A Noite do Terror (1981)
Durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, um
tipo de cinema surgiu e cresceu rapidamente, se aproveitando do crescente
mercado de filmes e, posteriormente, do VHS, e abusando da falta de informação
de que padecia a maioria dos amantes de cinema na época. Era o cinema
exploitation.
Basicamente, o cinema exploitation se baseava em encontrar algum gênero cinematográfico que estivesse em alta e explorá-lo até o limite do possível, produzindo filmes de baixa qualidade, com um orçamento mínimo e tentar disfarçar o nível putrefato de ruindade dessas obras com cenas de nudez e violência e/ou pegando carona em filmes melhores que estavam atraindo um bom público na época. Com amplas doses de falta de vergonha na cara, diretores inescrupulosos produziram sequências falsas de filmes famosos, tais como “Alien 2- Sulla Terra” (1980), de Ciro Ippolito e Biagio Proietti, “O Último Tubarão” (1981), de Enzo G. Castellari e “Zumbi 3” (1988), que contou com o trabalho em conjunto de três lendas do exploitation italiano, os senhores Lucio Fulgi, Claudio Fragasso e Bruno Mattei.
O cinema exploitation floresceu em vários lugares,
principalmente em aquelas nações que tinham uma indústria de cinema em
nascimento e onde os envolvidos nesta indústria utilizaram os filmes
exploitation como uma forma de conseguir arrecadar um pouco de dinheiro para
seus projetos. Alguns dos países onde o cinema exploitation conseguiu alcançar
um enorme potencial foram Espanha, Hong Kong, Austrália, Brasil (com nossas “pornochanchadas”
e a mitológica Boca do Lixo) e, é claro, os Estados Unidos. Mas, o país que
mais contribuiu para esse gênero do cinema foi, de longe, a Itália. Os italianos
conseguiram conjugar a “criatividade” de seus roteiristas e diretores com uma
total falta de limites, tanto no campo ético quanto no campo moral e legal,
para produzir algumas verdadeiras obras-primas do cinema de baixa qualidade.
Com o crescimento do exploitation, surgiram várias vertentes deste gênero, com as principais sendo: o nazisploitation (filmes mequetrefes sobre nazistas), o brucexploitation (filmes vagabundos de artes marciais com clones de Bruce Lee), o blaxploitation (filmes de baixo orçamento com elenco quase que exclusivamente composto por atores negros), o canibalexploitation (filmes de péssima qualidade sobre tribos de canibais em lugares isolados) e o zombiexploitation (filmes pútridos com zumbis muito mal feitos).
E foi justamente baseado nesta última vertente
que o diretor italiano Andrea Bianchi resolveu apostar. Conhecido por seus
filmes exploitation com muita violência, nudez e insinuações sexuais, tais como
“Nua para o Assassino” (1975), “Uma Fresta no Teto” (1972) e “Morbosamente
Vostra” (1985), Bianchi contratou o também italiano Piero Regnoli para escrever
o roteiro, juntou um grupo de atores conhecidos na época por participarem nesse
tipo de filmes apelativos e, com um orçamento ínfimo, produziu A Noite do
Terror (Le Notti del Terrore, no original), uma obra de gosto extremamente
duvidoso.
O filme começa com o professor Harris (Raimondo Barbieri), um senhor barbudo que parece estar fazendo escavações arqueológicas em um antigo túmulo etrusco. O homem parece descobrir algum segredo oculto durante suas escavações, mas antes que possamos descobrir do que se trata, ele volta ao túmulo para escavar mais e acaba sendo atacado e morto por um bando de zumbis que emergem das catacumbas.
Pouco depois, vários veículos chegam na villa onde o professor Harris estava realizando seu trabalho. São alguns casais de amigos que o professor convidou para passarem alguns dias juntos com ele e aos quais pretendia revelar alguma informação importante. O principal casal é composto por Evelyn (Mariangela Giordano), George (Roberto Caporalli) e seu filho Michael (Pietro Barzocchini). E aqui somos apresentados a uma das principais características do exploitation italiano, os nomes “americanizados”. Como a maioria dos filmes produzidos na Itália tinham como objetivo o mercado americano de VHS, era comum que os personagens tivessem nomes de estilo americano. Também era comum que os atores, diretor e demais membros da equipe tivessem seus nomes alterados nos créditos, de modo a soar mais americanos.
Os casais se instalam na casa e são informados pelos empregados que o professor está ocupado com suas escavações, mas que virá recebê-los assim que for possível. Após se acomodarem, os casais aproveitam para fazer um pouco de sexo, afinal estamos em um filme exploitation italiano, onde é praticamente obrigatório mostrar nudez e cenas de sexo semiexplícito. É então que Evelyn e George acabam sendo surpreendidos em meio ao ato sexual por seu filho Michael. Como se a situação já não fosse incômoda e constrangedora o suficiente, o menino atua de forma muito estranha e perturbadora, com um olhar vidrado e uma expressão muito bizarra no rosto.
E esse é o maior triunfo desse filme, a (má) atuação de Pietro Barzocchini (ou Peter Bark, seu nome “americanizado” que aparece nos créditos), um ator que já tinha cerca de 30 anos na época das filmagens, mas que foi escalado para fazer o papel de um garoto de 13 anos. Como o ator sofria de um tipo raro de nanismo e seu tipo físico era bastante similar ao de uma criança, os produtores acharam que seria uma boa ideia colocá-lo para interpretar o filho do casal George e Evelyn. Porém, se esqueceram de reparar que o ator tinha a cara de um homem adulto, além de ter uma expressão bizarra e aterradora em alguns momentos. Isso sem falar que Pietro é um ator medíocre (mas isso pode ser dito de todos os “atores” desse filme).
Pois foi exatamente toda a bizarrice de vermos um homem adulto (tentar) atuar como uma criança na tela, aliado a toda a estranheza que as expressões de Pietro conseguem causar no público, que marcaram este filme e o converteram em um clássico cult. Sejamos sinceros, o filme é uma porcaria. As atuações são péssimas, o “roteiro” é ridículo e as maquiagens dos zumbis são uma atrocidade (ao ponto de um deles estar usando uma máscara do Frankenstein de Boris Karloff, com uma peruca e um pouco de sangue falso para disfarçar). Entretanto, vale a pena assistir essa obra tosca apenas para ver o senhor Pietro “atuando” como Michael.
Na manhã seguinte, após o café da manhã, os casais se separam e vão explorar a propriedade. Alguns vão tirar fotos, aproveitando os jardins da propriedade, enquanto outros apenas buscam aproveitar um pouco de tempo ao ar livre. De repente, coisas misteriosas começam a acontecer na casa. As luzes piscam e as lâmpadas estouram, deixando os empregados apavorados. Enquanto isso, os zumbis estão livres e se aproximam cada vez mais.
George e Evelyn vão até um dos porões da casa para ver as estatuas e demais artefatos recuperados pelo professor em suas escavações e resolvem aproveitar o lugar para praticar um pouco de... tiro ao alvo? Além da falta de sentido da cena, Michael se comporta o tempo todo como um moleque mimado e não deixa seus pais em paz um segundo sequer.
Um dos casais, composto por Mark (Gianluigi Chirizzi) e Janet (Wilma Truccolo), é atacado pelos zumbis, mas consegue escapar. Na cena seguinte, somos brindados com a fala mais memorável do filme, quando Michael cheira um pano velho que estava jogado no porão junto aos outros artefatos. O “menino” corre até sua mãe e diz: “Mamãe, este pano cheira a morte!”. Realmente, o roteiro deste filme é um primor no que se refere a diálogos.
Logo depois, os zumbis entram no porão e atacam
a família. George tenta se defender com sua pistola, enquanto Evelyn e Michael
fogem. No fim, George acaba morto pelos zumbis.
Os ataques prosseguem. Janet prende seu pé em uma armadilha para ursos e Mark tem que lutar contra os zumbis para protege-la. A luta só termina quando casal Leslie (Antonella Antinori) e James (Simoni Mattioli) chega para ajudá-los. Logo, todos os sobreviventes terminam encurralados na casa.
E é na casa que somos brindados com outra cena memorável, quando Michael, se aproveitando do desespero de sua mãe, tenta enfiar sua mão embaixo do vestido de Evelyn, que reage dando um tapa no filho, o qual pergunta: “Por quê? Sou seu filho!”. Então, finalmente entendemos por que Pietro Barzocchini foi escolhido para esse papel. Com certeza, os responsáveis pensaram que seria muito estranho colocar um menino para interpretar esta cena de incesto e optaram por um ator adulto. Entretanto, o resultado ficou ainda pior e a cena é extremamente constrangedora e incômoda.
O filme foi, em grande parte, filmado na Villa Parisi-Borghese, em Frascati, uma bela propriedade construída em 1604. Localizada a 21 km de Roma, a villa foi utilizada como cenário para vários filmes durante essa época, entre os quais “Sangue para Drácula” (1974) e atualmente pode ser alugada para cerimônias como festas e casamentos. Existe até um site com informações sobre a villa, se alguém estiver interessado em conhecer mais sobre o lugar: http://www.parisivilla.com/location/. Outra parte das cenas foi filmada com cenários reutilizados de outros filmes, nos estúdios De Paolis, em Roma. A diferença entre esses cenários é muito visível, visto a pobreza dos cenários em estúdio em comparação com a qualidade das cenas gravadas na villa.
Como era comum na época, A Noite do Terror recebeu vários nomes ao ser lançado no exterior, tais como “Nights of Terror”, “Burial Ground” ou “Massacre Zombie”. No Brasil não foi diferente e o filme, além do título já mencionado, recebeu os nomes de “Noites de Terror” e “A Noite dos Mortos-Vivos” (é claro que não poderia faltar um plágio a obra de George Romero). Esse tipo de confusão era comum na época, pois cada distribuidora colocava no filme o título que lhe viesse à mente, não importando se a tradução era a correta ou se o título não tinha nada a ver com a obra em si.
Com o passar dos anos, A Noite do Terror conseguiu reunir uma grande legião de fãs e recebeu o status de filme cult, sendo considerado uma obra prima da tosquice cinematográfica.
Embora seja um filme terrivelmente ruim, vale a pena dar uma conferida se você for um fã hardcore de filmes trash.