Monster- A Ressureição do Mal
(Rawhead Rex, 1986)
A família Hallenbeck está
visitando as belas paisagens do vilarejo de Rathmore, no interior da Irlanda.
Enquanto o pai, Howard (David Dukes), se dedica a fotografar túmulos e lugares
sagrados para uma pesquisa que está fazendo sobre paganismo nas antigas comunidades
rurais irlandesas, sua esposa Elaine (Kelly Piper) e seus filhos pequenos,
Robbie (Hugh O’Connor) e Minty (Cora Lunny) estão entediados e querem ir embora
daquele lugar.
Perto dali, três
agricultores estão tentando derrubar um antigo monólito de aparência fálica que está no meio de uma
lavoura. Após tentar de todo jeito derrubar a coluna de pedra, dois deles
desistem e vão para casa jantar. O terceiro permanece na lavoura, lutando
contra o monólito, até que consegue movê-lo. Imediatamente uma névoa começa a
sair do solo. De repente, um raio atinge o monólito, que cai ao solo. Uma
criatura horrenda emerge da terra e mata o pobre agricultor que o libertou.
O monstro, uma antiga
divindade/demônio pagão que foi aprisionada naquele lugar há muito tempo atrás,
começa a matar os moradores do pequeno vilarejo, despedaçando seus corpos e
comendo pedaços de sua carne. Enquanto isso, a família Hallenbeck resolve
partir, mas na viagem são afligidos por uma tragédia. Em um momento de
distração de seus pais, o pequeno Robbie é atacado pelo monstro e acaba sendo
devorado. Tomado pela ira e com o desejo de vingança em seu coração, Howard
resolve dar um fim na terrível criatura que matou seu filho. Para isso, ele precisará
decifrar os sinais que estão espalhados pela igreja do vilarejo e que parecem
ser a chave para derrotar a terrível entidade maligna sedenta de sangue.
Lançado em 1986, com base em
um conto do famoso autor britânico Clive Barker (criador dos livros de “Candyman”
e da saga “Hellraiser”) e dirigido por George Pavlou (que já havia trabalhado
com Barker um ano antes, no filme “Transmutations”, que foi lançado no Brasil
com o título de “Subterrâneos- A revolta dos mutantes”), Rawhead Rex (algo como Rei Cabeça Pelada, em uma tradução livre) foi
um filme pouco apreciado em sua época, devido principalmente a sua divulgação
limitada e ao aspecto inegavelmente tosco da obra. Durante muito tempo o filme
esteve esquecido, até ser resgatado por uma nova legião de fãs e se tornar um
verdadeiro filme Cult, reverenciado por muitos como uma pérola do cinema trash.
No Brasil a obra foi exibida
à exaustão no extinto Cine Trash, da Rede Bandeirantes (apresentado pelo saudoso
Zé do Caixão), onde recebeu diversos nomes diferentes, uma forma muito safada que
os produtores do programa encontraram para fazer parecer que se tratavam de
filmes diferentes e manter vivo o interesse do público (essa prática era
bastante comum na época e era usada por várias emissoras e em vários programas).
Porém, o nome que ficou mais associado com o filme foi Monster- A Ressurreição do Mal, um título bastante estúpido e que
não tem nada a ver com o filme em si, o que apenas contribui para aumentar o
status de filme 100% trash. Independente do título, o filme também se tornou
Cult para o público brasileiro, criando uma legião de fãs brazucas que se
dedicam a manter viva a memória dessa obra. Até hoje é possível encontrar
pessoas que buscam encontrar esse filme através da internet.
Com um orçamento irrisório,
bem abaixo dos valores das grandes obras do cinema da época, o filme sofreu com
a falta de recursos. Isso fica logo evidente no visual da criatura/monstro: uma
simples máscara de borracha, que não permite quase nenhuma expressão facial
além de uma cara de raiva constante, olhos vermelhos esbugalhados e uma bocarra
escancarada, e um traje preto esfarrapado que mais parece uma roupa de roqueiro
de uma banda de heavy metal, não compõem um visual muito assustador. Isso sem
falar no cabelo ridículo do monstro, que ostenta um moicano de última
qualidade. O traje do monstro foi feito em uma peça única de látex, como uma
forma de diminuir os custos de produção. Esse traje era muito desconfortável e
limitava demais os movimentos do ator Heinrich Von Schellendorf, que
interpretou o monstro. O resultado disso na tela foi horrível. Não é possível fazer
com que o público tenha medo vendo aquela criatura toda mal feita, andando de
maneira travada, com as pernas abertas e os braços duros. Para piorar, o filme
nem sequer tenta esconder seu monstro, que é apresentado logo de cara em cenas
filmadas de dia, com bastante claridade e de corpo inteiro, além de vários closes
em seu rosto/máscara, deixando toda a tosqueira à mostra.
Outro ponto que contribui
para a tosquice generalizada são as atuações extremamente exageradas,
principalmente as do pároco Declan O’Brien (interpretado por Ronan Wilmot), que
está sempre com uma expressão forçadíssima de tensão no rosto.
Mas é esse mesmo Declan O’Brien
que acaba servindo como exemplo perfeito dos motivos que levaram Rawhead Rex a se tornar Cult. O personagem
do pároco insano, que se torna um adorador do monstro Rawhead, brinda o público
com as cenas mais memoráveis do filme, com destaque para a impagável cena do
que poderíamos chamar de “batismo dourado”, quando o monstro resolve
recompensar o pároco por sua servidão e dá uma urinada no religioso, para o deleite de O’Brien,
que parece estar no ápice da alegria. Enquanto isso, o Reverendo Coot
(interpretado por Niall Toibin), observa a cena de longe e, agindo como uma representação
do público que está assistindo o filme, reage enojado, fugindo logo em seguida.
Essa fuga termina com outra atuação amalucada do pároco O’Brien, que encurrala
o reverendo e começa a fazer um discurso sobre quem é na verdade o monstro
Rawhead, discurso esse que o pároco faz mantendo uma permanente cara de doido
varrido e pontuando a fala com gritos, risadas forçadas e frases ridículas, em
uma mistura simplesmente hilariante. O discurso, que deveria soar como algo
solene e impactante, acaba arrancando risos involuntários, tamanho o exagero da
performance do ator Ronan Wilmot.
O roteiro do filme é outro
ponto a ser considerado. Embora tenha sido escrito pelo próprio Clive Barker, o
roteiro apresenta diversos furos. Eu tive o trabalho de listar aqueles furos que
me pareceram mais importantes:
- Qual é o verdadeiro objetivo
do Rawhead e por que ele mata indiscriminadamente todas aquelas pessoas. Ele quer
dominar o mundo? Quer ser adorado como um deus? Ou quer apenas tocar o terror?
- Como o Rawhead consegue
converter as pessoas para que sejam totalmente leais a ele, a ponto de um chefe
de polícia aceitar tocar fogo em todos os seus colegas e morrer queimado junto,
apenas para agradar ao monstro. Controle mental? Hipnose? Possessão demoníaca?
- Por que o Rawhead somente
pode ser derrotado daquela forma e como a personagem que acaba derrotando o
monstro, soube como fazer para derrotá-lo. Ela recebeu uma mensagem do além?
Foi possuída por espíritos antigos? Leu sobre isso em algum livro? Ou foi apenas
um chute de sorte?
Todas essas questões ficam
apenas jogadas na trama e nunca tem um desfecho claro. Mas isso não é um
problema de verdade. A falta de coerência e explicações do roteiro apenas
agrega um charme a mais ao filme.
Com um roteiro todo furado, atuações
exageradas, muitas mortes grotescas, com muito gore mal feito, tudo aliado com
as situações absurdas que o roteiro coloca na tela (como na cena em que o
monstro ataca um acampamento de trailers e os moradores ficam parados vendo o
monstro massacrar seus vizinhos, sem que ninguém resolva fugir ou se defender
da criatura), contribuem para tornar o filme muito divertido, um perfeito exemplo
dos melhores filmes de terror trash que, ao invés de meter medo, causam risadas
incontroláveis. Talvez a única coisa bem feita do filme todo seja a fotografia,
com belas paisagens da Irlanda rural, apresentadas em planos amplos e bem
coloridos.
Como toda boa obra trash, não
faltam as cenas de nudez desnecessária, diálogos ridículos, violência exagerada
(mas não excessiva, nem demasiadamente gráfica) e perseguições dentro de casas
e no meio de florestas. O cardápio completo.
Uma legítima podreira trash
que merece uma conferida.
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