domingo, 28 de junho de 2020

Robo Vampire


Robo Vampire (1988)

Imagine que você é jovem e está vivendo no final da década de 1980. Não existem nem a internet, nem telefones celulares e a televisão é muito diferente daquela que conhecemos hoje. Para conseguir um pouco de diversão para seu final de semana, você vai a uma videolocadora para alugar um filme. Pesquisando entre as inúmeras prateleiras, você encontra uma fita VHS com essa bela imagem acima como capa.
Parece incrível, não é? Um Robocop com uma metralhadora, enfrentando diversos seres semelhantes a vampiros, enquanto ao fundo aparecem explosões e helicópteros. Com certeza, o filme que usa uma imagem assim para se promover deve ser um super filme de ação, no mesmo nível dos melhores exemplares do gênero. Entusiasmado, você aluga a fita e a leva para casa, ansioso para poder assistir a esse filme tão incrível.
Pois você foi enganado. Se existe um exemplo claro e inegável do crime de propaganda enganosa, esse exemplo é Robo Vampire, essa obra infame, fruto da pior (ou melhor, dependendo do ponto de vista) picaretagem dos anos 80.
Robo Vampire é uma obra tão única em sua ruindade, que fica até mesmo difícil saber por onde começar uma resenha sobre ela. Geralmente, eu procuro começar falando sobre a trama do filme, mas nesse caso NÃO EXISTE TRAMA. O filme é uma colagem de cenas desconexas, que o diretor tentou fazer parecer que tinham alguma coerência entre si, mas seu trabalho foi tão mal feito que tornou impossível compreender certos trechos do filme.
Mas, vamos começar falando sobre os responsáveis por criar essa obra de qualidade indiscutível. Para começar, existe uma grande controvérsia sobre quem foi o diretor de Robo Vampire. O IMDb (Internet Movie Database) afirma que o diretor foi Godfrey Ho, um diretor nascido em Hong Kong e que ficaria conhecido nos anos 80 por fazer diversos filmes meia boca com ninjas. Já o site do Rotten Tomatoes afirma que o diretor foi Joe Livingstone, um completo desconhecido. Do mesmo modo, o nome do roteirista do filme também é outra controvérsia. O IMDb afirma que foi Godfrey Ho quem escreveu o absurdo roteiro do filme. Já o Rotten Tomatoes afirma que foi William Palmer, outro completo desconhecido.
O único nome da equipe técnica que é um consenso é o do produtor do filme, um senhor chamado Tomas Täng, que costumava usar o pseudônimo de Jhon King, e que foi o fundador da Filmark International, uma produtora de filmes baseada em Hong Kong, que criou inúmeras pérolas do cinema trash asiático com ninjas, artes marciais e cenas de ação, tudo de quinta categoria e muito mal feitas.  
Tomas Täng


Não são poucos os que acreditam que foi o próprio Tomas Täng que escreveu o roteiro e dirigiu o filme, e depois usou alguns pseudônimos para fazer parecer que outros foram os responsáveis por essas tarefas. Em minha opinião, isso é perfeitamente possível, afinal a grande maioria dos créditos deste filme é uma mentira, com vários nomes e funções inventados por Täng para fazer parecer que sua equipe era muito maior do que realmente era. O senhor Tomas Täng era dotado de uma cara de pau inabalável e não via nenhum problema em explorar qualquer oportunidade que surgisse com o intuito de ganhar alguns trocados com seus filmes. Desse modo, tentando se aproveitar do sucesso de “Robocop”, que havia arrasado nas bilheterias no ano anterior, Täng resolveu criar sua própria obra sci-fi, mesclando um policial ciborgue com artes marciais e vampiros. Assim surgiu Robo Vampire.
Pois bem, vamos falar um pouco do filme, começando pelo roteiro, que, desde já lhes aviso, é uma loucura de proporções colossais.
Uma quadrilha de traficantes de drogas de Hong Kong está tendo muitos problemas com a agência antidrogas local, principalmente com as operações lideradas pelo policial Tom, um agente que está conseguindo causar sérios prejuízos aos traficantes. Disposto a acabar com Tom, de uma vez por todas, o líder da quadrilha prepara um plano perfeito, totalmente sem falhas: contratar um monge taoísta para que adestre vampiros para caçar Tom e seus colegas policiais!



Sim, isso mesmo que você acaba de ler. A grande ideia do senhor bigodinho aqui acima é alugar vampiros amestrados para que cacem os policiais. Para ficar mais claro: é como se o Bope estivesse causando muitos problemas ao Comando Vermelho no Rio de Janeiro e os chefes do tráfico resolvessem contratar um pai-de-santo para adestrar o Chupa-cabra para que caçasse os agentes da PM. Você achou isso uma ideia absurda? Pois aguarde um pouco, pois isso é só o começo do festival de maluquices desse filme.

O monge taoísta é contratado e começa seus trabalhos, preparando vários vampiros adestrados para os traficantes. A quadrilha envia uma dupla de bandidos para auxiliar o monge e vigiar os vampiros. Pois esses dois criminosos são os dois imbecis mais imbecis da face da Terra e conseguem despertar os vampiros, que começam a atacar a dupla. E é aí que somos brindados com uma das cenas mais engraçadas do filme, enquanto a dupla de cabeças ocas tenta se salvar do ataque dos vampiros. Por muito pouco os dois criminosos conseguem se salvar, graças à intervenção do monge.


E, nesse momento, você deve estar se perguntando ao ver essa cena: “Mas que raios de vampiros são esses?” Pois esses, meus amigos, são os Jiangshi, os vampiros da mitologia chinesa. Esses seres são muito diferentes daqueles que nós estamos acostumados a conhecer da mitologia ocidental. Os Jiangshi são retratados como seres
mortos-vivos revividos por magia negra e que sugam a força vital dos seres vivos. Esses vampiros se vestem com trajes chineses tradicionais e se movem com pequenos saltos. Por isso são conhecidos como vampiros saltitantes. Os poderes dessas criaturas também são bastante diferentes, incluindo teletransporte, invulnerabilidade, força física ampliada, capacidade de lançar um gás corrosivo pela boca (!!) e lançar mísseis mágicos pelas mãos (!!!). Do mesmo modo, as debilidades desses vampiros são totalmente diferentes dos seus primos ocidentais: cruzes, água benta e alho são totalmente inúteis e a única forma de detê-los é colando um selo (um papel especial com encantamentos escritos) em suas testas (!!!!). Os Jiangshi são imunes até mesmo à luz do sol, podendo caminhar tranquilamente em pleno dia. Nos anos 80, os Jiangshi haviam se tornado uma moda em toda a Ásia, devido aos filmes feitos em Hong Kong, e o produtor Tomas Täng resolveu aproveitar essa moda e incorporá-los à sua memorável obra.




Com os vampiros prontos para trabalhar junto com os traficantes, o monge resolve realizar um trabalho ainda mais refinado e criar um super vampiro. Porém, surge nesse instante um novo personagem, o fantasma de uma bruxa chamada Christine (!!!!!), que
acusa o monge de ter roubado o cadáver de seu amante e transformá-lo em uma besta vampiro (!!!!!!). E assim, o monge e a fantasma protagonizam um dos diálogos mais surreais e hilariantes do cinema:
Christine: - Como se atreve a roubar o cadáver de meu amante e transformá-lo em uma besta vampiro? Agora ele está condenado a ser um morto-vivo e não poderemos estar juntos no além vida.
Monge: - Ele é oriental e você ocidental. Como se explica isso?
Christine: - Os orientais são obstinados e seus pais se opunham a nosso casamento. Então, decidimos que, se não podíamos ficar juntos nessa vida, estaríamos unidos no além vida. Mas você nos privou disso, convertendo ele em uma besta vampiro. Agora penso apenas em minha vingança. Meus sonhos vieram abaixo e você é o responsável por meu sofrimento.
Resumindo esse enredo de escola de samba: um casal estava apaixonado. Ele era um rapaz asiático e ela, uma bruxa ocidental. Os pais do rapaz se opunham ao namoro e, diante da impossibilidade de ficarem juntos neste mundo, o casal resolveu se suicidar para que pudessem viver juntos no além vida. Porém, como o monge roubou o cadáver do rapaz e o reviveu como vampiro, suas almas ficaram separadas e agora Christine voltou como um fantasma em busca de vingança (!!!!!!!!!!!!!!).
Diante desse roteiro tão fenomenal e revolucionário, é necessário tomar um pequeno tempo para respirar e tentar entender o que está passando. Entretanto, o senhor Täng não está disposto a nos conceder esse descanso e insere, totalmente de golpe, sem nenhuma preparação ou desenvolvimento, uma trama paralela, absolutamente desconectada da trama principal do filme. Nessa trama paralela acompanhamos uma agente da agência antidrogas que acaba capturada por uma outra quadrilha de traficantes e é necessário resgatá-la. Para realizar essa difícil missão é enviada uma equipe de agentes super treinados e fortemente armados.


Essa trama paralela é a prova cabal da cara de pau do senhor Tomas Täng. Qualquer um que assista Robo Vampire se dará conta que essa trama paralela não encaixa no restante do filme, inclusive apresentando uma fotografia, roteiro e ritmo completamente diferentes. E a explicação para essas diferenças é muito simples: o senhor Täng resolveu aproveitar cenas de um filme tailandês de 1984, chamado “Paa Lohgan” e colocá-las em seu próprio filme. Assim, ele podia aproveitar as cenas de ação do filme tailandês, que eram muito melhores do que aquelas que ele poderia bancar e economizar em custos de filmagem, já que as cenas “reaproveitadas” podiam cobrir bastante tempo de tela e ajudar Robo Vampire a ter maior metragem, sem precisar gravar mais cenas. Mais uma prova da genialidade de Tomas Täng.

Mas, voltemos para a fabulosa trama principal. Depois de lutar com a fantasma/bruxa Christine e perceber que ela é bastante poderosa, o monge taoísta resolve apelar para seu super vampiro. E quem é essa criatura monstruosa? Pois, por pura vontade do roteiro, o super vampiro é o falecido amante de Christine, que agora foi revivido como um vampiro melhorado com... cara de gorila (!!!!!!!!!!!!!!!!!!). Isso mesmo. A produção para representar o “super vampiro” se resumiu a vestir um ator qualquer com uma máscara de gorila (que deve ter sido comprada em uma lojinha de R$ 1,99). Que maravilha!

Christine e o super vampiro se enfrentam, mas a fantasma/bruxa consegue apelar para o poder do amor e liberta seu amante do controle do monge. Vendo que perderá o controle da situação, o monge resolve aceitar o pedido de Christine e realiza o casamento do casal mais estranho que já foi retratado nas telas do cinema. E agora, agarrem-se em suas cadeiras e poltronas, pois vou revelar o nome do super vampiro, um nome tradicionalmente oriental, mais oriental impossível: Peter! PETER! Isso mesmo. O senhor Tomas Täng escreveu seu roteiro com tanto cuidado que se esqueceu de colocar um nome chinês em seu personagem, o mesmo personagem que tinha sido retratado um pouco antes como sendo filho de um casal tão radicalmente oriental que se negava a aceitar o casamento de seu filho com uma mulher que não fosse chinesa. Pois parece que esse casal, na hora de batizar seu filho, resolveu colocar um nome tipicamente inglês no garoto. Se ainda faltava um exemplo mais claro da total patacoada que foi o trabalho do senhor Täng ao escrever e dirigir essa história, aqui está ele.
Porém, você deve estar se perguntando nesse momento: “- Onde raios está o maldito robô? O filme se chama Robo Vampire, mas até agora não apareceu nenhum robô.” Pois não se preocupe, é chegada a hora de entrar em cena a parte high tech do filme. Acontece que o policial Tom, aquele mesmo que foi responsável pela fúria dos traficantes no início do filme, acaba morto pelo super vampiro Peter em uma emboscada (uma das mortes mais ridículas e engraçadas que eu já vi).
Confirmada a morte de Tom (confirmação que é feita em um cenário de hospital muito mal feito), simplesmente entra em cena um personagem que resolve transformar o corpo de Tom em um ciborgue super avançado. Mais uma vez, como é habitual na obra do senhor Täng, tudo é feito sem nenhuma preparação ou desenvolvimento. O diálogo entre o "cientista" e o chefe da polícia é ridículo e surreal ao mesmo tempo. 

        Depois de uma cena de construção simplesmente fenomenal, em um laboratório capaz de fazer Elon Musk se roer de inveja, surge o robô Warrior, o pesadelo dos criminosos, o futuro do combate ao crime, o defensor da lei e da ordem e, acima de tudo, a coisa mais ridícula que você poderia imaginar.



Se o super vampiro com cara de gorila parecia tosco, contemplem nosso herói: um ator vestindo uma roupa de nylon, pintada com tinta spray prateada e usando um capacete que é uma mistura entre uma máscara de solda e um boné de gari, com uma antena de rádio acoplada (sabe-se lá para que). Chamar esse traje de feio e idiota é elogiar demais. A roupa é tão estúpida, mas tão estúpida, que se torna divertida. É hilariante ver como Täng tentou convencer seu público que essa coisa se trata mesmo de um robô, fazendo o ator se mover de forma travada e inserindo os clássicos sons “robóticos” nos movimentos do robô Warrior. Toda essa mistura de bizarrices acaba se revelando extremamente engraçada e garante algumas das melhores cenas do filme.


Com o robô Warrior preparado para ação, a agência antidrogas parte para o combate aos traficantes e vampiros, em cenas de ação péssimas, com lutas de artes marciais muito mal coreografadas e efeitos especiais da pior qualidade.
Robo Vampire é um completo absurdo e, por isso mesmo, é extremamente divertido. O senhor Täng não se preocupava muito com a qualidade final das obras que produzia. Seu objetivo principal era ganhar dinheiro com produções baratas e, para isso, ele economizava o máximo que podia na realização de seus filmes. Essa economia é mais do que evidente em Robo Vampire, seja nos cenários, figurinos e maquiagens (todos muito toscos), seja na pouca experiência dos atores (todos muito ruins), seja nos efeitos especiais (todos muito ridículos). 

    Com toda essa (falta de) qualidade, Robo Vampire acabou caindo no ostracismo durante muito tempo, mas acabou sendo resgatado pela internet, que fez esse filme absurdo ser conhecido no mundo todo, principalmente através do Youtube. Se você quiser conhecer essa obra-prima da tosquice, basta fazer uma pesquisa na internet que você vai encontrá-lo facilmente. 

    Eu realmente recomendo esse filme para todos os amantes do cinema trash. Mas deixo aqui um aviso: Vá preparado! Preparado para muitas risadas. 





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