domingo, 28 de junho de 2020

Robo Vampire


Robo Vampire (1988)

Imagine que você é jovem e está vivendo no final da década de 1980. Não existem nem a internet, nem telefones celulares e a televisão é muito diferente daquela que conhecemos hoje. Para conseguir um pouco de diversão para seu final de semana, você vai a uma videolocadora para alugar um filme. Pesquisando entre as inúmeras prateleiras, você encontra uma fita VHS com essa bela imagem acima como capa.
Parece incrível, não é? Um Robocop com uma metralhadora, enfrentando diversos seres semelhantes a vampiros, enquanto ao fundo aparecem explosões e helicópteros. Com certeza, o filme que usa uma imagem assim para se promover deve ser um super filme de ação, no mesmo nível dos melhores exemplares do gênero. Entusiasmado, você aluga a fita e a leva para casa, ansioso para poder assistir a esse filme tão incrível.
Pois você foi enganado. Se existe um exemplo claro e inegável do crime de propaganda enganosa, esse exemplo é Robo Vampire, essa obra infame, fruto da pior (ou melhor, dependendo do ponto de vista) picaretagem dos anos 80.
Robo Vampire é uma obra tão única em sua ruindade, que fica até mesmo difícil saber por onde começar uma resenha sobre ela. Geralmente, eu procuro começar falando sobre a trama do filme, mas nesse caso NÃO EXISTE TRAMA. O filme é uma colagem de cenas desconexas, que o diretor tentou fazer parecer que tinham alguma coerência entre si, mas seu trabalho foi tão mal feito que tornou impossível compreender certos trechos do filme.
Mas, vamos começar falando sobre os responsáveis por criar essa obra de qualidade indiscutível. Para começar, existe uma grande controvérsia sobre quem foi o diretor de Robo Vampire. O IMDb (Internet Movie Database) afirma que o diretor foi Godfrey Ho, um diretor nascido em Hong Kong e que ficaria conhecido nos anos 80 por fazer diversos filmes meia boca com ninjas. Já o site do Rotten Tomatoes afirma que o diretor foi Joe Livingstone, um completo desconhecido. Do mesmo modo, o nome do roteirista do filme também é outra controvérsia. O IMDb afirma que foi Godfrey Ho quem escreveu o absurdo roteiro do filme. Já o Rotten Tomatoes afirma que foi William Palmer, outro completo desconhecido.
O único nome da equipe técnica que é um consenso é o do produtor do filme, um senhor chamado Tomas Täng, que costumava usar o pseudônimo de Jhon King, e que foi o fundador da Filmark International, uma produtora de filmes baseada em Hong Kong, que criou inúmeras pérolas do cinema trash asiático com ninjas, artes marciais e cenas de ação, tudo de quinta categoria e muito mal feitas.  
Tomas Täng


Não são poucos os que acreditam que foi o próprio Tomas Täng que escreveu o roteiro e dirigiu o filme, e depois usou alguns pseudônimos para fazer parecer que outros foram os responsáveis por essas tarefas. Em minha opinião, isso é perfeitamente possível, afinal a grande maioria dos créditos deste filme é uma mentira, com vários nomes e funções inventados por Täng para fazer parecer que sua equipe era muito maior do que realmente era. O senhor Tomas Täng era dotado de uma cara de pau inabalável e não via nenhum problema em explorar qualquer oportunidade que surgisse com o intuito de ganhar alguns trocados com seus filmes. Desse modo, tentando se aproveitar do sucesso de “Robocop”, que havia arrasado nas bilheterias no ano anterior, Täng resolveu criar sua própria obra sci-fi, mesclando um policial ciborgue com artes marciais e vampiros. Assim surgiu Robo Vampire.
Pois bem, vamos falar um pouco do filme, começando pelo roteiro, que, desde já lhes aviso, é uma loucura de proporções colossais.
Uma quadrilha de traficantes de drogas de Hong Kong está tendo muitos problemas com a agência antidrogas local, principalmente com as operações lideradas pelo policial Tom, um agente que está conseguindo causar sérios prejuízos aos traficantes. Disposto a acabar com Tom, de uma vez por todas, o líder da quadrilha prepara um plano perfeito, totalmente sem falhas: contratar um monge taoísta para que adestre vampiros para caçar Tom e seus colegas policiais!



Sim, isso mesmo que você acaba de ler. A grande ideia do senhor bigodinho aqui acima é alugar vampiros amestrados para que cacem os policiais. Para ficar mais claro: é como se o Bope estivesse causando muitos problemas ao Comando Vermelho no Rio de Janeiro e os chefes do tráfico resolvessem contratar um pai-de-santo para adestrar o Chupa-cabra para que caçasse os agentes da PM. Você achou isso uma ideia absurda? Pois aguarde um pouco, pois isso é só o começo do festival de maluquices desse filme.

O monge taoísta é contratado e começa seus trabalhos, preparando vários vampiros adestrados para os traficantes. A quadrilha envia uma dupla de bandidos para auxiliar o monge e vigiar os vampiros. Pois esses dois criminosos são os dois imbecis mais imbecis da face da Terra e conseguem despertar os vampiros, que começam a atacar a dupla. E é aí que somos brindados com uma das cenas mais engraçadas do filme, enquanto a dupla de cabeças ocas tenta se salvar do ataque dos vampiros. Por muito pouco os dois criminosos conseguem se salvar, graças à intervenção do monge.


E, nesse momento, você deve estar se perguntando ao ver essa cena: “Mas que raios de vampiros são esses?” Pois esses, meus amigos, são os Jiangshi, os vampiros da mitologia chinesa. Esses seres são muito diferentes daqueles que nós estamos acostumados a conhecer da mitologia ocidental. Os Jiangshi são retratados como seres
mortos-vivos revividos por magia negra e que sugam a força vital dos seres vivos. Esses vampiros se vestem com trajes chineses tradicionais e se movem com pequenos saltos. Por isso são conhecidos como vampiros saltitantes. Os poderes dessas criaturas também são bastante diferentes, incluindo teletransporte, invulnerabilidade, força física ampliada, capacidade de lançar um gás corrosivo pela boca (!!) e lançar mísseis mágicos pelas mãos (!!!). Do mesmo modo, as debilidades desses vampiros são totalmente diferentes dos seus primos ocidentais: cruzes, água benta e alho são totalmente inúteis e a única forma de detê-los é colando um selo (um papel especial com encantamentos escritos) em suas testas (!!!!). Os Jiangshi são imunes até mesmo à luz do sol, podendo caminhar tranquilamente em pleno dia. Nos anos 80, os Jiangshi haviam se tornado uma moda em toda a Ásia, devido aos filmes feitos em Hong Kong, e o produtor Tomas Täng resolveu aproveitar essa moda e incorporá-los à sua memorável obra.




Com os vampiros prontos para trabalhar junto com os traficantes, o monge resolve realizar um trabalho ainda mais refinado e criar um super vampiro. Porém, surge nesse instante um novo personagem, o fantasma de uma bruxa chamada Christine (!!!!!), que
acusa o monge de ter roubado o cadáver de seu amante e transformá-lo em uma besta vampiro (!!!!!!). E assim, o monge e a fantasma protagonizam um dos diálogos mais surreais e hilariantes do cinema:
Christine: - Como se atreve a roubar o cadáver de meu amante e transformá-lo em uma besta vampiro? Agora ele está condenado a ser um morto-vivo e não poderemos estar juntos no além vida.
Monge: - Ele é oriental e você ocidental. Como se explica isso?
Christine: - Os orientais são obstinados e seus pais se opunham a nosso casamento. Então, decidimos que, se não podíamos ficar juntos nessa vida, estaríamos unidos no além vida. Mas você nos privou disso, convertendo ele em uma besta vampiro. Agora penso apenas em minha vingança. Meus sonhos vieram abaixo e você é o responsável por meu sofrimento.
Resumindo esse enredo de escola de samba: um casal estava apaixonado. Ele era um rapaz asiático e ela, uma bruxa ocidental. Os pais do rapaz se opunham ao namoro e, diante da impossibilidade de ficarem juntos neste mundo, o casal resolveu se suicidar para que pudessem viver juntos no além vida. Porém, como o monge roubou o cadáver do rapaz e o reviveu como vampiro, suas almas ficaram separadas e agora Christine voltou como um fantasma em busca de vingança (!!!!!!!!!!!!!!).
Diante desse roteiro tão fenomenal e revolucionário, é necessário tomar um pequeno tempo para respirar e tentar entender o que está passando. Entretanto, o senhor Täng não está disposto a nos conceder esse descanso e insere, totalmente de golpe, sem nenhuma preparação ou desenvolvimento, uma trama paralela, absolutamente desconectada da trama principal do filme. Nessa trama paralela acompanhamos uma agente da agência antidrogas que acaba capturada por uma outra quadrilha de traficantes e é necessário resgatá-la. Para realizar essa difícil missão é enviada uma equipe de agentes super treinados e fortemente armados.


Essa trama paralela é a prova cabal da cara de pau do senhor Tomas Täng. Qualquer um que assista Robo Vampire se dará conta que essa trama paralela não encaixa no restante do filme, inclusive apresentando uma fotografia, roteiro e ritmo completamente diferentes. E a explicação para essas diferenças é muito simples: o senhor Täng resolveu aproveitar cenas de um filme tailandês de 1984, chamado “Paa Lohgan” e colocá-las em seu próprio filme. Assim, ele podia aproveitar as cenas de ação do filme tailandês, que eram muito melhores do que aquelas que ele poderia bancar e economizar em custos de filmagem, já que as cenas “reaproveitadas” podiam cobrir bastante tempo de tela e ajudar Robo Vampire a ter maior metragem, sem precisar gravar mais cenas. Mais uma prova da genialidade de Tomas Täng.

Mas, voltemos para a fabulosa trama principal. Depois de lutar com a fantasma/bruxa Christine e perceber que ela é bastante poderosa, o monge taoísta resolve apelar para seu super vampiro. E quem é essa criatura monstruosa? Pois, por pura vontade do roteiro, o super vampiro é o falecido amante de Christine, que agora foi revivido como um vampiro melhorado com... cara de gorila (!!!!!!!!!!!!!!!!!!). Isso mesmo. A produção para representar o “super vampiro” se resumiu a vestir um ator qualquer com uma máscara de gorila (que deve ter sido comprada em uma lojinha de R$ 1,99). Que maravilha!

Christine e o super vampiro se enfrentam, mas a fantasma/bruxa consegue apelar para o poder do amor e liberta seu amante do controle do monge. Vendo que perderá o controle da situação, o monge resolve aceitar o pedido de Christine e realiza o casamento do casal mais estranho que já foi retratado nas telas do cinema. E agora, agarrem-se em suas cadeiras e poltronas, pois vou revelar o nome do super vampiro, um nome tradicionalmente oriental, mais oriental impossível: Peter! PETER! Isso mesmo. O senhor Tomas Täng escreveu seu roteiro com tanto cuidado que se esqueceu de colocar um nome chinês em seu personagem, o mesmo personagem que tinha sido retratado um pouco antes como sendo filho de um casal tão radicalmente oriental que se negava a aceitar o casamento de seu filho com uma mulher que não fosse chinesa. Pois parece que esse casal, na hora de batizar seu filho, resolveu colocar um nome tipicamente inglês no garoto. Se ainda faltava um exemplo mais claro da total patacoada que foi o trabalho do senhor Täng ao escrever e dirigir essa história, aqui está ele.
Porém, você deve estar se perguntando nesse momento: “- Onde raios está o maldito robô? O filme se chama Robo Vampire, mas até agora não apareceu nenhum robô.” Pois não se preocupe, é chegada a hora de entrar em cena a parte high tech do filme. Acontece que o policial Tom, aquele mesmo que foi responsável pela fúria dos traficantes no início do filme, acaba morto pelo super vampiro Peter em uma emboscada (uma das mortes mais ridículas e engraçadas que eu já vi).
Confirmada a morte de Tom (confirmação que é feita em um cenário de hospital muito mal feito), simplesmente entra em cena um personagem que resolve transformar o corpo de Tom em um ciborgue super avançado. Mais uma vez, como é habitual na obra do senhor Täng, tudo é feito sem nenhuma preparação ou desenvolvimento. O diálogo entre o "cientista" e o chefe da polícia é ridículo e surreal ao mesmo tempo. 

        Depois de uma cena de construção simplesmente fenomenal, em um laboratório capaz de fazer Elon Musk se roer de inveja, surge o robô Warrior, o pesadelo dos criminosos, o futuro do combate ao crime, o defensor da lei e da ordem e, acima de tudo, a coisa mais ridícula que você poderia imaginar.



Se o super vampiro com cara de gorila parecia tosco, contemplem nosso herói: um ator vestindo uma roupa de nylon, pintada com tinta spray prateada e usando um capacete que é uma mistura entre uma máscara de solda e um boné de gari, com uma antena de rádio acoplada (sabe-se lá para que). Chamar esse traje de feio e idiota é elogiar demais. A roupa é tão estúpida, mas tão estúpida, que se torna divertida. É hilariante ver como Täng tentou convencer seu público que essa coisa se trata mesmo de um robô, fazendo o ator se mover de forma travada e inserindo os clássicos sons “robóticos” nos movimentos do robô Warrior. Toda essa mistura de bizarrices acaba se revelando extremamente engraçada e garante algumas das melhores cenas do filme.


Com o robô Warrior preparado para ação, a agência antidrogas parte para o combate aos traficantes e vampiros, em cenas de ação péssimas, com lutas de artes marciais muito mal coreografadas e efeitos especiais da pior qualidade.
Robo Vampire é um completo absurdo e, por isso mesmo, é extremamente divertido. O senhor Täng não se preocupava muito com a qualidade final das obras que produzia. Seu objetivo principal era ganhar dinheiro com produções baratas e, para isso, ele economizava o máximo que podia na realização de seus filmes. Essa economia é mais do que evidente em Robo Vampire, seja nos cenários, figurinos e maquiagens (todos muito toscos), seja na pouca experiência dos atores (todos muito ruins), seja nos efeitos especiais (todos muito ridículos). 

    Com toda essa (falta de) qualidade, Robo Vampire acabou caindo no ostracismo durante muito tempo, mas acabou sendo resgatado pela internet, que fez esse filme absurdo ser conhecido no mundo todo, principalmente através do Youtube. Se você quiser conhecer essa obra-prima da tosquice, basta fazer uma pesquisa na internet que você vai encontrá-lo facilmente. 

    Eu realmente recomendo esse filme para todos os amantes do cinema trash. Mas deixo aqui um aviso: Vá preparado! Preparado para muitas risadas. 





sexta-feira, 19 de junho de 2020

Basket Case


Basket Case- 1982

- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
- O que há dentro do cesto?
Mas, afinal, o que raios há dentro desse maldito cesto?
Essa pergunta vai atormentar todos aqueles que resolverem assistir a Basket Case, obra-prima do cinema trash dirigida pela lenda Frank Henenlotter, responsável por algumas das maiores podreiras que o cinema mundial já produziu, como “Frankenhooker" (1990), “Brain Damage” (1988) e “Bad Biology” (2008).
Basket Case apresenta a jornada de Duane Bradley (Kevin Van Hentenryck), um jovem que anda pelas ruas de Nova York transportando uma cesta de vime trancada com
um cadeado. O jovem protagonista não se separa de sua cesta em nenhum momento, levando o objeto em todo lugar em que vai, seja andando na rua, dentro do cinema, em um consultório médico e até em uma boate. Essa relação de apego do rapaz com a cesta faz com que todos que conhecem Duane acabem fazendo a famosa pergunta: “- O que há dentro do cesto?” A cada um que lhe faz essa pergunta, o jovem Duane oferece uma resposta diferente ou simplesmente não oferece resposta nenhuma, de modo a ocultar o conteúdo misterioso de sua cesta de estimação.

Pois, acredite se quiser, dentro da cesta está preso o irmão de Duane, que atende
pelo simpático nome de Belial (nome de um demônio da antiga mitologia cananita). Acontece que Duane e Belial nasceram como gêmeos siameses. Porém, enquanto Duane nasceu com um corpo praticamente normal, o pobre Belial não teve a mesma sorte, nascendo totalmente deformado e grudado na lateral do corpo de seu irmão. Como a mãe dos garotos acabou falecendo devido as complicações do parto, os irmãos foram praticamente abandonados pelo pai (um homem totalmente amargurado) e outros membros da família, que os escondiam de todos, como um segredo profano. Os pobres garotos eram odiados pelos parentes e considerados uma vergonha para toda a família. A única que demonstrou carinho e afeto pelos meninos foi a irmã de sua mãe, que se ofereceu para cuidar deles.

Aliás, uma dúvida me atormenta desde que vi esse filme pela primeira vez: Que espécie de pai batiza um filho com o nome de Belial? Não basta que o pobre garoto já tenha um aspecto monstruoso, é necessário lhe dar um nome diabólico? É como se eu tivesse um filho e resolvesse dar para ele um nome como Caim ou Judas. Mesmo que seja um garoto fisicamente normal, esse nome vai persegui-lo por toda a vida. Não pode dar coisa boa.
Com parentes tão atenciosos assim, não é surpreendente o que aconteceu a seguir. Quando os garotos atingem 12 anos de idade, o pai dos garotos (que nunca gostou de Belial e até queria matar o filho deformado) resolve que os irmãos devem ser separados, de modo a garantir que ao menos o filho Duane tenha uma vida normal. Um grupo de médicos
com pouquíssima noção de ética profissional- formado pelo Dr.Lifflander (Bill Freeman), o Dr. Needleman (Lloyd Pace) e a Dra. Kutter (Diana Browne)- é contratado para realizar a operação. A cirurgia de separação é realizada de forma totalmente improvisada em uma sala de jantar, com os irmãos sendo trazidos à força e sem qualquer procedimento jurídico aceitável. A experiência da separação forçada se revela extremamente traumática para ambos os irmãos, que parecem compartilhar uma espécie de ligação mental.

Após a separação, Belial é jogado no lixo e Duane é levado para morar com seu pai. Porém, devido a sua ligação, Duane passa a ouvir mentalmente as súplicas e chamados de seu irmão deformado e vai ao seu resgate. Novamente reunidos, os irmãos resolvem se vingar de seu amoroso pai e conseguem apanhá-lo em uma armadilha que corta o homem ao meio.
Eu confesso que a morte do papai Bradley foi a morte que mais me agradou em todo o filme. Embora apareça durante menos de cinco minutos, esse personagem é tão incrivelmente irritante e repulsivo que a sua morte é realmente muito satisfatória e relaxante.

Após dar um fim à existência de seu amargurado progenitor, os irmãos voltam a ser cuidados por sua bondosa tia, que tenta fazer o melhor por eles, tratando ambos os garotos com amor e carinho. Porém, esse tempo de felicidade não dura para sempre e sua tia acaba falecendo após alguns anos.
Com a morte de sua tia, os irmãos resolvem voltar a sua trilha de vingança, decididos a caçar e eliminar os médicos que estiveram envolvidos na cirurgia que os separou. Nessa jornada de vingança sangrenta, os dois irmãos vão parar na famosa Times
Square, que nos anos 80 estava em franca decadência, tomada por prostitutas e traficantes de drogas. Nesse local pouco seguro, Duane resolve se hospedar no Hotel Broslin, uma pocilga da pior qualidade, um verdadeiro chiqueiro caindo aos pedaços e habitado pelos tipos mais estranhos. A cena em que Duane chega no hotel para se hospedar é memorável pela sua ruindade, com todos os atores envolvidos atuando de maneira extremamente exagerada, principalmente o gerente do hotel, que tem a cara de pau de dizer que seu estabelecimento é um “local respeitável”. Enquanto o gerente diz essa grande bobagem, é possível ver que a parede da recepção atrás dele está cheia de fotos pornográficas. Realmente, um lugar muito respeitável.

Logo após essa cena na recepção, somos brindados com outra atuação “formidável”. Ao subir as escadas para seu quarto, Duane é abordado por outra hóspede, uma mulher que claramente não bate bem da cabeça. A hóspede começa a lhe contar sobre a antiga moradora do quarto que Duane alugou, uma senhora idosa que dizia ser milionária e que, um belo dia, surgiu coberta de jóias e partiu, dizendo que iria viajar pelo mundo. Além de a estória ser totalmente absurda, ela acaba subitamente e a hóspede vai embora, sem nem ao menos se despedir, deixando Duane atônito. Ao longo do filme, outros moradores desse hotel cinco estrelas serão apresentados, como um velho hóspede ladrão que tenta roubar o dinheiro dos irmãos Bradley e é morto por Belial e a prostituta Casey (Beverly Bonner), que parece ser uma grande fã do Smiley (aquela carinha amarela sorridente e que foi um dos ancestrais dos emojis atuais) e tem o azar de se tornar alvo dos desejos amorosos de Belial.



Confortavelmente instalados na pequena espelunca, os irmãos Bradley começam a tramar sua vingança. Enquanto Duane busca localizar os médicos com o auxílio de uma lista telefônica e alguns arquivos roubados de sua primeira vítima (o Dr. Lifflander, morto na primeira cena do filme), Belial é o responsável por dar um fim aos alvos, pois o pobre irmão deformado é dotado de uma grande força física (capaz até de arrancar portas trancadas, rasgar carne humana como papel e erguer um ser humano com uma mão só) e uma incrível agilidade (podendo escalar por vários andares de um prédio), além de dentes afiados e unhas similares a garras. 

Mas a relação entre os irmãos é abalada quando Duane começa a se apaixonar por Sharon, a jovem secretária do Dr. Needleman, um dos alvos da vingança dos irmãos Bradley. Devido a sua ligação mental com seu irmão, Belial consegue captar os sentimentos de Duane pela moça e fica furioso de ciúmes.

Lançado no começo dos anos 80, Basket Case se aproveitou do fenômeno do VHS e das famosas sessões da meia-noite, promovidas em vários cinemas das principais cidades dos Estados Unidos e logo se tornou um verdadeiro clássico cult. Por outro lado, a crítica especializada foi, surpreendentemente, bastante generosa com a obra e a classificou como um filme divertido e interessante. Ao longo dos anos o filme ganhou uma verdadeira legião de fãs, que até hoje mantém viva a memória dessa obra-prima da tosqueira.

Basket Case foi o primeiro filme do diretor Frank Henenlotter no gênero de terror exploitation e se transformou em sua obra-prima. Originalmente, o diretor (que também escreveu o roteiro) apenas queria fazer um filme em que pudesse colocar suas ideias em prática e não precisasse se preocupar com o resultado final. O sucesso do filme e os inúmeros fãs que a obra conseguiu reunir pegaram Henenlotter totalmente de surpresa, pois ele acreditava que seu filme não era o tipo de cinema que o público estava acostumado a ver e gostar. Nos anos seguintes, Henenlotter se tornaria um dos principais nomes do cinema trash, sempre mantendo o mesmo estilo em suas obras: filmes de baixo orçamento, com roteiros nonsense e elenco pouco experiente.

Como todo filme trash raiz, Basket Case foi feito com um orçamento ridículo, de cerca de 35.000 dólares, um valor praticamente irrisório para o cinema norte-americano. O próprio Frank Henenlotter contou em entrevistas que o maço de dinheiro que o personagem Duane carregava durante o filme era, na verdade, todo o dinheiro do orçamento da obra. Grande parte da produção foi feita na base do improviso, de modo a economizar nos custos. Por exemplo, a maior parte dos efeitos sonoros foram produzidos pelo diretor Henenlotter e o produtor Edgar Ievins de forma improvisada e acrescentados na pós-produção.
Frank Henenlotter em 1982
Frank Henenlotter atualmente

A falta de recursos é visível principalmente no visual do pobre Belial. Um monstrengo
feito de borracha, que mais parece um monte de plástico derretido e que se move em um stop motion de quinta categoria. Inicialmente o diretor Henenlotter tentou manter sua criatura um pouco mais oculta, filmando apenas partes do monstro, como as mãos atacando uma vítima ou segurando um objeto ou apenas o cesto se mexendo quando Duane alimenta seu irmão, em um estilo similar ao que Don Manchini usaria em 1988 em seu famoso filme “Child’s Play” (conhecido no Brasil como “Chucky, O Boneco Assassino”), mostrando apenas closes e cenas com visão em primeira pessoa, de modo a manter o suspense. Mas, chega um momento em que parece que Henenlotter se cansou de todo esse suspense e resolveu mostrar sua criação em toda a sua glória. A partir daí somos brindados com alguns dos efeitos especiais mais mal feitos que se pode encontrar em um filme. A cena em que o monstrinho, em um ataque de ciúmes, destrói o quarto do hotel em que ele e seu irmão estão hospedados é quase um clássico da ruindade. O movimento de stop motion nessa cena é tão mal feito que fica realmente impossível levar o filme a sério.

Outros exemplos da falta de dinheiro na produção do filme é a “cicatriz” da cirurgia de separação, que Duane apresenta para o Dr. Needleman em certo momento do filme e que é obviamente uma simples sobreposição de imagens feita com pouquíssimo cuidado. Do mesmo modo, os créditos mostrados ao final do filme são uma grande mentira. Com sua imperturbável cara de pau, Henenlotter resolveu inventar vários nomes e funções para fazer com que o público pensasse que a equipe responsável pelo filme era muito mais grande do que realmente era. Mais uma grande jogada desse verdadeiro mito do trash.

Em relação ao roteiro, uma coisa é certa: dizer que ele é absurdo é elogiá-lo em demasia. As situações nonsense, os diálogos absurdos e os inúmeros furos no argumento falam por si. Desde o fato de que Belial consegue se mover em alta velocidade e ter uma força física monstruosa, mesmo sendo apenas uma cabeça com dois braços deformados, passando pelo fato de que a pequena criatura come quantidades absurdas de carne sem que seja explicado, em nenhum momento sequer, como funciona seu sistema digestivo e para onde vai tanta comida e culminando na estranha capacidade telepática dos irmãos, que conseguem conversar mentalmente e transmitir emoções, não importa a distância, tudo soa extremamente absurdo. 

A direção coroa a bizarrice com movimentos de câmera que não fazem sentido, closes desnecessários, ângulos de filmagem que não valorizam os personagens e os cenários. Em algumas cenas, é praticamente impossível entender em que lugar os personagens estão e qual sua posição em relação ao cenário. A montagem, que também foi feita por Frank Henenlotter, é outra loucura, deixando vários furos entre as cenas, parecendo que foi feita na base do salve-se quem puder. Além disso, o filme foi originalmente filmado em 16mm (ao invés dos 35mm que são padrão para produções cinematográficas) e depois de pronto, foi ampliado para o tamanho padrão. Essa técnica reduziu a qualidade das cenas e deixou toda a obra com um aspecto de filme caseiro.

Por outro lado, os atores são um verdadeiro capítulo à parte. Cada atuação do filme é extremamente forçada e hilariante, deixando óbvio que todos aqueles que atuaram nessa obra tinham pouco ou nenhum conhecimento de artes cênicas. O que se vê na tela é um festival de expressões duras e travadas, olhos arregalados, sorrisos forçados e falas bem pouco naturais, mostrando que os atores decoraram o texto, mas não sabiam como transmitir nenhuma emoção verdadeira em seus diálogos. Diálogos estes que são, em sua maioria, ridículos ao extremo.

Todos os atores são muito ruins e amadores, mas a atriz Terri Susan Smith, que interpreta a loira Sharon, é a maior de todas. A moça passa o filme todo soltando frases bobas e engraçadinhas, arreganhando os dentes em sorrisos forçados e fazendo caras e bocas em todas as suas atuações. Além disso, a atriz usa uma peruca em todas as cenas, pois estava careca na época das filmagens. Como a peruca é muito grande para sua cabeça, em diversas cenas o cabelo da personagem se move de forma diferente ao do restante de seu corpo, acrescentando outro elemento esdrúxulo a sua figura. Na minha opinião, Sharon é a melhor personagem do filme, simplesmente por ser a mais engraçada. Sempre que ela entra em cena e começa a falar, o riso é garantido.

Porém, todos esses defeitos não significam que não existem boas sequências ao longo do filme. Por exemplo, o longo flashback que conta toda a história sobre a origem dos irmãos Bradley e sua traumática cirurgia de separação é uma das cenas mais bem feitas do filme, com atuações até aceitáveis, uma fotografia bem melhorada, além de um trabalho de cenografia bastante decente.
O próprio título do filme é uma pequena brincadeira e traz um duplo sentido, pois basket case pode ser traduzido como cesto ou caixa, mas é também uma expressão em inglês que pode significar “caso perdido” e é comumente usada para se referir a um indivíduo extremamente nervoso ou ansioso e que perde a paciência facilmente, numa clara referência ao infeliz Belial.  A ideia desse título foi elaborada por Frank Henenlotter depois que ele teve a ideia de um filme sobre um monstro vivendo dentro de uma cesta.

Com todos os seus elementos toscos, Basket Case se transformou em uma obra-prima trash de respeito e, com o tempo, adquiriu status de filme cult, conquistando inúmeros fãs ao longo do mundo e mantendo uma grande popularidade junto ao público que ama obras cinematográficas do gênero trash. Toda essa popularidade garantiria ao filme duas continuações, cada uma mais absurda que a outra, ambas dirigidas pelo mesmo Frank Henenlotter.
Se você tem o gosto refinado de um amante do cinema trash, Basket Case é um filme que você vai apreciar muito. Eu, com certeza, recomendo.

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