou Mary Shelley. O estranho é que esse mesmo Stephen Sommers foi também o diretor e roteirista dos clássicos filmes “A Múmia” de 1999 e “O Retorno da Múmia” de 2001, onde ele conseguiu utilizar elementos de obras clássicas e criar uma obra moderna com uma mitologia criativa e envolvente. Aparentemente, ele acabou perdendo parte de sua habilidade criativa ao longo dos anos.
Por outro lado, embora não tenha sido um fracasso de bilheteria (com um custo de 60 milhões de dólares, arrecadou 300 milhões de dólares), Van Helsing não conseguiu agradar uma boa parcela do público e terminou por enterrar a idéia da Universal de realizar mais filmes com monstros clássicos de horror. Esta idéia somente seria retomada uma década depois com “Drácula: A História Nunca Contada” (2014) e “A Múmia” (2017) e novamente terminaria em fracasso.
Um dos defeitos mais
criticados pelo público foi o abuso que o filme faz do clichê do vilão que tem
o herói indefeso em seu poder e que, ao invés de matá-lo, terminando de uma vez
por todas com a disputa, opta por fazer longos monólogos vazios explicando suas
motivações ou soltar frases de efeito toscas ou então ficar apenas arremessando
o herói nas paredes, sem matá-lo de maneira definitiva, permitindo que este consiga
se recuperar e, ao final, tomar a vantagem e eliminar o vilão. Outros defeitos
recorrentes são as atuações demasiado caricatas e exageradas e os inúmeros furos
no roteiro.
Um erro do filme que aparece
nas cenas passadas em países diferentes é o desentendimento climático. Enquanto
as cenas passadas na Transilvânia contam com neve e um clima de princípio de
inverno, as cenas passadas em Paris e Roma se passam em um clima de verão, com
um sol resplandecente e nenhum sinal de neve.
Van Helsing daria origem a um videogame criado pela Vivendi Universal Games e a um jogo caça-níquel criado pela International Game Technology. Recentemente, o filme começou a ser visto por alguns como um filme B interessante, no estilo “tão ruim que fica bom”.
Ao fim e ao cabo, Van
Helsing é um filme divertido, porém fraco e cujo maior defeito está no fato
de que poderia ter sido uma obra muito melhor, mas que parece ter parado na
metade do caminho.
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