domingo, 17 de abril de 2022

A Noite do Terror

 

A Noite do Terror (1981)

Durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, um tipo de cinema surgiu e cresceu rapidamente, se aproveitando do crescente mercado de filmes e, posteriormente, do VHS, e abusando da falta de informação de que padecia a maioria dos amantes de cinema na época. Era o cinema exploitation.

Basicamente, o cinema exploitation se baseava em encontrar algum gênero cinematográfico que estivesse em alta e explorá-lo até o limite do possível, produzindo filmes de baixa qualidade, com um orçamento mínimo e tentar disfarçar o nível putrefato de ruindade dessas obras com cenas de nudez e violência e/ou pegando carona em filmes melhores que estavam atraindo um bom público na época. Com amplas doses de falta de vergonha na cara, diretores inescrupulosos produziram sequências falsas de filmes famosos, tais como “Alien 2- Sulla Terra” (1980), de Ciro Ippolito e Biagio Proietti, “O Último Tubarão” (1981), de Enzo G. Castellari e “Zumbi 3” (1988), que contou com o trabalho em conjunto de três lendas do exploitation italiano, os senhores Lucio Fulgi, Claudio Fragasso e Bruno Mattei.


O cinema exploitation floresceu em vários lugares, principalmente em aquelas nações que tinham uma indústria de cinema em nascimento e onde os envolvidos nesta indústria utilizaram os filmes exploitation como uma forma de conseguir arrecadar um pouco de dinheiro para seus projetos. Alguns dos países onde o cinema exploitation conseguiu alcançar um enorme potencial foram Espanha, Hong Kong, Austrália, Brasil (com nossas “pornochanchadas” e a mitológica Boca do Lixo) e, é claro, os Estados Unidos. Mas, o país que mais contribuiu para esse gênero do cinema foi, de longe, a Itália. Os italianos conseguiram conjugar a “criatividade” de seus roteiristas e diretores com uma total falta de limites, tanto no campo ético quanto no campo moral e legal, para produzir algumas verdadeiras obras-primas do cinema de baixa qualidade.

Com o crescimento do exploitation, surgiram várias vertentes deste gênero, com as principais sendo: o nazisploitation (filmes mequetrefes sobre nazistas), o brucexploitation (filmes vagabundos de artes marciais com clones de Bruce Lee), o blaxploitation (filmes de baixo orçamento com elenco quase que exclusivamente composto por atores negros), o canibalexploitation (filmes de péssima qualidade sobre tribos de canibais em lugares isolados) e o zombiexploitation (filmes pútridos com zumbis muito mal feitos).

"Ilsa, A Mulher Lobo das SS" (1974), um dos Nazisploitation mais famosos
"Blacula, O Vampiro Negro" (1972), obra-prima do Blaxploitation
"Cannibal Ferox" (1981), um Canibalexploitation típico

E foi justamente baseado nesta última vertente que o diretor italiano Andrea Bianchi resolveu apostar. Conhecido por seus filmes exploitation com muita violência, nudez e insinuações sexuais, tais como “Nua para o Assassino” (1975), “Uma Fresta no Teto” (1972) e “Morbosamente Vostra” (1985), Bianchi contratou o também italiano Piero Regnoli para escrever o roteiro, juntou um grupo de atores conhecidos na época por participarem nesse tipo de filmes apelativos e, com um orçamento ínfimo, produziu A Noite do Terror (Le Notti del Terrore, no original), uma obra de gosto extremamente duvidoso.

O filme começa com o professor Harris (Raimondo Barbieri), um senhor barbudo que parece estar fazendo escavações arqueológicas em um antigo túmulo etrusco. O homem parece descobrir algum segredo oculto durante suas escavações, mas antes que possamos descobrir do que se trata, ele volta ao túmulo para escavar mais e acaba sendo atacado e morto por um bando de zumbis que emergem das catacumbas.

Pouco depois, vários veículos chegam na villa onde o professor Harris estava realizando seu trabalho. São alguns casais de amigos que o professor convidou para passarem alguns dias juntos com ele e aos quais pretendia revelar alguma informação importante. O principal casal é composto por Evelyn (Mariangela Giordano), George (Roberto Caporalli) e seu filho Michael (Pietro Barzocchini). E aqui somos apresentados a uma das principais características do exploitation italiano, os nomes “americanizados”. Como a maioria dos filmes produzidos na Itália tinham como objetivo o mercado americano de VHS, era comum que os personagens tivessem nomes de estilo americano. Também era comum que os atores, diretor e demais membros da equipe tivessem seus nomes alterados nos créditos, de modo a soar mais americanos.

Os casais se instalam na casa e são informados pelos empregados que o professor está ocupado com suas escavações, mas que virá recebê-los assim que for possível. Após se acomodarem, os casais aproveitam para fazer um pouco de sexo, afinal estamos em um filme exploitation italiano, onde é praticamente obrigatório mostrar nudez e cenas de sexo semiexplícito. É então que Evelyn e George acabam sendo surpreendidos em meio ao ato sexual por seu filho Michael. Como se a situação já não fosse incômoda e constrangedora o suficiente, o menino atua de forma muito estranha e perturbadora, com um olhar vidrado e uma expressão muito bizarra no rosto.

E esse é o maior triunfo desse filme, a (má) atuação de Pietro Barzocchini (ou Peter Bark, seu nome “americanizado” que aparece nos créditos), um ator que já tinha cerca de 30 anos na época das filmagens, mas que foi escalado para fazer o papel de um garoto de 13 anos. Como o ator sofria de um tipo raro de nanismo e seu tipo físico era bastante similar ao de uma criança, os produtores acharam que seria uma boa ideia colocá-lo para interpretar o filho do casal George e Evelyn. Porém, se esqueceram de reparar que o ator tinha a cara de um homem adulto, além de ter uma expressão bizarra e aterradora em alguns momentos. Isso sem falar que Pietro é um ator medíocre (mas isso pode ser dito de todos os “atores” desse filme).

Pois foi exatamente toda a bizarrice de vermos um homem adulto (tentar) atuar como uma criança na tela, aliado a toda a estranheza que as expressões de Pietro conseguem causar no público, que marcaram este filme e o converteram em um clássico cult. Sejamos sinceros, o filme é uma porcaria. As atuações são péssimas, o “roteiro” é ridículo e as maquiagens dos zumbis são uma atrocidade (ao ponto de um deles estar usando uma máscara do Frankenstein de Boris Karloff, com uma peruca e um pouco de sangue falso para disfarçar). Entretanto, vale a pena assistir essa obra tosca apenas para ver o senhor Pietro “atuando” como Michael.

Na manhã seguinte, após o café da manhã, os casais se separam e vão explorar a propriedade. Alguns vão tirar fotos, aproveitando os jardins da propriedade, enquanto outros apenas buscam aproveitar um pouco de tempo ao ar livre. De repente, coisas misteriosas começam a acontecer na casa. As luzes piscam e as lâmpadas estouram, deixando os empregados apavorados. Enquanto isso, os zumbis estão livres e se aproximam cada vez mais.

George e Evelyn vão até um dos porões da casa para ver as estatuas e demais artefatos recuperados pelo professor em suas escavações e resolvem aproveitar o lugar para praticar um pouco de... tiro ao alvo? Além da falta de sentido da cena, Michael se comporta o tempo todo como um moleque mimado e não deixa seus pais em paz um segundo sequer.

Um dos casais, composto por Mark (Gianluigi Chirizzi) e Janet (Wilma Truccolo), é atacado pelos zumbis, mas consegue escapar. Na cena seguinte, somos brindados com a fala mais memorável do filme, quando Michael cheira um pano velho que estava jogado no porão junto aos outros artefatos. O “menino” corre até sua mãe e diz: “Mamãe, este pano cheira a morte!”. Realmente, o roteiro deste filme é um primor no que se refere a diálogos.

Logo depois, os zumbis entram no porão e atacam a família. George tenta se defender com sua pistola, enquanto Evelyn e Michael fogem. No fim, George acaba morto pelos zumbis.

Os ataques prosseguem. Janet prende seu pé em uma armadilha para ursos e Mark tem que lutar contra os zumbis para protege-la. A luta só termina quando casal Leslie (Antonella Antinori) e James (Simoni Mattioli) chega para ajudá-los. Logo, todos os sobreviventes terminam encurralados na casa.

E é na casa que somos brindados com outra cena memorável, quando Michael, se aproveitando do desespero de sua mãe, tenta enfiar sua mão embaixo do vestido de Evelyn, que reage dando um tapa no filho, o qual pergunta: “Por quê? Sou seu filho!”. Então, finalmente entendemos por que Pietro Barzocchini foi escolhido para esse papel. Com certeza, os responsáveis pensaram que seria muito estranho colocar um menino para interpretar esta cena de incesto e optaram por um ator adulto. Entretanto, o resultado ficou ainda pior e a cena é extremamente constrangedora e incômoda.

O filme foi, em grande parte, filmado na Villa Parisi-Borghese, em Frascati, uma bela propriedade construída em 1604. Localizada a 21 km de Roma, a villa foi utilizada como cenário para vários filmes durante essa época, entre os quais “Sangue para Drácula” (1974) e atualmente pode ser alugada para cerimônias como festas e casamentos. Existe até um site com informações sobre a villa, se alguém estiver interessado em conhecer mais sobre o lugar: http://www.parisivilla.com/location/. Outra parte das cenas foi filmada com cenários reutilizados de outros filmes, nos estúdios De Paolis, em Roma. A diferença entre esses cenários é muito visível, visto a pobreza dos cenários em estúdio em comparação com a qualidade das cenas gravadas na villa.

Villa Parisi-Borghese

Como era comum na época, A Noite do Terror recebeu vários nomes ao ser lançado no exterior, tais como “Nights of Terror”, “Burial Ground” ou “Massacre Zombie”. No Brasil não foi diferente e o filme, além do título já mencionado, recebeu os nomes de “Noites de Terror” e “A Noite dos Mortos-Vivos” (é claro que não poderia faltar um plágio a obra de George Romero). Esse tipo de confusão era comum na época, pois cada distribuidora colocava no filme o título que lhe viesse à mente, não importando se a tradução era a correta ou se o título não tinha nada a ver com a obra em si.

No Brasil o filme também recebeu uma capa que não tinha nada a ver com a obra, com um zumbi armado e vestindo um uniforme nazista

Com o passar dos anos, A Noite do Terror conseguiu reunir uma grande legião de fãs e recebeu o status de filme cult, sendo considerado uma obra prima da tosquice cinematográfica.

Embora seja um filme terrivelmente ruim, vale a pena dar uma conferida se você for um fã hardcore de filmes trash.


sábado, 16 de abril de 2022

Terror na Ponte de Londres

 

Terror na Ponte de Londres (1985)

Ponte de Londres. Inglaterra, 1888.


O terrível assassino em série Jack, o Estripador é encurralado pelo Scotland Yard sobre uma das pontes do rio Tamisa. Ao tentar escapar, o assassino é baleado várias vezes. Ferido mortalmente, Jack se apoia na ponte, o que faz com que uma das pedras se solte e caia no rio, junto com o corpo de Jack.

Ponte de Londres. Lago Havasu, Arizona, 1985.

A pequena cidade de Lake Havasu comprou a antiga ponte de Londres e a transferiu da Inglaterra para as margens do lago que dá nome a cidade. Recentemente, a última pedra que faltava na ponte foi encontrada no fundo do Tamisa e enviada para a cidade, que preparou um grande festival pra comemorar o termino da reconstrução da ponte.

Porém, na noite anterior ao festival, uma mulher chamada Alice Williamson (Barbara Bingham) caminha pela ponte e acaba sofrendo um pequeno acidente. A mão da mulher se corta e uma gota de sangue cai sobre uma das pedras da ponte, justamente a mesma pedra em que o sangue do Estripador caiu a quase cem anos. Em contato com o sangue da mulher a pedra começa a fumegar e a emitir estranhas luzes. E então, inexplicavelmente, Jack, o Estripador renasce e ataca a mulher, matando-a degolada.

No dia seguinte, enquanto a cidade comemora o término da ponte, o marido da mulher assassinada, Dave Williamson (Michael Boyle), procura a polícia para denunciar o desaparecimento de sua esposa. Inicialmente, ninguém parece dar importância ao homem. Apenas Don Gregory (David Hasselhoff), um policial recentemente transferido de Chicago e que carrega um trauma de seu passado, resolve dar atenção ao marido preocupado e começa uma investigação sobre o desaparecimento.

Pouco depois, o corpo de Alice é encontrado por Angie (Stepfanie Kramer), a jovem dona de um barco de turismo e Don acredita que se trata de um caso muito sério. Porém, as autoridades locais estão muito mais preocupadas com o turismo e não pretendem dar atenção as preocupações de Don, que precisará contar com o auxílio de Angie (com quem começará um romance).

Enquanto Don investiga o assassinato, Jack (Paul Rossilli) está tentado retornar ao seu tempo e lugar de origem. De alguma forma, que o roteiro nunca explica, o assassino sabe que precisa matar a mesma quantidade de mulheres que matou em Londres e nas mesmas datas dos assassinatos originais e assim poderá voltar no tempo.

Terror na Ponte de Londres é um filme feito para a televisão pela famosa rede de televisão nova iorquina NBC e acabou sendo lançado com vários nomes, tais como “Bridge Across Time” (Ponte Através do Tempo), “Arizona Ripper” (Estripador do Arizona) ou “Terror at London Bridge”, nome pelo qual seria mais conhecido e no qual seria baseado o título que recebeu no Brasil. Com direção de E. W. Swackhamer (conhecido por trabalhar em séries de TV como “Lei e Ordem”) e roteiro de William F. Nolan (conhecido por ter escrito o roteiro do filme clássico de ficção cientifica “Fuga no Século 23”, de 1976), o filme foi feito com um orçamento mínimo (o que fica óbvio durante toda a produção) e buscava atrair o público com a presença de atores conhecidos e um roteiro absurdo, mas que prometia ser muito divertido.


Nos anos 1980, David Hasselhoff (também conhecido pelo apelido de “The Hoff”) estava em seu auge devido ao sucesso da série “A Super Máquina” (1982-1986), onde interpretava Michael Knight, um combatente do crime que é auxiliado por K.I.T.T., um carro ultra moderno e inteligente, cheio de recursos. Também atuaria como o salva-vidas Mitch Buchannon em “S.O.S. Malibu” (1989-2001), ao lado de Pamela Anderson e Carmen Electra. Curiosamente, tanto “A Super Máquina” (Knight Rider, no original) quanto “S.O.S. Malibu” (Baywatch, no original) também foram produzidas pela NBC. Assim sendo, não é de estranhar que Hasselhoff fosse escolhido para estrelar um filme produzido pelo mesmo canal de televisão onde já trabalhava.

David Hasselhoff e K.I.T.T. em "A Super Máquina"
David Hasselhoff em "SOS Malibu". E possível ver por que o ator era um símbolo sexual nos anos 1980
David Hasselhoff atualmente

Outra estrela conhecida que aparece nesta obra é Adrienne Barbeau, que interpreta a bibliotecária Lynn Chandler. Barbeau era um símbolo sexual nos anos 1980 e estrelou vários filmes conhecidos dessa década, como “A Bruma Assassina” (1980) e “Fuga de Nova York” (1981). Ela também havia sido casada com o grande diretor John Carpenter, com quem tinha se divorciado um ano antes de filmar este filme com Hasselhoff.

Adrienne Barbeau como Lynn Chandler
Adrienne Barbeau atualmente

Todavia, apesar de ter alguns rostos conhecidos do público, o filme sofre muito com as atuações forçadas e caricatas de praticamente todos os atores que aparecem em tela.

Além das atuações de baixa qualidade, o roteiro deste filme é igual um queijo suíço, ou seja, cheio de furos. Para começar, nunca é explicado exatamente como acontece a magia que permite que Jack, o Estripador seja transportado por quase um século. A situação simplesmente acontece e pronto. Da mesma forma, como é possível que Jack saiba que tem que matar a mesma quantidade de mulheres e nas mesmas datas de seus assassinatos originais e que assim poderá voltar ao seu tempo? Em certo momento, o assassino escreve uma carta aos jornais afirmando que “a pedra me disse para fazê-lo”. Mas tudo é muito vago e sem desenvolvimento nenhum.

Igualmente vago é a forma como Don Gregory descobre que o autor dos assassinatos é Jack, o Estripador original. Por acaso o policial estava lendo livros sobre o famoso assassino londrino e juntou as informações com o que lhe disse sua colega da equipe de perícia (Cameron Milzer), e pronto: Jack, o Estripador é o culpado. Aliás, o conceito de “sangue antigo” que a perita utiliza é de fazer qualquer especialista em criminologia querer arrancar os olhos de vergonha.

Talvez o maior erro do roteiro tenha sido o de desperdiçar a figura de Jack, o Estripador, talvez o maior e mais famoso assassino de todos os tempos, em uma trama tão desinteressante e pouco elaborada. 

Aparentemente, além de ser um assassino frio e implacavel, Jack, o Estripador também era um expert em camuflagem. Veja como ele consegue se mesclar perfeitamente em meio a vegetação.

O filme ainda tenta se levar a sério e inserir alguns momentos de drama que são completamente inúteis e terrivelmente chatos. Para completar, o “plot twist” que deveria ser o clímax do filme é revelado logo no fim do segundo ato, desperdiçando a única boa ideia que o filme estava tentando desenvolver.

Don Gregory conta seu trauma (que não importa para ninguém e não serve para praticamente nada na trama) para Angie em uma cena absolutamente chata

Porém, o mais interessante de tudo relacionado a esse filme é o fato de que ele está baseado em um evento real.

Não, Jack, o Estripador não reviveu nos anos 1980 e começou a matar pessoas. O evento real em que se baseou esta obra foi a ponte de Londres transferida para os Estados Unidos.

Na primeira vez em que vi este filme, pensei que a história de que a ponte de Londres tinha sido transferida da capital britânica e remontada em uma pequena cidade nos Estados Unidos era uma das muitas loucuras do roteiro, algo inventado para dar um pouco mais de sentido ao absurdo ressurgimento de Jack, o Estripador nos dias atuais. Entretanto, a história da ponte, apesar de incrível, é real. Aliás, sendo sinceros, este talvez seja o único ponto interessante neste filme.

A cidade de Londres possui várias pontes que atravessam o rio Tamisa. A mais famosa de todas é a Ponte da Torre de Londres, construída entre 1886 e 1894. Porém, existem muitas mais, algumas ainda mais antigas.

Pontes de Londres. Nessa imagem é possível ver três delas.
Ponte da Torre de Londres

Uma destas pontes, inaugurada em 1831, acabou se tornou um problema para o governo londrino já no inicio de 1900, quando se descobriu que ela estava afundando lentamente no rio, devido ao trafego intenso que a atravessava todos os dias, gerando um estresse que sua estrutura não estava preparada para suportar. Em 1924, algumas medições mostraram que o lado leste da ponte estava nove centímetros mais baixo que o lado oeste. O problema estava se agravando lentamente, mas a burocracia típica de qualquer governo acabou fazendo que a situação se arrasta-se, até que foi tomada a decisão de colocar a ponte a venda.

Foi então que surgiu Robert P. McCulloch, um investidor americano do ramo petrolífero que tinha fundado recentemente uma pequena cidade nas margens do lago Havasu, um lago artificial gerado por uma represa no rio Colorado. A cidade estava localizada nas terras que o governo dos Estados Unidos tinha cedido para McCulloch, com o acordo de que ele as desenvolvesse economicamente. Ao saber sobre a oferta da venda da ponte, McCulloch imaginou que a transferência dessa ponte para sua cidade ajudaria a atrair turistas para a região. Assim sendo, ofereceu 2,4 milhões de dólares e arrematou a ponte.

A ponte sendo remontada no Arizona
Robert P. McCulloch e sua ponte

Em 1968, a ponte foi desmontada e transportada em navio até a Califórnia, nos Estados Unidos. Depois, seguiu em caminhões até o interior do Arizona, onde foi remontada. Como não havia um rio no local, apenas o lago artificial, um canal de um quilometro de comprimento foi escavado para que as águas do lago corressem por debaixo da ponte. Toda a operação, incluindo a compra, o transporte, a reconstrução e a escavação do rio artificial, custaram mais de 12 milhões de dólares para Robert P. McCulloch. Entretanto, seu plano deu certo e a região acabou se desenvolvendo nos anos seguintes e ele conseguiu recuperar seu investimento com a venda de terrenos na cidade.

A obra foi inaugurada em 10 de outubro de 1971, com uma grande festa, que contou inclusive com a presença do prefeito de Londres. Atualmente, a ponte é um grande ponto turístico e atrai milhões de visitantes todos os anos. Se você quiser saber mais sobre esta incrível história, lhe recomendo este site:  https://www.magnusmundi.com/como-uma-ponte-de-londres-foi-parar-na-america/, onde obtive a maioria dos detalhes aqui colocados e algumas das imagens que ilustram esta resenha.

A ponte de Havasu Lake atualmente

E aí está. Terror na Ponte de Londres é um filme absurdo, com um roteiro insano e cheio de falhas e coroado por atuações ridículas, mas que vale a pena conhecer por todos os seus pontos históricos muito interessantes e por ser um óbvio produto de seu tempo.


 

 

sexta-feira, 8 de abril de 2022

O Massacre da Serra Elétrica 2

 O Massacre da Serra Elétrica 2 (1986)

Em 1974, o mundo foi apresentado a “O Massacre da Serra Elétrica”, uma verdadeira obra-prima do cinema de terror, considerado por muitos como o melhor filme do gênero slasher.

Dirigido por Tobe Hooper e roteirizado por Kim Henkel, “O Massacre da Serra Elétrica” foi um sucesso de público, critica e bilheteria. Muito desse sucesso se deveu ao incrível trabalho de direção de Hooper e ao fabuloso esforço de produção, tudo feito com um orçamento ínfimo de 300 mil dólares. Porém, o baixo orçamento foi compensado pela competência da equipe e o talento dos envolvidos. E assim, a imagem de Leatherface (magistralmente interpretado por Gunnar Hansen) como um assassino implacável e a família Sawyer como o clã de canibais sádicos ficaria eternamente marcada na cultura pop.

Tobe Hooper

Surpreendente, mesmo com todo o sucesso que conquistou e a enorme admiração que construiu ao seu redor, a obra de Tobe Hooper somente foi ter uma sequência doze anos depois. Mas, o mais surpreendente foi a virada total que Hooper daria para seu trabalho para produzir esta sequência, trocando o terror brutal e cru do primeiro filme (o qual havia levado a obra a ser banida em vários países, inclusive no Brasil) pelo humor negro e a sátira mordaz.

Em 1984, Hooper firmou um contrato com a mitológica produtora Cannon Filmes, de propriedade dos primos israelenses Menahem Golam e Yoram Globus, para a realização de três filmes, sendo que o último deles seria a sequência do filme de 1974. Nessa época Hooper já era muito mais reconhecido como diretor, não apenas devido ao sucesso de seu primeiro filme, como também graças ao seu trabalho junto com Steven Spielberg em “Poltergeist” (1982). Devido a isso, os primos Golam e Globus disponibilizaram mais de 4 milhões de dólares para que Hooper produzisse sua sequência.

Inicialmente, Hooper pretendia contar com Kim Henkel novamente no roteiro, que continuaria a história de Sally Hardest, a sobrevivente do primeiro filme (interpretada por Marylin Burns, que seria homenageada pelos fãs com o título de “Rainha do Grito”). Entretanto, como não foi possível contar com Henkel, Hooper contratou o texano L. M. Kit Carson (conhecido na época por ter feito o roteiro de “Paris, Texas” de 1984, um drama bastante elogiado, dirigido por Wim Wenders) para escrever o roteiro, o qual acabou sendo modificado várias vezes até dar origem a trama que seria retratada nas telas.

L. M. Kit Carson

O Massacre da Serra Elétrica 2 começa com os jovens Buzz (Barry Kinyon) e Rick (Chris Douridas), que estão viajando em uma rodovia isolada no Texas. Os dois rapazes estão indo para o estádio Cotton Bowl, na capital texana Dallas e aproveitam sua viagem para beber e atirar nas placas de trânsito na beira da estrada. Os dois garotos usam o telefone do carro e ligam para a K-OKLA, uma rádio local, onde são atendidos pela DJ Vanita “Stretch” Brock (Caroline Williams). 


Os jovens são uns babacas e a pobre DJ Stretch não consegue fazer com que desliguem, sendo obrigada a mantê-los no ar por um tempo. E é então que o carro de Buzz e Rick passa por uma picape e são atacados por ninguém mais ninguém menos que Leatherface (Bill Johnson), que usa sua icônica motosserra para cortar o teto do carro e assassinar os rapazes. Todo o ataque, incluindo os gritos de morte dos jovens, é transmitido pela rádio e termina gravado por Stretch. 

No dia seguinte, a polícia está investigando o local do crime. E é nessa cena que surge Boude “Lefty” Enright (Dennis Hopper), um tenente da polícia que está investigando a vários anos os crimes da família Sawyer. Lefty tem um motivo pessoal para querer encontrar a família de canibais: ele é tio de Franklin e Sally, os irmãos que aparecem no primeiro filme. Entretanto, ninguém parece levar a sério as suspeitas de Lefty e a maioria dos outros policiais o vê como um louco obcecado (algo que parece ser verdade, conforme veremos no decorrer da trama).

Mesmo sem apoio oficial, Lefty acredita que está no caminho certo e pretende continuar suas investigações. Ele é então contatado por Stretch, que quer mostrar para ele a fita dos últimos momentos de Buzz e Rick. Inicialmente o tente se recusa a ouvir a DJ (algo totalmente inexplicável, afinal ele está a treze anos buscando por uma pista e quando essa pista finalmente aparece, ele se recusa a ouvi-la), mas depois é convencido e pede que a moça toque a fita na rádio, para que o público ouça e entenda o perigo que a família Sawyer representa. Stretch concorda, mas o que ela não sabe é que o plano de Lefty é usa-la como isca para atrair os Sawyer.

Enquanto isso, somos apresentados a Drayton Sawyer (Jim Siedow), o irmão de Leatherface, conhecido como o Cozinheiro no primeiro filme, o qual está participando de um concurso de melhor chili com carne dos estados do Texas e Oklahoma. Aqui cabe um pequeno adendo: para quem não conhece, Chili é uma palavra em espanhol que se refere a um molho feito à base de pimenta. Entretanto, Chili também é o nome de um prato tradicional da culinária mexicana, feito com pimenta, feijão e carne moída, e é a esse tipo de chili que o filme se refere. No concurso também estão presentes Stretch e seu colega LG Mc Peters (Lou Perryman), que estão transmitindo o concurso para sua rádio. Ao ser anunciado como o vencedor do concurso, Drayton declara que o segredo de seu sucesso é que ele tem “um bom olho para carne de qualidade. É de família.”. Quem conhece a família Sawyer já deve imaginar a que tipo de carne o Cozinheiro está se referindo.

Na cena seguinte, vemos Lefty chegar a uma loja de motosserras chamada Cut-Rite, onde o tenente se arma para combater os Sawyer. Lefty compra duas motosserras pequenas para usar com apenas uma mão e uma motosserra grande de duas mãos. Animado pelo dono da loja, ele resolve testar as motosserras em um tronco especialmente colocado para isso na frente da loja, e nos brinda com uma cena antológica, onde fica claro que o tenente não regula bem, da cabeça e está realmente obcecado com enfrentar a família Sawyer.


Durante a viagem de volta após vencer o concurso, Drayton recebe uma ligação e é informado que uma rádio está transmitindo uma fita que incrimina sua família no assassinato dos jovens do início do filme. Revoltado com o amadorismo de seus familiares, Drayton ordena que resolvam o problema imediatamente.

Naquela noite, Stretch está sozinha na rádio quando é abordada pelo personagem mais memorável deste filme: Chop Top (Bill Moseley), outro irmão de Leatherface, que parece ter servido no Vietnã, de onde voltou com uma placa de metal na cabeça. Chop Top atua como um maluco completo, falando frases desconexas e atuando de maneira errática. Outra característica marcante do personagem é o fato de que ele usa um gancho de arame para ficar coçando a placa de metal em sua cabeça, ao mesmo tempo em que tira pequenos pedaços da pele ao redor da placa e os come. A cena em que Stretch o descobre dentro da rádio é extremamente incômoda, com a DJ tentando fazer de tudo para se livrar do inconveniente visitante, a medida em que fica cada vez mais desesperada com a situação.

Porém, Chop Top não veio sozinho a rádio. Junto com ele está Leatherface, que ataca Stretch. A garota consegue fugir e se refugia em uma sala com uma parede de aço. Enquanto isso, LG chega a rádio e confronta Chop Top, mas termina nocauteado por Leatherface. 

Stretch se desespera ao ver Leatherface finalmente invadir seu esconderijo derrubando uma parede. Inicialmente, parece que o assassino mascarado vai matar a garota, mas ela consegue convencê-lo a deixá-la viva, apelando para os nascentes instintos sexuais dele. E nesse momento que somos brindados com a cena mais constrangedora desse filme, quando Leatherface esfrega sua motosserra na virilha de Stretch e parece estar tendo uma espécie de prazer sexual com isso.

Chop Top e Leatherface levam o corpo de LG embora e Stretch resolve segui-los. Ao mesmo tempo, Lefty também segue a dupla de assassinos. Todos acabam chegando a um parque de diversões abandonado chamado Texas Battle Land. Ali, Stretch acaba capturada pelos Sawyer e é levada para participar de um jantar com a família (em uma cópia descarada do jantar do primeiro filme, inclusive com uma cena do vovô Sawyer golpeando a protagonista na cabeça com um martelo). 

Enquanto isso, Lefty descobre o esqueleto mutilado de Frank em um dos túneis do local. Tomado de ira, o tenente resolve derrubar o local e começa a serrar as vigas de sustentação, enquanto grita insultos e desafios aos seus inimigos.


O Massacre da Serra Elétrica 2 não foi um fracasso de bilheteria (o filme rendeu 8 milhões de dólares nos Estados Unidos), mas diante do sucesso estrondoso do primeiro filme, foi uma queda bastante expressiva no faturamento. Também houve muitas criticas negativas e uma boa parte do público, principalmente os fãs da obra original, não gostaram do tom do filme. A maioria do público esperava um filme de terror na mesma linha do primeiro, e não aceitaram muito bem o humor negro e a sátira presentes nesta sequência. O próprio pôster do filme foi motivo de críticas, pois é uma cópia óbvia do pôster de “O Clube dos Cinco” (1985).

É claro que as críticas do público têm sentido e são bastante validas, principalmente ao se comparar o filme de 1986 com a obra original de 1974. Onde o primeiro Massacre da Serra Elétrica era sombrio, sujo e descolorido, este segundo filme é claro, limpo e cheio de cores. Enquanto o primeiro apresentava uma imagem crua e repulsiva da humanidade e fazia críticas ao consumo de carne, a mecanização da indústria e ao isolamento humano e tudo que isso implicava, este deixou as críticas sociais de lado e mostrou uma humanidade mais bizarra e excêntrica, pendendo sempre mais para o humor e menos para o terror. As diferenças claras entre as duas obras não impediram que O Massacre da Serra Elétrica 2 tivesse o mesmo destino da obra original e fosse banido em alguns países, como Alemanha, Austrália e Singapura.

Entretanto, com o passar do tempo e, principalmente, diante das continuações cada vez piores e mais absurdas, muitos fãs começaram a ver esse filme com outros olhos e ele ganhou sua própria legião de fãs. Obviamente, este é um filme trash, com um roteiro destrambelhado, situações absurdas e personagens caricatos. Mas, comparado ao que ainda viria a ser mostrado futuramente na saga (como o pavoroso “Massacre da Serra Elétrica- A Nova Geração” de 1995), esta obra tem seus méritos, como o humor satírico e a presença de Chop Top, que marcou boa parte do público com suas maluquices. 

O personagem foi tão marcante que conseguiu gerar um filme próprio: “All American Massacre” (2000) foi dirigido por William Hooper, filho de Tobe Hooper, e traria Bill Moseley de volta ao papel do maluco com a placa de metal na cabeça. Infelizmente, o filme acabou nunca sendo lançado, devido a problemas com os direitos autorais. 

Bill Moseley como Chop Top em um pôster para "All American Massacre"

Outro ponto marcante foram os efeitos especiais realizados por Tom Savini, um mestre dos efeitos visuais, que trabalhou em filmes de terror clássicos como “Sexta-Feira 13” (1980) e “Despertar dos Mortos” (1978).

Tom Savini e Caroline Williams confraternizando durante as filmagens de O Massacre da Serra Elétrica 2

Ao fim e ao cabo, O Massacre da Serra Elétrica 2 pode não ser um filme perfeito ou a sequência que o filme de 1974 merecia, mas com certeza é um filme trash muito divertido e que vale a pena ser apreciado pelos fãs do gênero.

 

 

 

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